sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

História da Companhia de Caçadores 3309

Informação

Cumpre-me informar que, graças à prestimosa e generosa colaboração de todos quantos se dignaram enviar os seus “Álbuns de Guerra”, contribuindo e tornando possível dessa forma a edição em livro da História da Companhia de Caçadores 3309 e aos quais estou imensamente agradecido, que a respectiva obra já se encontra concluída e em condições de ser editada.
Para o efeito, e com o objectivo de tornar aquela obra mais acessível em termos monetários aos ex-combatentes da C.CAÇ. 3309 e a todos, para além de nós, que se mostrassem interessados e a viessem adquirir, contactei com várias entidades para que as mesmas pudessem patrocinar o livro, tendo enviado o orçamento por elas posteriormente solicitado, como condição para que o respectivo apoio fosse concedido.
Depois de lhes ter enviado
[1] com alguma antecedência o orçamento que considerei o mais acessível de entre as várias tipografias por mim contactadas; o da Tipografia Belgráfica, Lda. (Alhos Vedros) cujo orçamento para a edição de mil exemplares é de 10.575,00 Euros, informo todos vós que até ao presente momento (para além de alguma intenção manifestada) ainda não recebi qualquer resposta concreta no sentido de viabilizar a edição do livro, obra que narra ao longo de 382 páginas a “Epopeia Trágico-Marítima” da Companhia de Caçadores 3309, desde o IAO em Chaves até às margens do rio Rovuma em Moçambique e que tem por título, “Do Tejo ao Rovuma. Uma breve pausa num tempo das nossas vidas”.
Tendo em conta o exposto e após este esclarecimento, informo que é de todo impossível concretizar o lançamento da respectiva obra no XIX Encontro Nacional da Companhia de Caçadores 3309 a realizar em Vila Viçosa no dia 07 de Março de 2009 como era o meu objectivo, continuando no entanto os meus esforços e possivelmente encetar outros contactos para além dos já efectuados, com o objectivo de viabilizar a edição daquele documento, que considero de toda a importância histórica, não só para quem como nós participou e viveu aquele conflito colonial de má memória, mas também para quem (ao adquirir o livro) pretenda com esse gesto preservar um pedaço da nossa memória colectiva, não querendo esquecer que foi nele que grande parte da nossa juventude sentiu “que um pedaço das suas vidas lhes foi arrancada sem jeito nem prosa”.

O autor
Carlos Vardasca
(Braz)
Ex-Soldado Condutor Auto Rodas
da Companhia de Caçadores 3309

[1] Construções Pintal (S.João da Madeira) e Cafés Delta (Campo Maior).
Foto: Capa e contra-capa do livro "Do Tejo ao Rovuma. Uma breve pausa num tempo das nossas vidas".

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Quando os "Checas" chegaram a Nangade.

