domingo, 18 de fevereiro de 2018

XXVIII Encontro Nacional dos ex-militares da Companhia de Caçadores 3309 (Moçambique 1971-1973)

Programa do Convívio (Página 1 e 2)
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Ainda a propósito do "Capitão Pistolas". Entrevista de Dário Venâncio (CART 3506) à Revista do Correio da Manhã em 18 de Fevereiro de 2018


Dário Venâncio na picada de Tartibo para Nangade (1972)
 
Dário Venâncio, com camaradas da sua Companhia (CART 3506) no aquartelamento de Tartibo (1972)
 
Dário Venâncio no aquartelamento de Muidine (1973)
 
Foto actual de Dário Venâncio
 
Chegámos a Moçambique, à cidade da Beira, em fevereiro de 1972 a bordo dos boeings que o governo   de   Marcelo   Caetano   tinha comprado para fazer o transporte de tropas para África. Dali partimos para Porto Amélia   e   só depois   o   nosso   destino   final:   O aquartelamento Tartibo, junto ao rio   Rovuma.  
Do   outro   lado   da fronteira estava a Tanzânia, ali tão perto. Batizámos este sítio de Vale da Morte porque estávamos completamente isolados. Um piloto de helicópteros   que   um   dia   foi   fazer abastecimento acompanhado   por   um   caça   terá   dito: "Porra,   é   uma   sensação   muito   estranha   que   se   vive   aqui   em cima, até parece que estes gajos foram mandados para morrer".
Pensei nisto toda a vida, nunca me esqueci do Vale da Morte um dia que fosse, só quem passou pela guerra do Ultramar é que sabe.
ContiAquela zona era muito difícil por ser uma zona de fronteira. As bases   da   guerrilha   estavam   na Tanzânia   e   eles   atravessavam   o Rovuma   e   faziam   bases   para   se abastecerem de material de guerra. Morreram-nos sete camaradas e só não tivemos mais baixas porque tivemos um capitão à altura; chamava-se Gabriel Monteiro Magno de Barros, conhecido por Capitão Pistolas, porque usava duas pistolas de cowboy e era um homem que tinha uma pontaria extraordinária. Na guerra era um por todos e todos por um, por isso quando algum homem morria vínhamos abaixo moralmente.

Mortes de amigos
Todas as mortes me custaram, mas mais   a   de   Carlos   Teixeira   e   a   do Aguiar, que tiraram a recruta comigo. Um morreu de acidente: estava de guarda a uma ponte de madrugada e deixou-se dormir no caminho de ferro. O cansaço era tanto que a gente não sabia quando era sábado ou domingo, o camuflado era sempre vestido e passavam-se dias e dias a suar na mata sem alternativa para coisa nenhuma.

Já o Aguiar   morreu   por   causa   do   rebentamento   de   uma   mina   num carro de transporte de explosivos, junto com o Carlos Santos, também da minha companhia, que ia ao   lado   dele.   Foram   logo   dois   de uma assentada. Para se andar quatro quilómetros, tinha que se picar quatro ou cinco horas porque não sabíamos onde as minas estavam postas, bem como picar o terreno. A nossa coluna estava sempre a ser atacada e houve um dia em que um pelotão da minha companhia saiu e foi fazer a picagem para a coluna que   vinha de   Palma...   Acontece que três guerrilheiros da Frelimo com kalashnikov atravessaram-se à   frente   dos   picadores   e   fizeram fogo para matar os que vinham à frente, só que eles foram mais rápidos, atiraram-se para o chão e mataram dois dos guerrilheiros. É claro que estas coisas trazem sempre represálias.
Eles queriam vingar-se e, mais tarde, puseram minas de fornilhos em que a gente sem se dar conta tropeçava num arame, provocando   uma   explosão.   Eles levavam horas e horas a escavar a picada   por   baixo   para   fazer   esta armadilha,   mas   resultava,   tanto que numa destas morreu um camarada nosso. Ficou de tal maneira que eu até andei a apanhar bocados   de   carne   para   meter   num pano de tenda para o helicóptero o levar para Moeda - ele ficou completamente desfeito.

Quando se deu o 25 de Abril, andava em operações no mato, o transmissões recebeu uma mensagem   a   dizer   em   código   que mandavam   regressar   todas   as tropas aos quartéis porque se tinha dado um golpe de estado na metrópole.

Nessa altura, o nosso capitão já não era o Pistolas, era o António José Correia do Ouro e viemos   para   Vila   Fontes   fazer proteções   aos   comboios,   com Carga Crítica para a Barragem de Cahora Bassa, de Inhaminga a Sena   Mutarara.   Dois   meses   depois da revolução, embarcámos na cidade da Beira com destino a Lisboa. Hoje há quem nos veja como os maus da fita mas nem éramos assim tão maus, nem merecíamos ter sido esquecidos.

