quarta-feira, 1 de outubro de 2008

"Quando deus esteve do lado dos maus"



(...) Como na época das chuvas o Aquartelamento de NOVA TORRES ficava totalmente alagado com a junção das águas dos rios Rovuma e Metumbué, que facilmente transbordavam as suas margens inundando por completo todas as instalações militares, houve necessidade de abandonar aquele Aquartelamento para uma zona mais elevada e construir novo perímetro defensivo.
Deu-se início então em 25 de Setembro de 1971 à Operação "OCULAR 2" para a abertura do novo Aquartelamento da Companhia de Caçadores 3309, onde estavam envolvidas várias Companhias operacionais tais como, para além de dois Grupos de Combate da Companhia de Caçadores de Moçimboa da Praia, o Agrupamento dos GEs 210, o 11º Pelotão de Artilharia/GAC 6 que ficou a dar apoio aos restantes pelotões da C.CAÇ. 3309 que ainda estavam em NOVA TORRES, assim como um Pelotão da Companhia de Engenharia 2736 e um Esquadrão de Morteiros 81mm.
Foi uma operação de grande envergadura dada as forças em presença, cabendo à Companhia de Engenharia 2736 a desmatação daquela área que outrora fora uma base da FRELIMO, destruída por forças da C.CAÇ. 3309 no dia 03 de Setembro de 1971 quando desencadeava a Operação "BARCA 1" de interdição da fronteira, onde abateram cinco guerrilheiros e capturaram variado material e armamento.
Ainda o Aquartelamento não estava totalmente construído, já os restantes pelotões da C.CAÇ. 3309 que se encontravam em NOVA TORRES se tinham juntado à Companhia em TARTIBO, depois de um percurso bastante atribulado de quatro dias devido à dificuldade no atravessamento do rio Metumbué, cujo caudal se encontrava no seu máximo, obrigando à colocação de pranchas metálicas das Berliet que serviram de ponte para que as viaturas militares transpusessem aquele obstáculo.
Na parte da manhã do dia 01 de Outubro de 1971 e embora os abrigos ainda não estivessem construídos, pois ainda só se tinham aberto valas em todo o redor do Aquartelamento, o Capitão da C.CAÇ. 3309, Hélio Moreira, deu por concluída a missão e ordenou que a Companhia de Engenharia 2736 abandonasse TARTIBO e se dirigisse para NANGADE.
Esta foi uma ordem bastante questionada por alguns oficiais e sargentos da Companhia, que alertaram o mesmo para a eventualidade de ocorrer um ataque da FRELIMO e não existirem abrigos construídos para protecção contra as granadas de morteiro 82mm:
- "Desculpe meu capitão mas acho que foi uma decisão muito mal pensada" - disse o Furriel Gonçalves, prosseguindo:
- Então os Turras conhecem este sítio como a palma das suas mãos e, sabendo eles que chegámos aqui hoje e sem ter tempo para a construir os abrigos, o mais certo é que mais logo, ao entardecer, vamos levar "porrada" que até nos lixamos.
O Capitão, que tinha uma certa dificuldade em reconhecer os seus erros, disse um pouco indignado:
- Vocês são uns cagarolas do caralho!
- Alguma vez eles nos atacam agora?
- Sabendo eles as forças que estiveram envolvidas nesta operação, nem sequer lhes passa pela cabeça que afinal estamos sozinhos e não se aventuram a dar um tiro sequer.
No final da tarde, por volta das 17,45 horas e quando o sol já se escondera há muito por detrás das montanhas da Tanzânia, o Aquartelamento de TARTIBO foi flagelado com quatro ataques da FRELIMO que duraram até às 18,30 horas, onde foram disparadas 60 granadas de morteiro 82mm e de Canhão sem Recuo, ataques esses espaçados por cerca de quinze minutos entre cada um deles, tendo caído dentro do perímetro defensivo 11 granadas de morteiro 82mm, tendo uma delas ferido gravemente o "Almada" (1) quando se refugiava dentro de uma vala sem protecção, tendo-lhe esventrado o peito e "interrompido a sua ânsia de viver".
Devido ao adiantado da hora, não foi possível efectuar a sua evacuação de helicóptero, tendo o "Almada" permanecido em coma, sendo-lhe também administrada respiração boca a boca por todos os enfermeiros que foram incansáveis durante toda a noite.
No dia seguinte, 02 de Outubro de 1971 pela madrugada, chegou o helicóptero que evacuou o "Almada" para o Hospital de MUEDA, sendo posteriormente transferido para Lourenço Marques onde veio a falecer.
Faz hoje precisamente 37 anos que este nosso companheiro faleceu em combate, a quem presto a devida homenagem, lembrando uma das frases que era hábito dizer quando um nosso companheiro tombava em combate:
- " Porquê que hoje Deus esteve do lado dos maus"?
Esteja onde estiver, aqui fica um abraço solidário de quem sobreviveu.

Carlos Vardasca
01 de Outubro de 2008

(1) Alcunha do 1º Cabo Atirador NM 13619570, Pedro Manuel Gaspar Augusto da Companhia de Caçadores 3309.
Foto 1: O "Almada" (o primeiro a contar da esquerda) junto de camaradas da C.CAÇ. 3309 e da C.CAÇ. 2703 no Aquartelamento de PUNDANHAR.
Foto 2: Evacuação do "Almada" no Aquartelamento de TARTIBO.
Foto 3: Chegada do corpo do "Almada" ao Hospital de MUEDA.
Foto 4: Aspecto do Aquartelamento de TARTIBO no dia seguinte ao ataque da FRELIMO, sendo visível a desarrumação com os cunhetes de munições de Obus 14 e de morteiro 81mm espalhados por todo o Aquartelamento, o que evidencia a intensa resposta à violência do ataque.

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