segunda-feira, 30 de abril de 2007

Desembarque numa das praias do Índico


A Corveta NRP "João Coutinho" fundeara ao largo às 11.30 horas do dia 23 de Fevereiro de 1971, e fomos embarcados em lanchas de desembarque que nos levaram até às proximidades da praia de Palma.
Ao loge os coqueiros inclinavam-se sobre as águas límpidas do Índico parecendo dar-nos as boas vindas.
Devido aos bancos de areia, nem as lanchas de desembarque nos deixaram mesmo na praia, e tivemos que mergulhar com a água pelo peito, segurando bem alto a G3 e as mochilas, e foi assim que a C.CAÇ. 3309 fez a sua aproximação a terra.
Alguns nativos, a troco de algumas "quinhentas" lá transportaram alguns aprendizes de colonialistas (inconscientes ou não) nos seus ombros, enquanto alguém ao longe dizia para os restantes que preferiram encharcar as entranhas com as águas gélidas do Índico:
- Aqueles revolucionários de merda até parece que estão nas praias da Normandia.

Carlos Vardasca
30 de Abril de 2007

Uns chamavam-lhe o "Vale da Morte", outros o "Vietname"

























(...) Em nosso redor não sussurrava nenhum vestígio de civilização. A barreira psicológica do arame farpado nem existia, e em todo o perímetro do aquartelamento de Tartibo apenas um amontoado de areia nos servia de protecção. Lembro-me de ouvir dizer que, quando a RTP lá foi fazer as filmagens de natal, houve até um piloto do helicóptero que disse para o reporter de televisão que o acompanhava na reportagem quando avistou o aquartelamento do ar:
- Estes gajos até pareçe que foram enviados para aqui para morrer!
O isolamento era de tal ordem perturbador e a inquietação uma constante, que até o barrulho do vento a assobiar nas árvores nos sobressaltava. Foram meses de isolamento, que obrigaram os soldados da C.CAÇ. 3309 a gerir os seus medos, e a interpretar os vários silêncios que circundavam e espreitavam a todo o momento o aquartelamento (...)
Carlos Vardasca
30 de Abril de 2007

Como o tempo passou por todos nós

(...) Foi uma estrada percorrida com os sobressaltos inerentes à sua complexidade.
Do rio Tejo ao rio Rovuma, das lianas, das acácias e das picadas traiçoeiras de terra batida que nos encardiam e nos perturbavam uma ansiedade amordaçada, ao regresso ao convívio civilizacional (de que fomos privados durante cerda de 27 meses) passados 34 anos após a nossa retirada daquele descampado medonho a que chamavam aquartelamento de Tartibo (...)

Carlos Vardasca
30 de Abril de 2007

O tempo dos silêncios


Os silêncios por vezes são comprometedores, outras vezes são a imagem do nosso posicionamento em defesa da nossa merecida tranquilidade.
Este blog surge precisamente para respeitar os vários silêncios daqueles que, tendo combatido na Guerra Colonial e que "partiram numa viagem de ida mas sem regresso" viram silenciadas as suas angústias a troco de "uma mão cheia de nada".

Carlos Vardasca
30 de Abril de 2007