(...) Depois de ter pernoitado em Pundanhar e percorrido mais cerca de cinquenta quilómetros, a coluna militar aproximava-se agora do seu destino.
Ainda as primeiras viaturas tinham acabado de entrar no aquartelamento de Nangade e já a recepção aos “Checas” era encenada com uma tal perfeição, não fora as câmaras de televisão de cartão contrastarem com a realidade dos silvos dos morteiros que disparavam compassadamente; do roncar dos Obus 14
[1] e do tagarelar das antiaéreas que, em coro, se faziam disparar do planalto em direcção ao morro que se erguia todo majestoso depois do extenso vale, em direcção ao Lago Nangade que antecedia o rio Rovuma e as escuras escarpas das montanhas da Tanzânia.
Os soldados saíam como ratos dos abrigos e disparavam rajadas de metralhadora exteriorizando o seu contentamento por verem chegar uma nova Companhia, enquanto alguns corriam pela pista de aviação improvisada, deambulando da viatura em viatura, não contendo a sua alegria na procura de algum conterrâneo.
- Epá! - Não há aí nenhum cabrão de Meimoa? - dizia um soldado com um excessivo entusiasmo, ao que o Nabais respondeu do alto da viatura sentado em cima de um amontoado de sacos de farinha:
-
Vamos por partes, cabrão és tu, mas de Meimoa sou eu.
- Olha o “contrabandista”! - gritou o outro de alegria ao reconhecer-lhe a voz.
Nabais, ao reconhecer o seu amigo de infância, saltou de imediato para a pista poeirenta (onde se abastecia um helicóptero que acabara de trazer o correio) e abraçou-o, apertando-o com tanta força que parecia querer esmagá-lo contra o seu peito.
-
Vocês tiveram muita sorte em não terem sido atacados na coluna - continuando a explicação para quem o ouvia:
- Nesta zona há maningue
[2] de turras e eles costumam, para além dos ataques normais aos aquartelamentos, atacar as colunas de reabastecimento quando sabem que nelas vêm companhias de “Checas” para alguma rendição - tranquilizava o amigo do Nabais.
Fazendo parte da encenação que tinha como objectivo impressionar as tropas acabadas de chegar e que agora já se encontravam formadas em frente à messe de oficiais, alguns soldados, que exibiam as divisas de capitão e de major, passeavam-se por entre a formatura implicando com tudo o que poderia ser objecto de chacota, provocando a gargalhada nos demais soldados que assistiam, perante a indiferença ou a risota contida de alguns dos oficiais que tinham emprestado os seus galões para a brincadeira, enquanto o furriel Champalimoud, enfermeiro do Batalhão de Artilharia 2918 se esforçava por registar aqueles momentos na sua velha Olympus.
-
Oh nosso soldado, então isto são modos de se apresentar na formatura? - todo molhado, com a barba por fazer e as botas todas enlameadas:
- Não foi assim que te ensinaram na puta da recruta pois não?
Ao que o soldado Saavedra da C.CAÇ. 3309, meio receoso mas indignado respondeu:
-
Meu capitão, como vê, acabei de chegar do mato e como é que eu fazia a barba?
- ...Com os teus cornos meu maricas; ― respondeu o primeiro, fingindo-se rabugento.
A indignação apoderou-se do Saavedra que de vermelho se parecia com uma caldeira de uma locomotiva a vapor pronta explodir. O soldado, que se passava por capitão, apercebendo-se do semblante carregado do soldado que traduzia a revolta interior que provocara, deu em rir à gargalhada abraçando-se de imediato ao Saavedra.
-
É pá, desculpa lá, eu fui longe demais!
-
Isto é apenas uma brincadeira que é tradição fazermos às tropas que chegam do novo aqui a Nangade.
- Não me leves a mal mas eu não sou capitão - ao que o Saavedra respondeu enfurecido mas esboçando um ligeiro sorriso:
-
Não és capitão, mas estavas prestes a ser um monte de merda tombado aí no chão, com um tiro nos cornos, se teimasses em levar a brincadeira mais longe.
Entretanto, pelo silêncio que se apoderou de toda a formatura, adivinhava-se já a presença do Tenente Coronel Vasconcelos Porto, comandante do aquartelamento de Nangade e pertencente ao Batalhão de Artilharia 2918, que numa pose que aparentava alguma arrogância, iniciava o seu discurso de boas vindas à 3309 aos 25 dias de Fevereiro de 1971 (...)


Carlos Vardasca
25 de Fevereiro de 2009

in: "Fardados de Lama", páginas 31,32 e 33. Carlos Vardasca. Alhos Vedros, 2007.

[1] Peça de artilharia pesada.
[2] Muitos, em dialecto Maconde.

Foto 1: O Saavedra, posa para a foto dentro do barco capturado pela C.CAÇ. 3309, quando guerrilheiros da FRELIMO tentavam atravessar o rio Rovuma vindos da Tanzânia (que se vê ao fundo). Aquartelamento de Nova Torres. Moçambique, 1971.
Foto 2: O Saavedra (ao centro e em tronco nu) na companhia do 1º Cabo Atirador Serrinha, do "Cartaxo" e de outro companheiro da Companhia de Caçadores 3309. Aquartelamento de Tartibo. Moçambique, 1971.
Foto 3: O Saavedra (o primeiro a conta da esquerda) na companhia do 1º Cabo Mecânico Silva e do Soldado Condutor Carlos Vardasca (Braz), junto da caserna que foi atingida com granadas de morteiro 82mm (é visível a vasta perfuração na chapa de zinco) num dos ataques da FRELIMO ao Aquartelamento da C.CAÇ. 3309. Tartibo. Moçambique, 1971

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Desembarque na praia de Palma

(...) As pequenas ilhas de Rongi e de Tecomati já tinham ficado muito para lá da ré da Corveta “João Coutinho”, e os coqueiros nas praias da Baía de Palma já se mostravam alinhados para receberem mais uns CHECAS[1]. A vila de Palma não tinha cais de atracagem e aquele vaso de guerra ancorou ao largo às 11.30 horas no dia 23 de Fevereiro de 1971.
A Companhia de Caçadores 3309 foi transferida para umas lanchas de desembarque que fizeram a sua aproximação a terra, não o conseguindo na sua totalidade dado à existência de vários bancos de areia na maré baixa que impossibilitaram o seu desembarque nas condições que se previam.
Separados da praia por largos canais com alguma profundidade, a maioria dos soldados tiveram que se lançar à água que lhes dava pelo peito, levantando bem alto os braços para protegerem a G3 e as mochilas, sentido as águas gélidas do Índico a inundarem-lhes as entranhas, apesar do calor que se fazia sentir.
Da praia surgiram vários elementos da população, geralmente jovens corpulentos, que se ofereciam para transportar às suas cavalitas algum soldado que se prestasse a recompensá-los com alguns trocos.
O FOZ, com o seu ar de marialva que sempre exibia, logo se prestou a pagar para que o transportassem para terra, não deixando no entanto de despejar um pouco da sua ironia quando me viu recusar a mesma oferta, fazendo a minha aproximação a terra com a água pelo peito, transportando com alguma dificuldade a mochila e a G3, dizendo:
— É pá Braz, com medo que te chamem colonialista, preferes encharcar-te até ao pescoço, mais parecendo um fuzileiro americano no desembarque na Normandia.
Não fui o único que escolhi aquela via, e foi com alguma satisfação que vi muitos companheiros meus a recusaram ser transportados aos ombros dos nativos, preferindo que a humidade das águas tranquilas da Baía de Palma lhes trespassasse o camuflado, do que adoptarem uma pose que lhes pareceu humilhante, bem ao jeito dos costumes coloniais.
Na praia, enquanto os soldados trocavam de roupa rodeados por crianças intranquilas que brincavam em seu redor, ora descendo dos coqueiros oferecendo-nos os seus frutos em troca de uma “quinhenta”, outros, os mais adultos, com as suas vestes muçulmanas muito brancas, amontoavam-se na praia curiosos, alguns deles com atitudes subservientes perante o ocupante, outros, murmurando em dialecto Maconde pragas que nenhum de nós entendia mas que denotavam algum descontentamento pela chegada de mais tropas àquela localidade:
Ukakwenu njungu, ashi asinavasinu shilambo shako
[2]: — levando à intervenção dos Cipaios[3] por ordem do Administrador do Posto, que acabaram por fazer algumas detenções e dispersar a multidão que se tinha aglomerado na praia.
No dia seguinte, a Companhia de Caçadores 3309 partia em coluna militar para Nangade onde chegou a 25 de Fevereiro de 1971, tendo no dia 24 passado primeiro pelo aquartelamento de Pundanhar, ao quilómetro 50, onde passou a noite, dormindo no chão, debaixo dos beirais dos telhados de colmo que pendiam das palhotas do aldeamento local, que se misturavam com os edifícios militares dentro do perímetro defensivo daquele pequeno aquartelamento no norte de Moçambique, na zona de intervenção de Cabo Delgado, próximo do rio Rovuma na fronteira com a Tanzânia (...)

Carlos Vardasca

23 de Fevereiro de 1971

in: "Onde o sol castiga mais. Crónicas de guerra 1970-1973", páginas 9 e 10. Carlos Vardasca. Alhos Vedros, 2005

[1] CHECAS, tropas que iniciavam a sua missão no teatro de operações.
[2] Vai-te embora branco, esta não é a tua terra, em dialecto da etnia Maconde.
[3] Polícia local.
Foto 1: Foto tirada logo após o meu desembarque em Palma.
Foto 2: Corveta NRP "João Coutinho" da Marinha de Guerra portuguesa, que transportou a Companhia de Caçadores 3309 de Porto Amélia (Pemba) até à povoação de Palma no norte de Moçambique, em 23 de Fevereiro de 1971.
Foto 3: Aspecto da praia de Palma onde se deu o desembarque da C.CAÇ. 3309.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Movimento Cívico de Antigos Combatentes (divulgação)

