sábado, 15 de dezembro de 2007

" ...Quando a segurança vinha do ar"


(...) Apesar de aparentarem ser uma relíquia (que o eram de facto, pois já vinham do tempo da guerra da Coreia) os Bombardeiros T6 devolviam-nos alguma segurança, quando nos sobrevoavam durante as acções de patrulhamento ou durante as operações de reabastecimento no interior da mata densa. Na maioria dos casos, eram chamados de emergência, quando a FRELIMO desencadeava fortes ataques às colunas de reabastecimento, tendo como missão bombardear as posições de onde partiam os ataques e aliviar a pressão exercida sobre as nossas tropas, sendo um dos factores de persuasão para que a FRELIMO não consumasse os seus intentos como por vezes tentou, ou seja, (para além de outros factores de ordem miltar causando o maior número de vítimas) apoderar-se das mercadorias, armamento, e dificultar a circulação das nossas tropas nos acessos às fontes de abastecimento.
Havia determinadas zonas na mata que nos causavam imensos calafrios pelo simples facto de ali passarmos, devido ao acidentado do terreno, pela altitude do capim ou pela mata cerrada que não deixava vislumbrar nada à sua frente, pois eram zonas onde normalmente aconteciam emboscadas e sempre com fins dramáticos para as nossas tropas.
No momento em que atravessávamos essas zonas críticas, o T6 era por vezes chamado para nos prestar protecção aérea, e a simples presença daquele bombardeiro, com o seu roncar ensurdeçedor por cima da copa das árvores, fazia crescer em nós algum alívio e um sentimento de aparente segurança, que (embora não fosse partilhado por todos) nos transmitia (para além de espantar momentâneamente alguns dos nossos medos) confiança e alguma certeza de que a chegada ao nosso destino estava melhor assegurada.
Um dia, no Aquartelamento de Nangade, quando eu e malta da C.CAÇ. 3309 nos aproximámos da pista para ver mais de perto aquele bombardeiro que os EUA nos tinham vendido para nos "ajudarem a travar o avanço do comunismo em África", ouvi um reporter de um jornal Sul Africano que ali se encontrava a cobrir as operações, dizer para um piloto de um T6 que estava a ser reabastecido de combustível:
- Então voçês ainda pilotam esta sucata americana que sobrou da guerra da Coreia?
- Se fosse na África do Sul à muito que este "monte de lata" já tinha sido derretido numa qualquer siderurgia. Ao que o piloto respondeu:
- Pois é... mas apesar desta "lata" abanar por todos os lados, ainda me sinto mais seguro lá em cima do que embrenhado na mata como são obrigados a andar os nossos soldados (...)
Carlos Vardasca
15 de Dezembro de 2007
Foto: Bombardeiro T6 na pista do Aquartelamento de Nangade.

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