(...) Era a alegria da criançada da aldeia, quando o carteiro aparecia lá no cerro junto à casa do ti Zé das Cabras e descia com a sua velha Zundap até ao centro do lugarejo. As crianças corriam a avisar os pais da sua chegada, indo estes concentrar-se junto da venda do Ti Juvenal onde o carteiro era hábito deixar a correspondência para que aquele fizesse a sua distribuição. Naquele dia, e depois de deixar a maioria da correspondência na venda, o carteiro dirigiu-se na direcção da casa da Maria Perpétua com um pequeno impresso que retirara da sacola, tendo dito ao Ti Juvenal que aquele telegrama tinha que ser entregue em mão ao destinatário. As pessoas ali concentradas e pressentido algo de estranho, acompanharam o carteiro até à casa da sua vizinha para se certificarem das suas desconfianças. Depois de entregue o telegrama à destinatrária, esta, como não sabia ler, pediu ao funcionário dos CTT (já com as mãos muito trémulas e afrontada de suores) que lhe fizesse o favor de ler o seu conteúdo, ao que este respondeu (já prevendo que tipo de informação ali vinha, pois já não era o primeiro telegrama que entregara vindo do mesmo organismo militar) não o poder fazer pois estava com muita pressa para entregar o resto da correspondência nas outras aldeias vizinhas, livrando-se daquela forma, de ser ele a transmitir o que já vinha sendo o motivo de muita angústia em grande parte das aldeias das redondezas.
A Ti Zulmira a muito custo e com bastante receio do seu desfecho, lá se ofereceu para ler aquele pedaço de papel emanado do Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, ficando estupefacta com o que acabava de ler só para si, abraçando a Maria Perpétua com tanta força dizendo-lhe (inundada em lágrimas que caiam por cima do seu ombro) ao mesmo tempo que lhe saía do peito um desabafo entre soluços mas tão forte, que parecia querer avisar toda a aldeia:
- O seu Amílcar morreu vizinha Perpétua...é o que diz aqui!
- O seu filho morreu em combate em Moçambique!
Logo toda a aldeia se concentrou no largo da fonte a comentar o ocorrido:
- Então eles não diziam que já não havia guerra e que os feridos ou mortos que houvessem era tudo devido a acidentes de viação? - comentava uma jovem aldeã bastante comovida, pois conhecera o Amílcar desde os tempos da escola primária.
- Isso é tudo mentira menina! - respondeu a mulher do Ti Juvenal - continuando:
- Eles pensam que nos enganam (disse dirigindo-se a todos os presentes no largo) mas o meu filho, a quem faltam três meses para regressar daquele inferno, tem-me escrito de lá e contou-me que só na sua Companhia (1) já tinham morrido 14, e ficado feridos uns 44, e tudo por causa lá dos pretos que os atacam ora no aquartelamento ou na mata, por onde eles andam com o capim até por cima das orelhas (...)
Carlos Vardasca
02 de Fevereiro de 2008
Desenho de Carlos Vardasca. 1988
(1) Companhia de Caçadores 3310, estacionada no Aquartelamento de Omar na Província da Cabo Delgado, no Norte de Moçambique.
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