sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

" ... Já cá canta a pensão do Vietname"



(...) Em Novembro de 2007 esteve cá em casa uma visita inesperada. Quando tocaram à campaínha, pensei ser o carteiro que me vinha trazer mais um álbum de fotos de guerra que me têm sido enviados com alguma regularidade pelos meus companheiros da ex-C.CAÇ. 3309, mas não. Quando abri a porta, vi o Pilhas Secas" (1) ironicamente todo sorridente, exibindo um pequeno impresso:
-Epá Braz, sabes o que é isto? - finalmente começei a receber a "pensão do Vietname".
Durante o almoço conversámos sobre o assunto, e ambos concordámos que aquela verba se tratava de uma ninharia atribuída anualmente aos ex-combatentes pela sua participação em zonas de conflito, verba essa que seria decerto muito mais compensatória se fosse distribuída a quem de facto mais necessitaria dela.
Os parcos 107 Euros atribuídos anualmente (cerca de 8 Euros mensais), para além de não compensar ninguém pelo esforço de guerra a que foi obrigado devido à política colonial dos "velhos do Restelo", também não são de modo algum uma forma de dignificar os ex-combatentes (como dissera na altura o então ministro da defesa Paulo Portas). Quando na altura se falava em legislar sobre essa matéria (e embora não estivesse ainda abrangido por ela) tive a oportunidade de escrever para o então ministro da Defesa onde dizia, entre outras questões, o seguinte:
- Começando por discordar dos fundamentos da mesma lei, os fins que a mesma visava associada a objectivos meramente eleitoralistas, e independentemente da verba que viesse a ser atribuída, eu dizia que pela minha parte (e decerto pela parte da maioria dos ex-combatentes) prescindiria de a receber em favor daqueles que realmente estão mesmo necessitados desse complemento de reforma por muito ridícula que ela fosse, como se veio a comprovar após a aplicação da referida lei.
Eu referia-me aos ex-combatentes com stress de guerra pós-traumático, que ainda hoje transportam consigo os horrores da guerra com graves consequências na sua vida familiar; aos estropiados, invisuais e amputados que são aos milhares e que vivem com bastantes dificuldades na atribuição de próteses e meios de locomoção; enfim a uma imensidão de ex-combatentes que se vêm abondonados por uma sociedade que se serviu deles e agora os ingnora, no sentido de verem melhoradas as suas condições de existência e aumentadas as parcas pensões que actualmente usufruem e delas tentam sobreviver.
É claro que aquela carta foi logo atirada para o "arquivo geral" (2) como tantas outras que os governantes ou os seus assessores fingem não entender, continuando a não dar as respostas adequadas à dimensão com que este drama merece ser tratado.
Estou-me a lembar de um dos últimos casos de que tive conhecimento, e que decerto aconteceu por falta de acompanhamento, de que um ex-Alferes com quem convivi em Nangade e passámos horas amargas e de muita ansiedade nas picadas no norte de Moçambique, se suicidara no passado dia 10 de Dezembro de 2007 em circunstâncias muito estranhas. Há muito que sofria de stress de guerra, decidindo últimamente refugiar-se numa das matas da Marinha Grande, escondendo o seu carro camuflando-o com a vegetação "para que não fosse visto pelo inimigo", e aí sobreviver durante quinze dias, alimentando-se de pequenas raízes e de lapas que aproveitava colher com a maré vazia, como se estivesse a lutar pela sobrevivência numa operação em pleno conflito colonial, acabando por termo à vida de uma forma tão inglória, ao fim de 36 anos do seu regresso de África (...)

Carlos Vardasca
08 de Fevereiro de 2008

Fotos: Posto de Rádio do Aquartelamento de Nova Torres e Manuel José Rodrigues Alexandre (Pilhas Secas), ex-Furriel Miliciano de Transmissões da C.CAÇ. 3309, junto do Obus 14 no Aquartelamento de Tartibo.

(1) Alcunha atribuída àquele militar como referência à sua especialidade.
(2) Vulgarmente conhecido por caixote do lixo.






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