domingo, 17 de agosto de 2008

"No meu prédio também moram andorinhas"


Parecia estar exausta. Quando lhe peguei, não fez o mínimo gesto para fugir, parecendo mais assustada por mãos estranhas a envolverem sem entender para onde a levavam.
Era uma andorinha jovem e estava caída no passeio da minha rua, parecendo estranho ainda ali permanecer quando por aquele empedrado vagueiam alguns gatos e cães, também eles esfomeados e sem abrigo à procura de um recanto para dormir.
Peguei nela e levei-a para minha casa, improvisando na minha varanda um ninho à semelhança daquele de onde provavelmente teria caído, com duas tigelas sobrepostas, onde a Mafalda geralmente come os cereais, deixando uma pequena abertura na eventualidade da jovem andorinha querer sair depois de recuperada.
Por mera curiosidade, coloquei-lhe numa das patas uma pequena anilha amarela, para na eventualidade de a poder observar numa outra circunstância no seu vai e vem do ciclo migratório.
Sem forças, deitei-a dentro da tigela que envolvi com trapos para se tornar mais acolhedor, enquanto me entretia a apanhar moscas e outros insectos que colocava ao seu lado na companhia de pequenos pedaços de pão.
Por duvidar da sua capacidade de se alimentar, por vezes abria-lhe o bico, dando-lhe de beber e alimentando-a até que me pareceu nada mais querer, quando já a noite se tinha abatido sobre Alhos Vedros e a lua parecia ter ancorado no seu cais.
No dia seguinte, a tigela, promovida provisoriamente à categoria de ninho estava vazia, e no seu interior nada restava dos vários insectos e pedaços de pão ali colocados, tendo a andorinha seguido o seu caminho provavelmente para paragens distantes no norte de África.
Pensei nunca mais a ver, pois, como seria natural, era uma entre tantas andorinhas que no seu ciclo migratório nem sempre regressam ao mesmo sítio.
Este ano, chegada a Primavera, mais uma vez me atarefei a afugentar as andorinhas que teimosamente tentavam fazer o ninho nos recantos da minha varanda.
Ainda no seu início, derrubei por duas vezes um ninho ainda em construção e, perante tanta insistência minha, aquelas andorinhas acabaram por desistir indo fazer o ninho não muito longe dali, mesmo por cima da porta de entrada do prédio onde moro, no entrelaçado dos cabos eléctricos que serpenteiam aquela construção.
Achei curioso a sua teimosia em querer fazer o ninho sempre ali nas proximidades, até que reparei, quando uma delas pousou no parapeito da minha varanda (o que estranhamente passou a fazer com alguma regularidade) que numa das patas ostentava uma pequena anilha amarela, e foi então que compreendi a sua teimosia em querer fazer o ninho próximo do local de onde partira no ano anterior.
Embora não fale, os seus voos rasantes acompanhados por um piar harmonioso quando sobrevoa por cima de mim quando venho à varanda, parecem ser uma singela expressão de gratidão, agradecendo a hospitalidade que lhe foi dispensada num dos momentos trágicos da sua vida, enquanto que no seu redopio alimenta as suas duas crias que parecem já estar preparadas para quando se iniciar a sua primeira aventura na procura de outros locais onde a temperatura é mais acolhedora.
O prédio onde moro (onde se sustenta aquela pequena estrutura de argamassa onde moram agora quatro andorinhas) prepara-se para ficar mais vazio quando as noites frias indicarem que é tempo delas iniciarem a longa marcha, até que as alterações climáticas as tragam de novo à minha rua, onde a gratidão destas aves parece ter ofuscado aquela que alguns humanos há muito riscaram do seu vocabulário.

Carlos Vardasca
17 de Agosto de 2008

Nota: Artigo enviado para o jornal "O RIO", jornal regional e independente do Concelho da Moita.
* Com este artigo sigo para férias e regresso no final de Agosto.

Foi no mesmo dia e em Agosto, mas há 38 anos.


(...) Em 17 de Agosto de 1971, iniciou-se a Operação "OCIDENTE 2", coluna de reabastecimento de Palma a Nangade, efectuada por dois Grupos de Combate da Companhia de Caçadores de Moçimboa da Praia. A coluna chegou a Pundanhar e saiu para Nangade no mesmo dia, tendo ali chegado no dia seguinte. Asseguraram protecção do itinerário 2 Grupos de Combate da Companhia de Caçadores 2703 e dois Grupos de Combate da Companhia de Artilharia 2745.
Os primeiros encontraram na picada panfletos de propaganda do IN (FRELIMO) e os segundos detectaram e destruíram 1 mina anti-carro. Durante esta operação uma Berliet accionou uma mina anti-carro ficando danificada.
Foto 1: Licínio José de Jesus Lopes (de alcunha o "Tremoço") Soldado Condutor Auto Rodas, NM 16985870 da Compania de Caçadores 3309, que ficou ligeiramente ferido após o rebentamento da mina anti-carro nesta coluna de reabastecimento. O "Tremoço" era natural da aldeia da Rasca (Setúbal) e faleceu em Agosto de 1999.
Foto 2: Aquartelamento de Pundanhar onde estava estacionada a Companhia de Caçadores 2703, e onde a Companhia de Caçadores 3309 com regularidade ali ficava estacionada, nos intervalos das suas intervenções na protecção às colunas de reabastecimento ou em operações de patrulhamento.
(In: Relatório da Região Militar de Moçambique. Batalhão de Artilharia 2918. História da Unidade, Décimo terceiro fascículo (Agosto de 1971) Arquivo Histórico Militar de Lisboa).