segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Missão cumprida em "Terras do Demo"


Eu e a Odília na companhia da esposa do Nabais, a quem ofereci um exemplar de "Do Tejo ao Rovuma". Meimoa, 24 de Agosto de 2012
De visita ao companheiro Barbudo. Castelo Branco, 23 de Agosto de 2012
 
Quando iniciei e elaboração do livro sobre a história da Companhia de Caçadores 3309, a que lhe dei o título “Do Tejo ao Rovuma”, fiz uma promessa, que quando o mesmo estivesse concluído ofereceria um exemplar aos familiares dos nossos companheiros falecidos em combate.
Essa promessa vai ser cumprida muito em breve, tendo em conta que a referida obra já está concluída e editada.
Para além deste facto, havia uma outra “missão” por cumprir e que não pode ser concretizada, pela circunstância do seu destinatário ter falecido em 2007.
João Luís dos Santos Nabais[1] faleceu devido a doença prolongada, e foi também a quem prometi oferecer-lhe um exemplar, não só por ter colaborado e tornado possível este documento histórico, mas também por ter sido um dos grandes amigos com quem tive o prazer de partilhar momentos de grande camaradagem desde a recruta em 1970, passando pelo IAO, durante a nossa permanência no conflito colonial de 1971 a 1973, até à data do seu falecimento.
Se não bastasse este tão prolongado período de convivência, jamais esquecerei o facto de quando em Moçambique a 3309 foi chamada a participar na Operação de assalto à Base Beira (um dos principais redutos da FRELIMO no norte de Moçambique) ele, num acto de abnegação e de camaradagem, se ter oferecido para ir em meu lugar, por ter percebido e compreendido o meu estado de depressão ao saber que teria que participar naquela operação e em face do deficiente estado de saúde em que se encontrava a minha mãe naquela altura.
Não podendo cumprir esta “missão” de reconhecimento em sua vida (dado que a presente obra ainda não tinha sido concluída) neste mês de Agosto e durante as minhas férias passadas por terras do interior, desloquei-me a Meimoa (depois de ter estado em Castelo Branco com o Barbudo[2] que nos mostrou a cidade e ter visitado a belíssima povoação de Monsanto) para pessoalmente oferecer um exemplar de “Do Tejo ao Rovuma” à esposa do meu grande amigo Nabais.
Uma das fotos que se editam representa esse momento de extrema felicidade quando a esposa do Nabais recebeu o livro, querendo desde logo que eu e a minha esposa lá jantássemos e ficássemos para só partirmos no dia seguinte, ao que recusámos pois já tínhamos estadia marcada em Belmonte.
Considero-me extremamente feliz por ver esta “missão cumprida”, com a particularidade de ser em homenagem ao companheiro e amigo “Guerrilheiro da Malcata”[3] que sobreviveu à Guerra Colonial mas acabou por vir a falecer em “Terras do Demo”.

Carlos Vardasca
27 de Agosto de 2012


[1] Ex- Soldado Condutor da C.CAÇ. 3309 NM 15467570.
[2] João Carlos Barbudo, ex- Furriel Miliciano da C. CAÇ. 3309 NM 07055570.
[3] Como Nabais se auto intitulava quando se referia às suas aventuras por “Terras do Demo”.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

"Silêncio". Novo livro de Manuel Pedro Dias


AOS LEITORES
 O conflito armado que eclodiu no Ultramar português no início da década de 60 e que se manteve durante 13 longos anos, provocou, na grande maioria da sociedade portuguesa, profundas feridas que ainda hoje, muitas delas, se encontram por sarar.
 Não foram só os cerca de 9 000 mortos, bem como os milhares de feridos, as únicas vítimas daquela guerra indesejada aliás, todas o são.
Há que levar em linha de conta as famílias daqueles militares que, de modo diferente, também sofreram as agruras provocadas pela ausência dos seus entes queridos, em cujas condições e perigos em que viviam lhes eram totalmente desconhecidos. A angústia estava sempre presente: Foram as mães, as eternas e sempre sofredoras mães, acerca das suas condições de “guerreiras” de retaguarda já muito, felizmente, foi escrito, nós próprios o fizemos por diversas vezes; as esposas, muitas delas já com filhos, quando os maridos partiram, enfrentando de forma estóica a sua ausência, que, infelizmente, em muitos casos foi eterna; as noivas, sobre estas muito pouco se tem falado e o que foi dito, logo no início da revolução dos cravos, por pseudo escritores vanguardistas, era para atingir a sua honra, rotulando, a grande maioria, de infiéis.
Sempre nos insurgimos contra esta tremenda injustiça, quer em artigos que escrevemos em revistas da especialidade, quer ainda verbalmente nas várias tertúlias em que temos participado.
É do conhecimento geral que durante o período atrás referido a juventude masculina era praticamente toda mobilizada para combater nas três frentes de batalha: Angola, Guiné e Moçambique. Mas este factor, em nosso entender, não era condição “Sine qua non” para que a sua ausência fosse sinónimo de infidelidade por parte das mulheres. Nos dias de ontem, de hoje e de sempre, as “traições” existiram e continuarão a existir, não só por parte das mulheres, mas também dos homens, porque, então, confiná-las a um período específico? Pura maldade.
Foi ao voltar a ler essas injustas maledicências que nos ocorreu a ideia de enaltecer essas jovens que, de forma séria, souberam esperar, também com privações de muita ordem, pelos seus namorados ou maridos e também aquelas que por infortúnio destes, souberam honrar para sempre a sua memória. 
Devemos confessar que o nosso propósito era, somente, abordar este tema num mero artigo de opinião.
Mas, com o decorrer da escrita, fomo-nos apercebendo que podíamos ir mais além do que o simples artigo imaginado.
Assim, nasceu nova ideia: Abalançar-nos num trabalho mais amplo, tendo sempre como principal objectivo não fugir do pensamento inicial. 
Não obstante a história que se apresenta ser mera ficção, pelo que, qualquer semelhança entre os nomes referidos e a realidade ser pura coincidência, o certo é que, na verdade, a ficção ultrapassa, por vezes, a realidade.
Por nos parecer pertinente e para mais fácil entendimento, decidimos fazer uma breve apresentação das duas personagens principais que fazem parte desta história:
Miguel
Rapaz mobilizado, como furriel miliciano, para combater na Província de Moçambique. Toda a sua vida foi passada entre Vila Nova da Ribeira, de onde era natural e a sede do Concelho, onde estudara. As suas habilitações literárias, permitiram-lhe ingressar no Curso de Sargentos Milicianos.
Partiu para Moçambique, deixando na terra natal uma paixão inicialmente não correspondida. As suas lutas dividiam-se entre a conquista desse seu grande amor e combater o inimigo na grande imensidão das matas do Niassa, onde a sua unidade se encontrava estacionada num antigo aldeamento, já sem população, Xituengo.
e 
Mariana
 Que, apesar de sempre ter vivido na sua terra natal, era uma rapariga com alguma cultura já que os pais, que viviam do sustento das terras, com um certo esforço financeiro, conseguiram custear as despesas para que a filha estudasse em ensino particular na própria vila, obtendo assim o 2.º ciclo liceal. Além disso, era uma apaixonada pela leitura.
Enquanto não arranjava emprego na capital, era esse o seu desejo, foi permanecendo em Vila Nova da Ribeira.
Quer Miguel, quer Mariana, dado o seu gosto pela poesia, na troca de correspondência faziam-no, praticamente sempre em verso, embora, por vezes, a métrica poeto-silábica não fosse cumprida com rigor. Facto perfeitamente compreensivo dado o seu amadorismo nesta vertente literária.    
 “Silêncio” foi a primeira palavra que nos ocorreu ao pensamento para dar o título a este despretensioso livro. Posteriormente, pensámos noutros vocábulos mas, com o decorrer da escrita, o “Silêncio” foi ganhando forma, devendo ser, no entanto, interpretado num sentido lato da palavra e não limitá-lo a um só único significado.
Conseguimos, assim o julgamos, pois foi esse o nosso objectivo, que Mariana fosse paradigma e representasse as milhares de jovens que na geração de 60 e parte da de 70, que por cá ficaram aguardando, como já referimos, privando-se dos passatempos inerentes à sua juventude, enquanto lá longe, muito longe, se combatia.  
Este livro foi pensado também para dignificar os militares, na personagem de Miguel que, de algum modo, tão mal tratados foram em termos de conceito por certas franjas da nossa sociedade a qual, em certos casos, navega em termos de opinião, ao sabor das suas próprias conveniências políticas. Estas, por vezes, mudando de rumo de acordo com a direcção do vento.
Infelizmente, temos que admitir que a Guerra do Ultramar foi e continua a ser para as tutelas que nos têm e continuam a governar, um tema “maldito”.
Quer eles queiram, quer não, isso é um facto irrefutável, a Guerra do Ultramar faz parte da História Lusíada.
Assim, quem nela participou, tal como nós, não deve envergonhar-se em afirmá-lo.
Mas porquê falar dela com desprezo? Não sabemos.
Da nossa parte continuaremos, enquanto a mente não nos atraiçoar, a escrever, sem complexos, sobre o tema.
O Autor

