sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

"Ninguém morre besuntado de azeite"

(…) Em data que não consigo lembrar-me, num fim de tarde, chegou ao Aquartelamento de Tartibo antigo (Nova Torres) uma coluna de abastecimentos. Não me perguntem se a coluna correu bem ou mal, não faço a mínima ideia. Do que eu me lembro bem é que nesse dia não se conseguiu arrumar todo o material transportado, ficando a maior parte em pilhas junto do depósito de géneros e da secretaria. Aconteceu que nessa noite, depois de passada a “hora Maconde” resolvi procurar o escriturário para abrir a porta da secretaria para ir lá escrever umas cartas e talvez algum aerograma. Lembro-me que com o escriturário veio outro militar de que não consigo lembrar-me. Lembro-me também de que à porta da secretaria se encontrava a poucos metros um Unimog 404 parcialmente descarregado de bidões de vinho e azeite.
Estávamos na secretaria todos os três, bem calados, a escrever, eu, o escriturário e o outro militar acima referido, quando caiu bem perto dali uma morteirada. Fora da secretaria estava tudo às escuras, mas a reacção dos nossos Obuses de artilharia não se fez esperar e começaram logo a bater todos os pontos prováveis de ataque. Eu abriguei-me de imediato debaixo do Unimog 404 e suponho que o escriturário e o outro militar fizeram o mesmo.
Lembro-me como se fosse hoje, comecei a sentir que estava molhado numa das pernas. Apalpei e tive na altura a sensação de que estaria ferido porque confirmei que estava mesmo molhado, com um líquido quente e pegajoso e receei que naquele momento tinha chegado o meu fim. Presumo que desmaiei e a certa altura dei por mim quando alguém me puxava por uma perna e perguntava:
- “… meu capitão, meu capitão, está ferido?
- “Respondi que não, mas só depois de confirmar a minha integridade física dos braços e das pernas. Verifiquei no fim que não perdi sequer uma gota de sangue e que apenas me encontrava sujo de terra e azeite ou óleo alimentar ainda quente devido à exposição ao sol deste produto durante o percurso da coluna e que na altura se derramou por não se encontrar o bidão bem fechado, ou por efeito de algum estilhaço. Não indaguei por motivos óbvios por se tratar de uma história pouco edificante (...)

Hélio Augusto Moreira
ex-Capitão Miliciano NM 36048760 da Companhia de Caçadores 3309
Linhares, 06 de Janeiro de 2005

In: "Do Tejo ao Rovuma. Uma breve pausa num tempo das nossas vidas". História da C.CAÇ. 3309. Moçambique 1971-1973, página 191, Carlos Vardasca. Alhos Vedros, 21 de Setembro de 2009.

Foto 1: O Capitão Miliciano Hélio Augusto Moreira (em primeiro plano com uma garrafa de cerveja na mão) na companhia de: (da esquerda para a direita) Saavedra (Soldado Condutor), Pepino (Soldado Corneteiro), Costa (Furriel Vague Mestre), Leite (Soldado Condutor), "Françês" (Soldado Cozinheiro) e do Cardoso (1º Cabo Auxiliar de Enfermagem), num petisco onde se comemorava o 1º aniversário da C.CAÇ. 3309. 24 de Janeiro de 1972.
Foto 2: O Capitão Miliciano Hélio Augusto Moreira, na companhia do Alferes Mendes (Checa) e dos Furrieis Milicianos Felisberto João de Almeida Costa (Vague Mestre) e José Maria Ferreira da Silva (Enfermeiro), quando almoçavam no Aquartelamento de Nova Torres, 28 de Junho de 1971.
(Em destaque uma foto actual do autor do texto).

Sem comentários: