sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

"Memórias de um tempo que não se apaga"

Exmo. Senhor Carlos Vardasca
Cumpre-me primeiro que tudo identificar-me...
Sou um ex-militar, em tempo Furriel Miliciano do Grupo GE 214, estacionado em Pundanhar... Furriel que, em Julho de 1972 chega àquelas paragens, comandando aquele grupo, porquanto o seu comandante de raiz, Alferes Lencastre, dos quadros da Companhia aí aquartelada, que não me recorda o seu número, mas fazendo parte do Batalhão de Nangade, foi ao tempo impedido de o fazer pelo Coronel Costa Campos.
Soube do desaparecimento do então colega de armas... o Guimarães, como era conhecido.
Mas, se a memória me não trai, aquando do sucedido, estava eu a chegar do Hospital Militar de Nampula, para onde fui evacuado para observação da paralisia de que era acometido.
De nada ter servido, porque acabei por ter saído mudo e regressar calado, como é costume dizer-se ao que nada se acaba por saber do que se padecia.
Só tive conhecimento desse mal aos 29 anos quando paralisei pela primeira vez (porque até hoje já vai na 5.ª), tendo aí sim, me sido detectado uma spinuo-bifida (parece-me de que é assim que se escreve.....rs), nas duas últimas lombares e na primeira do sacro.
Acabo de descrever tudo isto porque, por vezes somos denominados como inoperacionais, ronhas e sei lá o quê mais, como eu o fui por várias vezes denominado, disso tenho eu consciência, e o agravante de que com este problema não devida ter sido sequer militar porque nem auxiliares dava...
Não fui pela certa o único impossibilitado e injustamente naquelas circunstâncias....
Mas..... a vida continua, e ainda aqui estamos e o estejamos por mais algum tempo, mesmo assim...
Como a traz dizia, e, tentando dar-me a conhecer, transportei sob meu comando o dito Grupo GE 214 do Dondo até aquela localidade de Pundanhar, conjuntamente com os então Furriéis Cardoso e Telmo Lopes.
Porém, recorda-me de que no dia em que chego a Palma, nesse mesmo dia à tarde um avião que andava em missão de propaganda "PSICOLA", se desloca a Palma e me transporta a Pundanhar, e leva para o Nhica do Rovuma o então Alferes Costa Oliveira, de Pundanhar, que havia chegado há pouco do Dondo afim de comandar o GE 214 em substituição do digitado Alferes Lencastre, afim de reforçar Grupo GE 212, por este estar com apenas um graduado.
Deslocação esta por poucos dias, porque quem acaba por ficar sozinho com o grupo sou eu.
Naquele mesmo dia, os dois Furriéis, o Cardoso e o Telmo, caiem numa emboscada e são evacuados com mais 3 Soldados daquele Grupo.
E, pelo que vim a saber mais tarde, o Telmo fica sem a perna esquerda, cortada em segunda operação em Lourenço Marques, de onde me escreve a dar conta de tal sucedido. Segue mais tarde para a África do Sul como era costume aos naturais daquela Província. Desde aí perco-lhe o rasto, deixando de ter mais dele notícias. O Cardoso ainda regressa ao Grupo.
Mas a dado momento da sua permanência, apercebo-me de um estilhaço que se lhe estava a sair pela vista esquerda, e então é prontamente solicitada a sua evacuação, apenas sabendo de que mais tarde regressa ao Dondo e nada mais.
Mais tarde, por entre Maio ou Junho de 1973, e já sem o Alferes Costa Oliveira porque acaba por ser evacuado e não mais regressa, sou convidado a aceitar a graduação de Alferes.
Fiz referência ao meu problema físico e tudo porquê?
Porque por ele recuso o convite da graduação, não só por impossibilidades físicas, mas também porque já estava há muito tempo por aqueles lados, e, com a aceitação teria de por lá permanecer pelo menos mais 12 meses, o que, de ânimo leve, para mim seria de todo impossível.....
Concerteza que fiz mal..... porque..... com a minha recusa sou espoliado dos GE'S em Setembro daquele mesmo ano (1973), com ordem de embarque e destino a Mueda, transmitida pessoalmente ao grupo pelo então Capitão Pessoa de Amorim.
Naquela localidade fiquei a aguardar colocação até 4 de Janeiro de 1974, dia a seguir ao primeiro ataque ocorrido a Moçambique com misseis terra-ar mod 122.
Tomo o avião com destino a Nampula, onde a 22 daquele mesmo mês sai a ordem de desgraduação a Soldado, e com colocação e destino a Muembe, Niassa, onde estava uma Companhia do Batalhão de Tenente Valadim.
Meu caro, tudo o que li e acabei de descrever, acabam por ser memórias do tempo, que se apagam, mas, o tempo também as aviva quando lemos o que por aqui tenho andado a fazer..... reviver o passado.
Por isso tenhamos pois saúde para podermos pelo menos ainda tentar recordar os ausentes, porque os presentes vamos tentando localizá-los e dar-lhes um "OLÁ" e de que por aqui ainda se anda...

Um Abraço e até sempre, ao dispor......
Carlos Cêa
ex-Furriel Miliciano dos GEs 214
em Pundanhar. 1972

Foto 1: O Furriel Carlos Cêa (o primeiro a contar da esquerda) junto dos seus companheiros dos GEs 214. Aquartelamento de Pundanhar, 1972

Foto 2: O Furriel Carlos Cêa (segundo a contar da direita) dos GEs 214, junto de Furriéis e um Alferes da Companhia (?) que estava aquartelada em Pundanhar. Ao fundo pode ver-se a Messe dos Sargentos. Pundanhar 1973

Foto 3: Aquartelamento de Pundanhar e fotos do Furriel Carlos Cêa em destaque (nos GEs 214 e actualmente).

3 comentários:

Marcos disse...

O meu abraço ao Carlos Cêa.
Sou o Castro. Por lá nos conhecemos (Pundanhar e Nhica do Rovuma). Pertenci à 3472,mas fiquei no Norte e tive oportunidade de conhecer mais 2 companhias de cujo convívio partilho recordações

Anónimo disse...

tenho a impressão que por essa altura o GE214 de Pundanhar era comandado pelo alferes Guerreiro.
Um abraço a todos que passaram por Pundanhar

Pintado Jorge disse...

Tenho andado a ver bloggers acerca de Cabo Delgado, mas não tive o prazer de conhecer estes companheiros de armas de Punhanhar que me antecederam.
Sou o Pintado Jorge, FurMil, da 3.ªCCacBCac 5013/73; estive em Vila Pery, nos Pisteiros de Combate em 1973, para depois "aterrar"no "hotel de 5 estrelas "de Muidine "e por lá me manter até 13Agosto de 1974, dia do abandono daquela subunidade.
Um grande abraço !