sábado, 11 de agosto de 2012

"Uma carecada colectiva". (Memórias)

Numa operação da Companhia da Caçadores 3309 no rio Metumbué. O enfermeiro Azevedo está em primeiro plano de G3 ao ombro, e em destaque numa foto mais actual. Cabo Delgado. Na fronteira com a Tanzânia. Norte de Moçambique 1971.


Um dia, no decorrer do I.A.O na cidade de Chaves (Serra da Olga) o Comandante de Companhia reparou que o pessoal estava desenfiado e vai daí, mandou tocar a formar, ordenando o registo dos faltosos.
Na altura constou que tinham ido a uma festa numa aldeia ali próximo do acampamento compor o estômago.
Como castigo, mandou dar uma carecada a todos os que faltaram à formatura. O caricato da questão, foi que os Enfermeiros, que estavam dispensados das formaturas e mesmo sem terem ido à festa, encontravam-se na lista para a carecada. Como considerámos ser uma injustiça, pedimos ao Cabo Miliciano Enfermeiro Silva para falar com o Comandante, uma vez que tínhamos estado sempre os quatro no posto de socorros; não conseguindo o depoimento do então Cabo Miliciano Enfermeiro Silva, foi decidido entre os três Enfermeiros Azevedo, Cardoso e Silva recusar as carecadas.
Eu fui o primeiro a ser chamado e, ao dirigir-me para o local da carecada olhei para trás para ver a posição dos meus companheiros e qual a sua postura perante aquele facto. O Cardoso disse-me para não ter medo e para recusar a carecada pois nós estávamos solidários com a posição dele.
Entretanto, tocou para o almoço e as carecadas foram interrompidas. Depois da refeição, falámos com alguns Cabos Milicianos sobre o assunto. Eles conseguiram convencer o Cabo Miliciano Enfermeiro Silva a interceder junto do Comandante de Companhia, confirmando de facto a nossa presença no aquartelamento, uma vez que tínhamos estado sempre todos no posto de socorros. Assim nos safámos da respectiva carecada com toda a justiça, assim como de imitarmos o canto dos pássaros e de animais quadrúpedes em cima das árvores.
António da Silva Azevedo
ex- 1º Cabo Auxiliar de Enfermagem NM 05802970 da C.CAÇ.3309
Castelo Branco, 10 de Março de 2007

 In: “Do Tejo ao Rovuma. Uma Breve pausa num tempo das nossas vidas”, página 15. Carlos Vardasca, Alhos Vedros 2009.

domingo, 5 de agosto de 2012

Lembranças de tempos incertos

Um grupo de combate da Companhia de Caçadores 3309 tenta a muito custo transpor o rio Metumbué. Cabo Delgado. Norte de Moçambique 1971.
Eu desembarquei com a 3309 em PALMA.

