domingo, 24 de janeiro de 2010

“Lenços levantados do chão”

(...) As carruagens foram entrando lentamente no Cais de Alcântara, para logo um aglomerado de pessoas que ali se concentraram se aproximassem das composições um pouco ferrugentas, que no seu andar vagaroso pareciam agora arfar de cansaço depois de terem partido muito cedo ainda a escuridão pairava sobre Viana do Castelo.
Ansiosas, correndo de carruagem em carruagem na ânsia de encontrar alguém, eram as mulheres que exprimiam com mais ênfase a sua dor por uma separação que se previa breve, enquanto os homens, mais contidos nestas coisas relacionadas com a explosão dos afectos (que diziam ser tarefa de mulheres) mantinham-se um pouco mais distantes debaixo das arcadas do edifício da Companhia Colonial da Navegação, esperando que os militares saíssem das carruagens e então pudessem abraçar alguém que diziam lhes “estar a ser arrancado sem jeito nem prosa”.
Tal era a pressa em levar aqueles militares para bem longe dali, que foi muito breve a sua permanência junto dos seus familiares, para logo os alinharem em formatura e desfilarem na calçada empedrada onde o bater das suas botas parecia gritar de raiva.
Nem mesmo o som um pouco desafinado da “Maria da Fonte” que se ouvia por todo o cais de embarque distraiu os mais atentos, que tentavam encontrar por entre as formaturas que marchavam desalinhadas, um filho, um marido ou mesmo um amante que não tiveram tempo para amar e a guerra agora os separava.
Enquanto subiam muito lentamente para bordo do “Niassa”, os militares não desviavam o olhar daquela imensidão de gente, que de braços estendidos e de aspecto angustiado pareciam querer arrancá-los à força daquele navio e levá-los para bem longe dali.
Decorria o dia 24 de Janeiro de 1971, e o “Niassa” (que há muito já deveria estar num qualquer estaleiro de desmantelamento) preparava-se para engolir nos seus porões vários contingentes de tropas com destino a Moçambique, entre os quais o Batalhão de Caçadores 3834 de que fazia parte a Companhia de Caçadores 3309.
Afastando-se do cais e ligeiramente inclinado para um dos bordos, o velho navio soltou cinco estridentes apitos que agitaram ainda mais os gritos de saudade e os protestos que se ouviam daquele amontoado de gente, que ecoaram bem fundo no coração de quem, agora dependurado num dos mastros fora arrancado do amanho da terra e do aconchego familiar.
No cais, uma imensidão de braços agitavam lenços enegrecidos pela dor como se tivessem sido “levantados do chão”, enquanto o “Niassa”, indiferente a tanta angústia que ficara em terra, já um pouco distante navegava em direcção à foz do Tejo rumo ao Atlântico, onde pretendia refugiar-se de todo aquele pranto que ainda agitava o Cais de Alcântara, e despejar toda a sua “mercadoria” num qualquer país distante, onde os “Velhos do Restelo” teimavam em manter um “Império Colonial que há muito não lhes pertencia” mas onde se adiava o futuro de muitos jovens e se rasgava a vida a outros tantos (...)

Carlos Vardasca
24 de Janeiro de 2010
In. "A Guerra Contada Por Quem Sobreviveu". Carlos Vardasca, Alhso Vedros, 2010.

Fotos 1 e 2: Embarque do Batalhão de Caçadores 3834 para Moçambique no navio "Niassa". Cais de Alcântara. Lisboa, 24 de Janeiro de 1971.
Foto 3: Já abordo do "Niassa" podem ver-se, entre outros, os Soldados Condutores Auto Abílio Armando Leite NM 15490270, Alfredo Bernardino Pereira NM 15407070 (falecido em 1974), 1º Cabo Condutor Auto NM 11694170, Victor Manuel da Silva (que veio a falecer em combate no dia 20 de Julho de 1971) e o 1º Cabo Operador Cripto NM 09014670, Carlos de Jesus Baptista Castelo (todos da Companhia de Caçadores 3309). Cais de Alcântara. Lisboa, 24 de janeiro de 1971.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Encontro Nacional do Batalhão de Caçadores 3834

Vai realizar-se no dia 11 de Abril de 2010 na localidade de Praia de Mira, o grande Encontro Nacional do Batalhão de Caçadores 3834, sendo o almoço de confraternização a realizar no Restaurante Luso-Brasileiro daquela localidade, com concentração junto das suas instalações pelas 11,00 horas.
Para se ter acesso a uma informação mais pormenorizada sobre o evento, basta clicar em cima dos documentos.
Carlos Vardasca
20 de Janeiro de 2010

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Associação dos Oficiais das Forças Armadas quer anular cortes nas pensões de ex-combatentes