EX-COMBATENTE
Nome 
Dário Venâncio (66 anos, é casado, tem duas filhas e dois netos)
Comissão
 Moçambique (1972-74)
Força
Batalhão de Artilharia 3877 Companhia de Artilharia 3506 (Companhia que rendeu a Companhia de Caçadores 3309 no aquartelamento do Tartibo

In: Correio da Manhã (Revista) 18 de Fevereiro de 2018

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Ainda a propósito do Furriel Castro Guimarães (Desaparecido em Combate em Moçambique) e carta enviada ao programa da SIC "Linha Aberta".

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Exmos Senhores
Ainda a guerra do ultramar. Não para relatar factos bélicos, nem políticos, pois esses, embora nem sempre bem, têm vindo a ser trazidos ao conhecimento geral através dos midia.
Aqui, venho apenas expor a falta de justiça e consideração que a pátria tem para com o militar, cuja morte aconteceu em pleno teatro de guerra, no norte de Moçambique, fronteira norte do distrito de Cabo Delgado, com a Tanzânia.
Relatórios militares entregues ao tempo, da operação militar em que este facto ocorreu, considerou quem mandava, que o Fur  Mil GE (Grupos Especiais) João Manuel de Castro Guimarães foi um desaparecido.
É desaparecido, porque o seu corpo, nunca foi resgatado, por imposição do Comando, que inviabilizou os meios militares para tal.
A Pátria não se quis envolver nesse processo.
O corpo, foi levado, isso sim, pelas forças regulares tanzanianas. (Ver blog “ Do Tejo ao Rovuma”), sendo que o mesmo se encontrava ainda em território, naquela ocasião, português.
A Pátria quis esquecer este episódio.
Será por tudo isto e por muito mais que aqui ainda não fica dito, que o seu nome não consta no monumento erigido em memória dos que lá ficaram.
E a família?  Ninguém oficialmente,  teve o cuidado de a esclarecer. Também ela foi usada como carne para canhão.
Foi o seu  ente familiar um desertor? 
Foi raptado?
Foi abatido pelos seus homens, como se chegou a admitir em vários meios, onde se inclui a família?
É bom lembrar  que fazíamos parte de um corpo de voluntários, sendo a sua composição totalmente nativa.
Se desaparecido,  como e porquê?
Seria o mínimo a justificar, junto dos familiares.
Nunca tiveram uma resposta afirmativa para esta questão.
Tem o signatário feito alguns escritos sobre este assunto ao longo de vários anos, mas a parede de fumo que se gerou sempre, impede ou impediu que se impusesse a verdade e a Pátria  fizesse a justiça moral que se impunha. Colocar o seu nome no lugar que,  mal ou bem,  perpetua e honra os que lá pereceram.
Fui o responsável pelo Grupo Especial que procedeu à operação em que aquele militar tombou e,  possuo o conhecimento total dos factos que foram reportados em relatório para o Comando Chefe, Gen Kaulza de Arriaga.
É certo que já passaram mais de 40 anos. Pela ordem da vida, não sei se ainda terei muito mais tempo para fazer esta denuncia.
Aquele momento, é para mim, AGORA e SEMPRE.
Está dentro de mim. O que é que posso fazer?
Para mim, a divisa “Ninguém fica para trás”, faz com que me sinta desinquieto  com esta situação.
Possivelmente,  para a Pátria ,   esta divisa,  não se aplica ou aplicou.
Muito apreciaria que,  através dos meios que têm ao v/dispor, fosse dado conhecimento público desta velha ocorrência, provavelmente uma entre muitas.
Somos um povo de memória curta quando convém, mas entendi que o v/programa tem  na sua génese, o perfil para  fazer desinquietar algumas consciências.
Daí,  ter recorrido a VExas., e espero que possa, com a v/ajuda, que a história se cumpra.
Apelo   também ,  para  a  delicadeza  que este  assunto merece,  tanto  mais  que  o  militar  em  referência  é familiar do atual bastonário do Ordem dos Médicos.
Tenho alguns documentos que poderão ser utilizados para ajudar ao esclarecimento dos factos.
Fico à v/inteira disposição.
Com consideração,
Filipe Manuel Cardão Pinto
Ex militar na guerra do ultramar e comandante, à época, do GE 212 em  Nhica do Rovuma em Moçambique (Fronteira com a Tanzânia)
Tlm  936260394

Nota: Carta enviada ao programa da SIC "Linha Aberta".