COMUNICADO DE IMPRENSA

Na quinta feira, dia 22 de Janeiro de 2009 pelas 12h00 horas, foi entregue na Assembleia da República ao Sr. Presidente da AR Prof. Dr. Jaime Gama, em audiência específica para o efeito, uma petição de cerca de 12.000 assinaturas para transladar para Portugal os restos mortais dos militares portugueses mortos durante a Guerra do Ultramar.
Integraram a Comissão que realizou a entrega:
- José Nascimento Rodrigues
- António Brito
- Joaquim Coelho
Autores da Petição e em representação do MCAC – Movimento Cívico de Combatentes
- Augusto de Freitas
Presidente da APVG – Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra – Associação com cerca de 50.000 associados
- Armando Vieira
Presidente da ANAFRE – Associação Nacional de Freguesias
- Moreira Marques (Que realizou o feito notável de, sozinho, se ter deslocado a Moçambique e resgatado os restos mortais de dois militares portugueses que morreram em combate).
Estes militares eram naturais da Freguesia de S. Miguel do Outeiro, da qual Moreira Marques é Presidente.
Movimento de Antigos Combatentes:
Os antigos combatentes estão mobilizados para que se faça a transladação dos irmãos de armas que morreram durante a guerra colonial e foram abandonados.
Criado em Outubro de 2006, o Movimento Cívico de Antigos Combatentes, lançou em 10 de Junho de 2008 uma gigantesca campanha de recolha de assinaturas para uma Petição a entregar à Assembleia da República.
Esta campanha foi possível com o apoio dos combatentes de África e de outros cidadãos, também eles chocados com a realidade desses locais, mostrados na reportagem da RTP de 20 de Setembro de 2006.
Nessa reportagem, podem ver-se lixeiras e construção de casas por cima de campas de militares portugueses no cemitério de Bambadinca, na Guiné-Bissau, perante a passividade das autoridades portuguesas em Portugal.
Revoltados com a situação, os antigos combatentes responderam em massa à chamada. Seis meses volvidos sobre o início deste combate sem armas, os soldados de África estão mais do que nunca envolvidos nesta luta que querem ganhar.
Um único objectivo:
Conseguir que até 10 de Junho de 2012, os restos mortais dos militares que morreram em combate pela Pátria e ainda lá se encontram, abandonados e sem dignidade, regressem finalmente a Portugal, tenham a homenagem que merecem, entregues às famílias e amigos para, finalmente, poderem repousar em paz num local digno.
Participam e colaboram nesta missão:
MCAC – Movimento Cívico de Antigos Combatentes
APVG – Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra
ANCU – Associação Nacional dos Combatentes do Ultramar
ADFA – Associação dos Deficientes das Forças Armadas
APOIAR – Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vitimas do Stress de Guerra
APEM – Associação Portuguesa de Ex-Combatentes Militares
ANAFRE – Associação Nacional de Freguesias
APA – Associação de Praças da Armada
Associação dos Antigos Combatentes do Ultramar do Concelho de Cuba
Associação de Pára-quedistas de Terras de Santa Maria
Associação de Pára-quedistas de Guimarães
Alguns Núcleos da Liga dos Combatentes

PONTOS E LOCAIS DE INFORMAÇÃO E RECOLHA DE ASSINATURAS:

PORTUGAL:
Abrantes – Alferrarede – Almada – Alter do Chão – Asseiceira – Aveiro - Barreiro - Braga – Caminha – Caneças – Castelo de Paiva – Constância - Ermesinde – Figueira da Foz – Gafanha da Encarnação - Gondomar – Guimarães - Lagoa – Lisboa – Lousã – Mafra – Marco de Canavezes – Marinha Grande – Mem Martins - Olhão – Pedone - Ponte de Sor – Portimão - Porto – Rio de Mouro – Rio Maior – Samora Correia – Santarém – S. Facundo – Sesimbra – Setúbal – Sines – Sintra– Sobreda/Almada – Terras de Santa Maria - Tondela – Vale Frechoso – Valença do Minho – Vila das Aves - Viana do Castelo – Vila Nova de Gaia – Vila Nova da Barquinha.

FRANÇA:Lyon

Este projecto só é possível pelo envolvimento,“DAQUELES QUE PERMANECEM FIÉIS AOS SEUS PRINCÍPIOS, PERFILHAM O RESPEITO, O SENTIDO DA HONRA, DO DEVER E DA DIGNIDADE”.

Movimento Cívico de Antigos Combatentes
Janeiro de 2009