Decorria o mês de Fevereiro do ano de 1971. Éramos quatro Furriéis em trânsito para Palma.
Um,  era o José Arruda (tinha gesso numa perna), dos Deficientes das Forças Armadas (cego), o Trigo que teve um acidente com uma Berliet antes da rampa, logo à saída da picada de Palma para Pundanhar (depois de evacuado não retornou) eu, João Rebola, levei com uma mina anti-carro na minha viatura na Operação Orfeu 1 (14 de Abril) - naquela treta do milho para a Base Beira, saímos no dia D -2) e depois apanhei com outra na picada de Palma para Quionga em 2 de Dezembro de 1971 (3 meses de hospitais, voltei em Março de 1972) e estive por lá até Agosto, até vir para o sul e o Torres, que felizmente não teve nada de grave.
Recebi aqui um e-mail com o vosso Blogue e, surpresa, encontrei algo que me diz qualquer coisa.
Eu andei sempre por perto e muitas vezes com pessoal  vosso, no mesmo teatro de operações.
Lembra-me das picagens para Pundanhar, onde vinha sempre um grupo da Companhia de Caçadores 3309 fazer a picagem intermédia.
Tenho ideia que havia motoristas vossos a alinhar nas colunas Nangade-Palma.
O meu irmão, era o vago mestre no Aquartelamento de Palma e eu, como mão sabia fazer mais nada, galgava na picada como os outros.
Quando tínhamos que ir para o Aquartelamento de Tartibo, era sempre um aperto.
Ainda me lembro de ir buscar o Alferes Leonardo ao Tartibo, e fizemos a coluna num dia, ida e volta. Ainda houve um acidente no rio Metumbué com outra das viaturas.
Lembro-me de entrar no Aquartelamento de Nangade à noite, quase às 21 horas, e no outro dia, logo cedinho estar a picar para Palma.
Outros tempos, mas só restam …os bons bocados que lá passámos.
 Um Abraço
 João Rebola
26 de Dezembro de 2011

sábado, 4 de agosto de 2012

O que resta do Aquartelamento de Balama

Um aspecto da vida quotidiana da população de Balama.
O que resta das antigas instalações do Aquartelamento de Balama, onde esteve estacionada a Companhia de Caçadores 3309 de Novembro a Março de 1973.

Estas fotos e outras mais, foram-me enviadas por um amigo meu que actualmente trabalha já algum tempo em Moçambique, e que vai contactando comigo com alguma regularidade. Um dia, no ano de 2011, este amigo visualizou o blogue "Do Tejo ao Rovuma", e ficou extremamente sensibilizado pelo caso do desaparecimento em combate do Furriel Castro Guimarães, e que desde logo se prontificou a colaborar comigo na procura do possível local da sua sepultura em terras da Tanzânia. 
Dado estar numa posição privilegiada para estabelecer os contactos que considerar interessantes para desvendar este episódio ocorrido em 15 de Novembro de 1972, este meu amigo, das diversas vezes que me contactou, umas vezes telefonicamente de Moçambique ou quando se deslocou de férias a Portugal, por diversas vezes me informou da evolução da investigação que muito amavelmente e desinteressadamente aceitou encetar, tendo ultimamente chegado ao contacto com um elemento da população que lhe disse ter estado envolvido naquela operação nas margens do rio Rovuma em 1972, que deu origem à captura do Furriel Castro Guimarães dos GEs 212 estacionados no Aquartelamento de Nhica do Rovuma.
Não podendo adiantar mais pormenores sobre o caso em concreto devido à complexidade do assunto, apenas me informou que aquela pessoa com quem contactou lhe confirmou (porque diz ter assistido ao acto em si) que o corpo do Furriel Castro Guimarães foi sepultado em Kytaia, na mesma sepultura com outros dois soldados portugueses (fora do cemitério, conforme ritual Macua) o que revela uma outra questão, pois, se assim se confirmar, comprova-se a existência de mais soldados portugueses (para além do Furriel Castro Guimarães) sepultados em cemitérios da Tanzânia, mais concretamente na aldeia de Kytaia, o que possivelmente poderá não ser do desconhecimento da Liga dos Combatentes.
Dada a extrema complexidade e às incertezas que por ventura poderão rodear todas estas informações relacionadas com este assunto, mas também para que não se levantem falsas expectativas sobre a resolução deste caso, este meu amigo não quis adiantar mais pormenores (o que se compreende), até que se saiba algo mais em concreto sobre a veracidade destas informações e da verdadeira localização da referida sepultura.

Carlos Vardasca
04 de Agosto de 2012