Oficiais vão pedir inconstitucionalidade da lei que reduz acréscimo vitalício anual.
A Associação dos Oficiais das Forças Armadas (AOFA) vai "patrocinar a competente acção contenciosa" para tentar obter a inconstitucionalidade da lei, aprovada em 2009, que limitou ao máximo de 150 euros anuais o valor do acréscimo vitalício de pensão pago a antigos combatentes.
A informação consta de uma carta da AOFA, enviada no passado dia 13 aos sócios, a que o DN teve acesso. Segundo o texto assinado pelo presidente da associação, coronel Alpedrinha Pires, a iniciativa vai ser desencadeada por três sócios porque só com esse número de "decisões individuais" se poderá "obter a inconstitucionalidade com força obrigatória geral" da legislação em causa.
A AOFA instou ainda os associados a escreverem ao provedor de Justiça, pois se este propuser a desejada inconstitucionalidade, "asseguraria quase certamente maior celeridade ao processo". Segundo uma das fontes ouvidas pelo DN, alguns dos requerentes estão a reclamar também "a reposição" das verbas perdidas.
Os três requerimentos têm de dar entrada até amanhã, data em que termina o prazo para accionar a referida acção contenciosa sobre a lei 3/2009, que limitou o valor máximo do acréscimo vitalício de pensão que chegava a atingir as centenas de euros em muitos casos.
Em causa estão as alterações feitas à Lei 9/2002, relativa à contagem do tempo de serviço militar dos antigos combatentes, prestado em condições de dificuldade ou perigo. Segundo essa legislação, os veteranos de guerra passavam a ter direito a um complemento especial de pensão (correspondente a 14 meses e pago anualmente), no valor de 3,5 % da respectiva pensão por cada ano de serviço militar.
Era criado também um acréscimo vitalício de pensão (correspondente a 12 meses e pago anualmente) para quem tinha feito contribuições para a bonificação das respectivas pensões, no âmbito dos regimes de protecção social.
Essa lei do tempo de Paulo Portas gerou custos significativos para o Orçamento do Estado, que na altura não era possível estimar. Mas, como relembrou ontem uma fonte militar ao DN, "ninguém forçou os partidos a dar aquilo aos quadros permanentes" das Forças Armadas.
Com a nova lei (2009), entre outras consequências, colocou-se "absurda e ilegalmente em pé de igualdade quem contava uma comissão (24 meses)" na guerra colonial "com quem contava várias". Também se igualava quem fez descontos "para dos mesmos poder beneficiar, com quem recebia os mesmos direitos sem nada ter descontado, violando-se claramente o princípio constitucional da igualdade", lê-se no documento enviado aos sócios da associação dos Oficiais.
"A única igualdade existente é a de serem todos ex-combatentes, o que não se estende ao tempo de serviço prestado nem ao pagamento das respectivas quotizações ou contribuições". Ora, acrescenta o texto da AOFA, "como há diferenciação, é ilegal colocar todos em situação de igualdade".

In: Diário de Notícias, 18 de Janeiro de 2010, por MANUEL CARLOS FREIRE
Foto: O 1º Cabo Ramiro José Mota Rodrigues NM 16382070, com o seu pelotão (da Companhia de Caçadores 3309), durante uma patrulha na picada entre os aquartelamentos de Tartibo e Nangade. Moçambique 1971.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

"No Silêncio das Casernas"


(...) Já não era segredo para ninguém para onde os “lateiros do regime” nos queriam enviar. Regressados de umas pequenas férias onde espalhámos a angústia no colo de quem já nos embalara a infância; onde nem os 500 escudos com que nos quiseram adoçar o patriotismo e que se perderam na profundidade dos nossos bolsos chegaram para abafar tanto protesto, lá regressámos ao Regimento de Infantaria 9 em Viana do Castelo para concluirmos o IAO (1) e aí nos treinarmos para a “arte de bem defender a pátria e matar a toda a cela”.
Disseram-nos que íamos para Moçambique, bem lá para norte onde o Índico beijava as praias manchadas pelos desembarques, e onde a morte escurecia todos os medos e tingia de negro as mulheres deste pequeno pedaço térreo feito império.
Regressados dos montes que circundavam Santa Luzia, exaustos e com a poeira a maquilhar faces carregadas de incertezas, o silêncio da noite que se instalava nas casernas emprestava momentos em que o desconforto da tristeza não permitia, entre olhares cúmplices que se cruzavam, esboçar um sorriso sequer, mesmo que encenado pelo angustiado dedilhar da guitarra e o amarelado baralho de cartas.
Em cada canto daquela caserna, incrustada no interior das muralhas do forte de Santiago da Barra onde todas as Companhias do Batalhão de Caçadores 3834 foram aquarteladas, reprimiam-se emoções toldadas pelo sono que tardava e recordava-se alguém que ficara distante, lá no interior das centenárias aldeias de granito e telhados de ardósia, onde as crianças já não brincavam e os velhos teimavam em existir.
Tentando esboçar em prosa o antídoto para tranquilizar quem já não tinha tempo para se deixar tranquilizar, debruçados sobre malas que guardavam felicidades adiadas, os soldados recostados nos seus beliches preenchiam pequenos rabiscos em folhas de linhas azuis, que depois de alguma hesitação eram introduzidos à pressa dentro de envelopes para que o odor da tristeza não chegasse às aldeias mais recônditas de um país que, já não sabia o que fazer a tanto protesto e que fingia não ter medo dos seus gritos, alguns deles a rasgarem gargantas roucas que ecoavam do fundo das masmorras.
O dia do embarque já espreitava lá para sul e já não estava longe.

24 de Janeiro de 1971 aproximava-se a uma velocidade vertiginosa que obrigava as frágeis e finas "BIC" a deslizar por aquelas linhas, onde se amontoavam promessas que a dúvida ainda não permitia formalizar mas que a certeza teimava em moldar todos os medos.
Por entre a escuridão dos beliches que se amontoavam na velha caserna, os olhares multiplicavam-se, distantes, muito sós, interiorizando receios que ofuscavam felicidades que pareciam ter sido traídas, mas sonhando com regressos incertos daquela África onde nos diziam só existir povos submissos, mas que do troar dos canhões já se desenhavam os ventos de libertação de quem da mata à muito reivindicava ser povo, “mas povo de verdade e a tempo inteiro” (...)

Carlos Vardasca
18 de Janeiro de 2010
(1) Instrução de Adaptação Operacional.

Foto 1: Um grupo de militares da Companhia de Caçadores 3309 posa para a foto no Regimento de Infantaria nº 9 em Viana do Castelo, após ter regressado de um dia de instrução nos montes de Santa Luzia. Viana do Castelo,1970.
Foto 2: O Alfredo (Monção), Sousa, Serafim e Pinto Lopes jogam uma "suecada" na caserna, tentando baralhar as tristezas. Viana do Castelo, 1970.
Foto 3: O "Pragal" (falecido em 2005), Manuel, Arteiro, Carlos Vardasca, Pinto, Pereira (falecido em 1975), Ferreira e Matos, numa foto em grupo depois de uma sessão de guitarrada. Viana do Castelo 1970.
Foto 4: No silêncio da caserna, o Almeida põe a escrita "em dia" uma semana antes de embarcar. Viana do Castelo 1970.
Foto 5: A Companhia de Caçadores 3309 desfila nas ruas de Viana do Castelo alguns dias antes do embarque para Moçambique. Viana do Castelo, 1970.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Encontro Nacional do Batalhão de Caçadores 3834

Reuniu no passado dia 12 de Janeiro de 2010 na Avenida Duque de Palmela em Lisboa (escritórios de Albuquerque Dias) uma Comissão composta por representantes das Companhias do Batalhão de Caçadores 3834 (CCS, C.CAÇ. 3309, C.CAÇ. 3310 e C.CAÇ. 3311) com o objectivo de se iniciarem os preparativos para a realização do seu grande Encontro Nacional em 2010.
Embora não ficasse decidido ainda um restaurante e localidade definitivos pois os contactos ainda agora se vão iniciar e que ficaram a cargo de João Pardilhó (da C.CAÇ. 3311), tendo no entanto sido adiantada uma data, que está prevista para Domingo, 11 de Abril de 2010.
Quanto à localidade, durante a reunião falou-se em Praia de Mira e no restaurante Luso-Brasileiro, aguardando-se no entanto uma confirmação mais detalhada quando tudo estiver definitivamente decidido, onde será então enviado a todos um cartaz e um programa com todos os pormenores alusivo ao evento.
Concluída a primeira parte da reunião, subiu-se ao 8º andar e, na Associação de Caboverdiana saboreámos um excelente manjar, que incluía para além de outras iguarias a tradicional Cachupa, que foi regada como sempre pelo explosivo Grogue (tradicional aguardente produzida a partir da cana sacarina).
De regresso ao 6º andar e à segunda parte da reunião, alinhavaram-se mais algumas questões relacionadas com a organização do Encontro Nacional, tendo cada um regressado às suas "palhotas" conscientes de que foi um dia bem passado, na companhia de ex-camaradas de armas.
A partir de agora, estimados Kokuanas, muita atenção às notícias que vão surgindo alusivas ao grande Encontro Nacional do Batalhão de Caçadores 3834 e, se houver necessidade de alguns esclarecimentos, podem contactar com http://dotejoaorovuma-cabel.blogspot.com ou outros blogs relacionados com o nosso Batalhão, onde serão prestadas as informações solicitadas, assim como para os contactos que se seguem:
João Russinho Marques (CCS)
Telem: 969093325 jrmccs3834@clix.pt
Carlos Vardasca (C.CAÇ. 3309)
Telem: 963899868 carlosvardasca@netcabo.pt
José Albuquerque Dias (C.CAÇ. 3310)
Telem: 917245685 albuquerquedias@gmail.com
Victor Vieira (C.CAÇ. 3310)
Telem: 966028468 furvieira3310@gmail.com
João Pardilhó (C.CAÇ. 3311)
Telem: 917598491 joao.pardilho@gmail.com
Carlos Vardasca
14 de Janeiro de 2010
Foto: Da esquerda para a direita: Victor Vieira, ex-Furriel Miliciano NM 05395870 da C.CAÇ. 3310, João Russinho Marques, ex-1º Cabo Mecânico Rádiomontador NM10066970 da CCS, José Albuquerque Dias, ex-Alferes Miliciano NM09115667 da C.CAÇ. 3310, Carlos Vardasca, ex-Soldado Condutor Auto NM 15263570 da C.CAÇ. 3309 e João Pardilhó, ex-Furriel Miliciano NM 03082570 (Op. Esp.) da C.CAÇ. 3311.

