quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

"Foi há 38 anos, num natal tão distante"

Postal de Natal enviado do Aquartelamento de Nangade para os meus pais. Natal de 1971
Aquartelamento de Nangade (Cabo Delgado) 24 de Dezembro de 1971
Na foto: Alguns dos elementos da C.CAÇ. 3309 destacados em Nangade (da esquerda para a direita) Soldado Mecânico Lobo, 1ºs Cabos Mecânicos Silva e Rita, um Furriel da CCS do Batalhão de Artilharia 2918, 1º Cabo Condutor Nascimento, Soldado Cozinheiro Agostinho, Soldados Condutores Braz (eu) Saavedra, Almeida e Pereira. Aquartelamento de Tartibo (Cabo Delgado) 24 de Dezembro de 1971
Na foto: Alguns dos elementos da C.CAÇ. 3309 destacados em Tartibo (Da esquerda para a direita) Soldados de Transmissões Serrano e Carlão, Furriel Miliciano Gabriel, Alferes Miliciano Martins, Furriel Miliciano Barbudo e Soldado Atirador Moreira.
Aquartelamento de Balama. 24 de Dezembro de 1972 (Festa de natal) Já numa zona operacional mais tranquila e a três meses de regressarmos à "Metrópole".
Na foto: (Da esquerda para a direita) Furriel Miliciano Arlindo, 1º Cabo Atirador Pinto, Soldado Condutor "Foz" (Até hoje desconhece-se o seu paradeiro) e Soldado Condutor Pereira (já falecido)
(...) Ainda o helicóptero vinha no ar e já um dos pilotos, que era a primeira vez que ali se deslocava, dizia, estupefacto, olhando para aquele minúsculo aquartelamento circundado por montes de areia em todo o redor do seu perímetro defensivo:
- Porra! - Estes tipos até parece que os enviaram para ali de propósito para morrer.
Decorria o ano de 1971 e uma reportagem da RTP deslocava-se ao Aquartelamento de Tartibo para fazer a gravação das mensagens de natal aos militares ali estacionados.
Era de facto um minúsculo aquartelamento onde a Companhia de Caçadores 3309 se instalou em 30 de Setembro de 1971, depois de dias antes, no dia 03 do mesmo mês ter conquistado aquele espaço à FRELIMO, onde esta organização guerrilheira detinha uma pequena base camuflada por entre o arvoredo.
Enquanto os outros dois pelotões procediam a operações de reconhecimento nas imediações, os restantes soldados que se encontravam dentro do perímetro do aquartelamento já se alinhavam em fila indiana, ensaiando o seu discurso que, mesmo sendo curto, iria ser visto nos écrans de televisão espalhados por cidades, vilas e aldeias de um país que "teimava em manter um império" e que se via a braços com um conflito colonial que já durava à cerca de 13 anos e que parecia não ter fim à vista.
De barba que não via a lâmina há vários dias, com o fardamento meio rasgado, de mãos trémulas, de olhar triste e cansado mas prenhe de ansiedade e com uma vontade enorme em falarem para os seus ente queridos bem distantes, os soldados faziam um esforço soltando frases que surgiam desarticuladas, outras apagadas pelo nervosismo e por vezes incompletas, tal era a pressa dos operadores de televisão e dos próprios pilotos em se verem livres daquele local o mais rápido possível, não fossem eles também participar de um combate que a todo o momento poderia surgir do interior da mata circundante.
As breves e sentidas palavras das Mensagens de Natal dirigiam-se essencialmente aos pais, noivas e restantes familiares, terminando num mecanizado "adeus até ao meu regresso" mas já com o microfone nas mãos do soldado seguinte.
No final, e perante a ausência do Comandante da Companhia, o Capitão Miliciano Hélio Moreira, foi o Alferes Miliciano Barros que fez as "honras da casa" ao lembrar os soldados que não puderam estar presentes na gravação, enviando em seu nome "as boas festas e um próspero ano novo".
Com a partida do helicóptero que escureceu todo o aquartelamento com uma nuvem de poeira, quem ali tentava sobreviver voltou de novo ao isolamento que lhes fora imposto, enquanto aquelas câmaras levavam dentro de si alguns sorrisos contidos pelo medo, mas que iriam proporcionar momentos de felicidade a quem, numa aldeia distante e debruçado no alguidar das filhoses ansiava por notícias de quem fora enviado para aquelas terras distantes, "onde a guerra calava mais fundo e tornava o seu regresso cada vez mais incerto (...)
Carlos Vardasca
23 de Dezembro de 2009

Sem comentários: