Parecia estar exausta. Quando lhe peguei, não fez o mínimo gesto para fugir, parecendo mais assustada por mãos estranhas a envolverem sem entender para onde a levavam.
Era uma andorinha jovem e estava caída no passeio da minha rua, parecendo estranho ainda ali permanecer quando por aquele empedrado vagueiam alguns gatos e cães, também eles esfomeados e sem abrigo à procura de um recanto para dormir.
Peguei nela e levei-a para minha casa, improvisando na minha varanda um ninho à semelhança daquele de onde provavelmente teria caído, com duas tigelas sobrepostas, onde a Mafalda geralmente come os cereais, deixando uma pequena abertura na eventualidade da jovem andorinha querer sair depois de recuperada.
Por mera curiosidade, coloquei-lhe numa das patas uma pequena anilha amarela, para na eventualidade de a poder observar numa outra circunstância no seu vai e vem do ciclo migratório.
Sem forças, deitei-a dentro da tigela que envolvi com trapos para se tornar mais acolhedor, enquanto me entretia a apanhar moscas e outros insectos que colocava ao seu lado na companhia de pequenos pedaços de pão.
Por duvidar da sua capacidade de se alimentar, por vezes abria-lhe o bico, dando-lhe de beber e alimentando-a até que me pareceu nada mais querer, quando já a noite se tinha abatido sobre Alhos Vedros e a lua parecia ter ancorado no seu cais.
No dia seguinte, a tigela, promovida provisoriamente à categoria de ninho estava vazia, e no seu interior nada restava dos vários insectos e pedaços de pão ali colocados, tendo a andorinha seguido o seu caminho provavelmente para paragens distantes no norte de África.
Pensei nunca mais a ver, pois, como seria natural, era uma entre tantas andorinhas que no seu ciclo migratório nem sempre regressam ao mesmo sítio.
Este ano, chegada a Primavera, mais uma vez me atarefei a afugentar as andorinhas que teimosamente tentavam fazer o ninho nos recantos da minha varanda.
Ainda no seu início, derrubei por duas vezes um ninho ainda em construção e, perante tanta insistência minha, aquelas andorinhas acabaram por desistir indo fazer o ninho não muito longe dali, mesmo por cima da porta de entrada do prédio onde moro, no entrelaçado dos cabos eléctricos que serpenteiam aquela construção.
Achei curioso a sua teimosia em querer fazer o ninho sempre ali nas proximidades, até que reparei, quando uma delas pousou no parapeito da minha varanda (o que estranhamente passou a fazer com alguma regularidade) que numa das patas ostentava uma pequena anilha amarela, e foi então que compreendi a sua teimosia em querer fazer o ninho próximo do local de onde partira no ano anterior.
Embora não fale, os seus voos rasantes acompanhados por um piar harmonioso quando sobrevoa por cima de mim quando venho à varanda, parecem ser uma singela expressão de gratidão, agradecendo a hospitalidade que lhe foi dispensada num dos momentos trágicos da sua vida, enquanto que no seu redopio alimenta as suas duas crias que parecem já estar preparadas para quando se iniciar a sua primeira aventura na procura de outros locais onde a temperatura é mais acolhedora.
O prédio onde moro (onde se sustenta aquela pequena estrutura de argamassa onde moram agora quatro andorinhas) prepara-se para ficar mais vazio quando as noites frias indicarem que é tempo delas iniciarem a longa marcha, até que as alterações climáticas as tragam de novo à minha rua, onde a gratidão destas aves parece ter ofuscado aquela que alguns humanos há muito riscaram do seu vocabulário.
Carlos Vardasca
17 de Agosto de 2008
Nota: Artigo enviado para o jornal "O RIO", jornal regional e independente do Concelho da Moita.
* Com este artigo sigo para férias e regresso no final de Agosto.
5 comentários:
Caro camarada. Fui enfermeiro em Nangade na Companhia de Engenharia, de 1974 a 1975. Guardo esses tempos com imansa saudade
Lindo... mas só mesmo tu para teres essa paciencia toda com o passaroco, continuas igual a ti proprio... bjs pai
Muito bonito caro camarada, a vida nao pode parar. Só a esperiência que nos tivemos sobre o valor da vida nos dão o real valor das pequenas coisas da vida.
Olá amigo Pedro
Vai dando notícias e, se poderes, envia-me algumas fotos tuas em Nangade e uma pequena história que se tivesse passado contigo para a colocar no blog.
Um abraço
Carlos Vardasca
ex-combatente da C.CAÇ. 3309
Olá filhota
Nem só os humanos nos sensibilizam.
Os animais merecem de nós toda a consideração pois são mais vulneráveis à degradação do meio ambiente por nós tantas vezes "cilindrado".
Beijinhos do pai
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