quarta-feira, 22 de agosto de 2007

"a liberdade de escolhermos os nossos livros"


(...) desde muito criança que tenho hábitos de leitura. Nem sempre os livros que passaram pelas minhas mãos foram os melhores, mas era o que se arranjava na altura. Tive experiências traumatizantes no que se relaciona com o acesso à leitura mas, neste caso, por imposição do colégio onde me encontrava internado. Quando a Guerra Colonial começou, em 1961, tinha eu 11 anos, e encontrava-me no Colégio Nuno Álvares Pereira em Lisboa e, por paradoxo que pareça (isto contado ninguém acredita) todas as noites, antes de nos deitarmos e apesar da nossa tenra idade, obrigavam-nos (como se nós percebesse-mos alguma coisa do que se estava a passar) a ouvir os comentários do famigerado comentador do regime Ferreira da Costa, que, via rádio, informava o país dos últimos acontecimentos em Angola. Um dia, para nosso espanto, foram-nos distribuídos (o que nunca deveria ser feito a crianças daquela idade) pequenos livros, cujas ilustrações se referiam ao conflito colonial em Angola, onde se podiam ver famílias de colonos e seus colaboradores massacrados pela UPA. É claro que o objectivo do regime era tentar moldar o pensamento daquelas crianças, e torná-las permeáveis à assimilação, através do medo, a uma lógica colonialista em que muitas delas (como foi o meu caso) mais tarde foram obrigadas a participar.

Vejam lá! isto tudo a propósito de leitura. De facto as conversas são como as cerejas. Apesar de naquela "clausura" do colégio e da manipulação das consciências de que muitas crianças foram vítimas na maioria das instituições do Estado Novo, cada uma delas hoje tem personalidade própria, e os seus hábitos de leitura não têm nada a ver com os que lhes tinham sido impostos. Isto tudo para vos dizer que, como já vem sendo hábito quando vou de férias, levei para ler dois livros bastante interessantes (aliás, um já ia quase meio lido) e que me deram bastante prazer. Um deles foi, "A ilha da trevas" de José Rodrigues dos Santos, romançe que retrata a situação em Timor-Leste desde a invasão indonésia até à independência. É de facto um livro dramático sobre a história de um povo sofrido, mas que soube lutar pela sua liberdade. O outro, "mais leve", com o título, "As mulheres do meu pai" de José Eduardo Agualusa, que nos transporta para o fascínio de África, revela-nos a intensa procura da personagem pelas mulheres de seu pai, que se reparte por Angola, África do Sul e Moçambique. Este livro é escrito de uma forma que, à medida que nos vamos envolvendo na sua história, vamos "saboreando" os vários frutos tropicais, sentindo a humidade do cacimbo e o fascínio do pôr do sol em África.
Se querem saber a minha opinião, são de facto dois livros que se recomendam (...)


Carlos Vardasca
23 de Agosto de 2007

Sem comentários: