segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Planalto dos Macondes, 25 de Fevereiro de 1971


(...) Dispersos, e depois de uma noite mal dormida, tendo como colchão a terra batida do Aquartelamento de Pundanhar onde estava estacionada a Companhia de Caçadores 2703. Resguardados pelos telhados de colmo que pendiam das palhotas do aldeamento que se misturavam com as instalações militares, foi bastante cedo que aos militares da Companhia de Caçadores 3309 foi dada ordem de partida rumo ao Aquartelamento de Nangade.
Faltavam percorrer mais cinquenta quilómetros de picada, depois de termos deixado outros tantos para traz desde Palma até àquele Aquartelamento, percurso percorrido (por estranho que possa parecer) sem qualquer problema, dada a intensa actividade da FRELIMO naquela zona. Pelo caminho e ao longo da picada, fomos encontrando outros soldados que faziam protecção ao itinerário por onde seguia a coluna que transportava a C.CAÇ. 3309.
De aspecto bastante cansado, extremamente exaustos e com a farda meio rasgada cujos farrapos se colavam ao corpo devido à chuva intensa que se abatia sobre a mata, o que evidenciava no seu rosto muitos quilómetros de picada percorridos, lá os deixámos para traz meio escondidos por entre o capim, com as Berliets a acelerarem mais um pouco depois de nos terem certificado de que toda a picada foi patrulhada, transmitindo-nos confiança de que a coluna podia avançar sem problemas em direcção a Nangade.
Nas páginas do meu Diário marcava o dia 25 de Fevereiro de 1971, e a C.CAÇ. 3309 chegava a Nangade, tendo recebido à sua chegada uma recepção muito ruidosa por parte da Companhia de Comando e Serviços do Batalhão de Artilharia 2918 (comandada pelo Tenente Coronel Vasconçelos Porto) e alguns pelotões da Companhia de Artilharia 2745 (comandada pelo Capitão de Artilharia Jorge Duque) ali estacionados, sendo esta última a que iria ser rendida pela C.CAÇ. 3309.
Para impressionar (ou amedrontar) os "Checas" que se encontravam agora formados em frente ao edifício de Comando, as anti-aéreas, os Obus 14 e os morteiros 81mm que faziam parte do sistema defensivo daquele aquartelamento, "vomitavam" todos ao mesmo tempo "bolas de fogo" simulando que o Aquartelamento de Nangade estava a ser atacado pela FRELIMO, enquanto alguns soldados, exibindo as divisas de Capitão ou de Major, incomodavam as tropas acabadas de chegar:
- Olhe lá nosso soldado! - então isso são modos de se apresentar numa formatura com a barba grande, as botas todas enlameadas e o fardamento todo molhado?
Ao que o soldado Condutor Pereira (1) (de alcunha o "Garina") depois de hesitar um pouco lá respondeu, meio irritado e com o seu jeito tão característico, evidenciando o seu sotaque de Lisboa de onde era natural:
- Meu major, acabámos mesmo agora de chegar do mato, sempre debaixo de chuva, e diga-me lá onde é que queria que eu ligasse a máquina de barbear? - ao tronco de uma árvore era?
Ao que o falso Major respondeu de imediato (deixando escapar um ligeiro sorriso) exibindo um frágil autoritarismo e muito pouco convincente:
- Ligavas a máquina aos teus cornos, meu "Checa" de merda!
Percebendo que o soldado ficara perturbado com aquela resposta, o militar que se passava por Major retirou as divisas e abraçou-o, dizendo-lhe:
- Epá! - Desculpa lá, eu sei que fui um bocado bruto mas isto é tudo a brincar - continuando a desculpar-se:
- Eu sou soldado com tu, e isto é apenas uma brincadeira que faz parte da recepção aos "Checas".
- Se não levarmos esta puta de guerra a brincar acabamos por sair daqui todos loucos (...)

Carlos Vardasca
25 de Fevereiro de 2008

Foto 1: Elementos da C.CAÇ. 3309 na coluna militar que os levou até Nangade.
Em primeiro plano podem ver-se (entre outros) o Furriel Barbudo, o 1º Cabo Pinto e o Soldado Rodrigues (Barbeiro).
Foto 2: Vista aérea do Aquartelamento de Nangade no norte de Moçambique (ao centro), ladeado pelos aldeamentos da etnias Maconde e Macua.

(1) Alfredo Bernardino Pereira, Soldado Condutor Auto Rodas NM 15407070, falecido após o regresso da C.CAÇ. 3309 de Moçambique.









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