quarta-feira, 22 de abril de 2009

"Mais longe da guerra, mas que cagasso..."

Tínhamos chegado ao Aquartelamento de Balama à cerca de três dias vindos de Nangade, e ainda não tínhamos ido às “meninas”.
Então, para quebrar o nosso jejum de quase dois anos a que nos obrigou o isolamento nas margens do rio Rovuma, decidimos ir ao aldeamento, pois disseram-nos que haviam umas mulheres dos Milicias locais, que na ausência destes na mata e para arranjarem uns trocos para poderem comprar alimentos e novas capulanas(1), iam para a cama com a malta. Eu e o Dias, depois de entrarmos no aldeamento e numa escuridão imensa, lá encontrámos duas pretas que acederam ao nosso pedido e nos pareceram jeitosas (mesmo que não o fossem isso também não importava) e lá nos embrenhámos por entre estranhos e estreitos corredores separados por paliçadas de cana de bambu, e fomos com elas, cada um para a sua palhota.
Depois do “saciado o apetite” e ao sairmos das palhotas já noite a dentro, vimo-nos cercados por cinco Milicias (dois deles eram maridos das mulheres com quem tínhamos ido) que nos questionaram em tom ameaçador o que é que tínhamos ido fazer dentro daquelas palhotas enquanto caminhavam na nossa direcção.
Como eles se aproximavam cada vez mais de nós e prevendo que aquilo ainda iria dar conflito, tanto eu como o Dias tirámos dos bolsos cada um a sua granada (que nos acompanhava sempre quando íamos para locais duvidosos) retirámos a cavilha mas mantendo o punho apertado, enquanto encenávamos que as íamos lançar na sua direcção dizendo em tom de ameaça:
— “… Nós podemo-nos foder mas vocês também ides com o caralho…”
O que é certo que perante a nossa determinação, o grupo de Milicias afastou-se deixando-nos retomar o caminho do Aquartelamento.
Lembro-me tão bem desse episódio como se fosse hoje.
Naquela noite apanhámos um cagasso do caraças mas chegámos ao quartel em bem "não tendo ganho para o susto".

Eugénio de Sousa Fernandes
(Fafe)
ex-Soldado Apontador de Metralhadora NM 11119370 da Companhia de Caçadores 3309
S. Martinho de Silvares.
Fafe, 11 de Setembro de 2006
Foto: Elementos do 4º Pelotão da Companhia de Caçadores 3309 posam para a foto, depois de recentemente terem chegado do Aquartelamento de Tartibo. Nangade 1972.
O "Fafe" é o segundo (em pé) a contar da esquerda, e em destaque a sua foto actual.
(1) Capulana (origem Tsonga) é o nome que se dá em Moçambique a um pano colorido que, tradicionalmente é usado pelas mulheres para cingir o corpo, fazendo as vezes de saia, podendo ainda cobrir o tronco e a cabeça.

in, "do Tejo ao Rovuma. Uma breve pausa num tempo das nossas vidas" página 285, Carlos Vardasca 2009.

2 comentários:

Anónimo disse...

Ha muito sigo e aprecio os artigos deste Blog.
Tambem fui militar em Moç. de 70 a 73 e Cabo Delgado 72/73.
So uma pequena precisao. Nao aumenta nem retira grande coisa mas ai vai: Em Balama nao havia GE's. Melicias talvez...
Um abraço e continue!

Carlos Vardasca disse...

Obrigado amigo pela sua rectificação. De facto, em Balama não havia GEs mas sim milícias.
Um abraço também