domingo, 10 de janeiro de 2010

"Por quem os nossos também combateram"

Recebi no passado dia 04 de Janeiro, como oferta do meu amigo Moisés Cavadas, ex-combatente da Guerra Colonial em Nkosa (Angola 1966), na fronteira com a República do Zaire (ex-Congo Belga) um livro intitulado "Portugueses na Guerra do Vietname" que irá fazer parte da minha já vasta biblioteca e ao qual irei fazer algumas referências em "Do Tejo ao Rovuma" .
Moisés Cavadas vive actualmente nos Estados Unidos da América para onde emigrou, onde pertence à Associação de Veteranos da Guerra Colonial local, tendo sido registado como Reservista do Exército dos EUA desde 1969 em virtude de estar em curso a Guerra do Vietname.
Dizia ele então, num breve apontamento enviado dentro das páginas da referida obra:


Caro amigo Carlos Vardasca


(...) Conforme o prometido, aqui tem o livro "Portugueses na Guerra Vietname". Esta guerra veio a terminar em 1975 com a perda de milhares de homens, inclusive a perda de mulheres enfermeiras ao serviço do exército americano. Foi uma guerra que o exército americano não pode vencer (como verá no livro) estava envolvido muita droga e álcool.
Contudo, os americanos acabaram por abandonar o Vietname. Saigão, capital do Vietname do Sul caiu em poder do Vietname do Norte em 1975.
São muitíssimos os emigrantes a servir em todos os ramos das forças armadas americanas. Apesar das guerras em que se envolveram, não lhes faltam homens a servir nas suas fileiras. Os responsáveis chefes militares têm afirmado que os jovens emigrantes têm uma capacidade enorme de luta, e assim que terminam o serviço militar é-lhes oferecido a cidadania americana.
Por outro lado, aos mortos das suas guerras de nacionalidade estrangeira e porque são homens que deram a vida pela bandeira Norte Americana, é-lhes prestada a merecida homenagem. Por exemplo, a enorme ponte em Fall River (...) é uma homenagem a um soldado Luso morto ao serviço das tropas dos EUA.
Quem visitar a Ilha do Hawaii, e Pearl Harbor, poderá ver um monumento de cimento branco sobre os restos do navio "USS ARIZONA", um dos barcos afundados pelo ataque surpresa dos japoneses em Dezembro de 1941, em memória dos marinheiros falecidos, entre os quais se encontravam marinheiros Luso-Americanos entre os tripulantes. Nesse monumento podem ver-se os nomes de: J. BARAGA (Braga) A.E. VIEIRA, R.D. VALENTE, F. SANTOS, E. GOMES, J.R.V de CASTRO e quatro com apelido de MARTINS.
No caso da Guerra do Vietname, no enorme monumento erguido na capital de Washington D.C. com os nomes de milhares de mortos, nele constam os nomes de oitenta portugueses, enquanto outros estão sepultados em cemitérios de Portugal, dado que foram enviados os seus corpos pelos serviços do exército americano e conforme o desejo das suas famílias.
Espero que goste do livro, e seguidamente vou enviar fotos da Guerra Colonial e recortes de jornais daqui dos EUA onde tenho alguma colaboração (...)

Um abraço
Moisés Cavadas

Foto 1: Capa do livro "Portugueses na Guerra do Vietname".
Foto 2: O ex-1º Cabo Enfermeiro Moisés Cavadas em Cabeço do Tope. Angola 1965-1967.