(...) A coluna de reabastecimento tinha saído de Nangade no dia 20 de Setembro de 1971, tendo chegado a Pundanhar no mesmo dia mas já ao entardecer, devido a uma intensa emboscada de que foi alvo na zona da "Lângua" por parte dos guerrilheiros da FRELIMO e à detecção durante o percurso de várias minas anti-carro que atrasaram a sua chegada. Nessa coluna viajavam também alguns elementos da população dos aldeamentos de Nangade e, entre eles, uma rapariga muito jovem que estava no final da gravidez, sendo seu desejo ir ter o bebé a Palma para onde a coluna de reabastecimento se dirigia. Foi aconselhada a ficar em Pundanhar para aí se proceder ao parto que parecia estar iminente, ao que ela recusou pois pretendia que o bebé nascesse em Palma junto dos seus familiares como era tradição da sua etnia.
No dia seguinte, 21 de Setembro, a coluna saiu de Pundanhar sendo o seu andamento mais rápido durante alguns quilómetros, dado que saíra mais cedo um pelotão da Companhia de Caçadores 2703 ali estacionada que fizera a picagem e detecção das minas até ao quilómetro 15, na direcção do Aquartelamento de Palma.
Como a partir desse local o andamento das viaturas fosse mais lento devido à picagem do terreno, e porque a coluna sofrera nova emboscada e um rebentamento de uma mina anti-carro que danificou a Berliet, causando um ferido grave levando algum tempo a aguardar a chegada do helicóptero para a evacuação do ferido, a coluna, devido ao aproximar do cair da noite teve necessidade por questões de segurança não seguir para Palma e pernoitar na mata.
A jovem nativa à muito que começara a ter muitas dores e o parto estava por momentos. O enfermeiro fora chamado de urgência junto da viatura onde a jovem se encontrava, tendo o parto acontecido mesmo ali em cima de uma Berliet, embora as condições não fossem as mais adequadas. Lembro-me tão bem desta história, porque a mesma aconteceu na noite de 21 de Setembro de 1971, precisamente no dia em que fiz 22 anos de idade.
O mais engraçado deste acontecimento insólito foi que, em jeito de homenagem àquele nascimento e nas condições em que o mesmo se procedeu, o enfermeiro, pertencente à Companhia de Caçadores de Moçimboa da Praia estacionada em Palma que seguia na coluna e prestou assistência ao parto, quis "oficializar" ali mesmo a sua condição de "padrinho" do bebé, atribuindo-lhe um nome, dizendo à mãe:
- "Olha menina, como o bebé nasceu em cima de uma Berliet e fui eu um branco da tropa que tirei esse terrorista cá para fora, ele vai chamar-se Zungo Berliet Tropa (1) - ao mesmo tempo que lhe despejava o resto da água que ainda tinha no cantil por cima da cabeça para dar outro ar à cerimónia.
No meio da escuridão e a intervalar o choro da criança, ainda se ouviu numa das Berliet lá da frente alguém que dizia:
- "Se calhar ajudaste a nascer mais um turra que nos vai fazer a vida negra na mata se esta puta de guerra ainda durar por muito mais tempo" (...)
Carlos Vardasca
21 de Setembro de 2008
Foto: Coluna de reabastecimento após a sua chegada ao Aquartelamento de Palma, vendo-se em primeiro plano alguns soldados da Companhia de Caçadores 3309 (Meira, Gonçalves, Ferreira e o "Pragal" - este último falecido em 2005) e ainda elementos da população em cima das Berliet.
(1) Zungo em dialecto Maconde quer dizer Branco.
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