domingo, 23 de dezembro de 2007

"...Entre o Kaúlza e o Cerejeira, venha o diabo e escolha"


(...) Em épocas natalícias era habitual os aquartelamentos serem visitados por altas individualidades militares, sempre acompanhadas por entidades religiosas, o que comprovava que a igreja sempre esteve de "braço dado" com o Estado Novo e conivente com a política colonial. Aguardava-se em Nangade no dia 26 de Dezembro de 1971 a visita de Kaúza de Arriaga, General Comandante-Chefe em Moçambique, e falava-se que o Cardeal Cerejeira o acompanhava nessa missão "envagelizadora" das tropas situadas a norte, mais concretamente no Planalto dos Macondes. Nas casernas e nas tendas, por vezes as conversas situavam-se à volta daquela visita, para uns com alguma expectativa e regozijo, enquanto que para outros (uma imensa minoria mais esclarecida) a visita era tratada com alguma indiferença, ouvindo-se com frequência dizer-se no interior das tendas:

- Entre o Kaúza e o Cerejeira venha o diabo e escolha, pois comem os dois da mesma gamela".

O Cardeal do regime acabou por não fazer parte da comitiva, e a maioria dos soldados, uns por mera curiosidade outros incitados pelos seus comandantes, tal como as populações dos aldeamentos que para ali foram levados pelo Administrador de Posto com a conivência dos Régulos, lá foram esperar o General à pista de aterragem de terra batida, enquanto que ao longe, numa das casernas ouvia-se:


Ora vai para o mato,
oh meu malandro,
por causa de ti
é que eu aqui ando
é que eu aqui ando
é que eu aqui ando...


Lembro-me que naquela altura entrou na caserna um Furriel da CCS do Batalhão de Artilharia 2918 estacionado em Nangade, de alcunha o "Coca-Cola", que era hábito participar nos nossos petiscos, e dizer, manifestando alguma preocupação:


- Epá malta, não cantem essa merda - então não sabem que nestas alturas Nangade fica apinhada de PIDES por todos os lados?
- Alguns deles misturados na comitiva e outros disfarçados de fotógrafos? (...)
Carlos Vardasca
23 de Dezembro de 2007
Foto: Kaúlza de Arriaga passa revista ao Agrupamento de GEs em Nangade. Por detrás do General e fardados de GEs, podem ver-se o então Alferes Diamantino e o Furriel Vilela da C.CAÇ. 3309, destacados para comandar aquela força de intervenção composta somente por naturais da então Província de Moçambique.

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