sábado, 19 de abril de 2008

"Os homens requisitam-se, mas as Berliets custam 400 contos cada uma"



(...) Já há alguns dias que os abastecimentos em Nangade escasseavam, e as tropas se socorriam das rações de combate para sobreviver. A actividade da FRELIMO era bastante intensa, e por cada coluna de reabastecimento que se efectuava regra geral duas Berliets eram destruídas pelas minas anti-carro montadas pelos guerrilheiros na picada.
Com o Aquartelamento de Nangade carente de abastecimentos, foi necessário realizar nova coluna de reabastecimento a Palma, tendo esta saído de Nangade de madrugada, pelas 05,00 horas ainda o cacimbo flutuava sobre o capim. No seu caminhar lento e agonizante, as Berliets seguiam penetrando na densa mata verdejante indiferentes à beleza de alguns dos seus recortes, apesar da chuva que ameaçava cair.
Ao quilómetro 12, um estrondo imenso veio interromper a falsa tranquilidade que envolvia os militares que faziam escolta à coluna, e uma nuvem medonha de cor muito escura elevou-se por cima da copa das árvores e envolveu toda a mata circundante, enquanto as Kalashnikov dos guerrilheiros matraqueavam da mata flagelando as viaturas que seguiam logo atrás do "Rebenta Minas". Avaliados os estragos daquela violenta explosão de duas minas anti-carro e da emboscada que foi desencadeada logo de seguida, verificou-se a existência de dois mortos e quatro feridos, um deles com gravidade, tendo sido de imediato pedida a sua evacuação para o Hopital de Mueda. O Alferes que comandava a coluna de reabastecimento seguia ao meu lado na viatura com o soldado rádio telegrafista, e quando ouvia a sua comunicação do ocorrido para Nangade e a pedir os helicópteros, notei que a sua expressão se alterava significativamente. Em Nangade, quem comunicava com a coluna era o Tenente Coronel Vasconcelos Porto do Batalhão de Artilharia 2918, e perguntava ele ao Alferes se as Berliets tinham ficado muito danificadas.
Insurgindo-se contra esta falta de sensibilidade, o Alferes, não respeitando a comunicação que era obrigatório ser efectuada em código, respondeu-lhe imediatamente em claro e bastante indignado:
-Oh meu Coronel! - Então nós estamos aqui debaixo de uma chuva torrencial, com dois mortos e quatro feridos à espera do helicóptero, e em vez de me perguntar pelo estado dos homens pergunta-me se as Berliets estão muito danificadas?
Ao que o Tenente Coronel respondeu do outro lado:
- Sabe meu alferes, os homens requisitam-se a vêm às carradas dentro dos navios e as Berliets custam 400 contos cada uma.
Antes de esperar qualquer resposta da parte do Alferes o Tenente Coronel prosseguiu:
- E já agora, por questionar a minha observação e por ter violado o código de transmissões em plena acção de combate, ordeno-lhe que, quando regressar dessa missão, que se apresente no edifício de comando que eu quero ter uma conversa consigo.
Regressado ao fim de quatro dias da missão de reabastecimento, aquele Alferes, depois de se ter apresentado no edifício de comando, foi levado por dois agentes da PIDE/DGS para Lourenço Marques e nunca mais se soube do seu paradeiro (...)

Carlos Vardasca
19 de Abril de 2008

Foto: Momento da evacuação dos soldados vítimas daquele ataque dos guerrilheiros da FRELIMO à coluna de reabastecimento, efectuado na picada entre os Aquartelamentos de Nangade e Pundanhar.



4 comentários:

Fernando Ferrão disse...

Não estou nada de acordo com o que aqui foi postado pelo Carlos Vardasca. O Ten. Coronel Vasconcelos Porto,era um Oficial de Cavalaria de grande prestígio, comandava o BCAV 2848 de que faziam parte as CCAV 2375 e CCS (M. Rovuma), 2376 (Nangade) e 2377 (Negomano). Em 54 meses de serviço militar nunca encontrei ninguém com a capacidade de chefia e o humanismo que ele tinha. Só pode tratar-se de um engano, não acredito que seja verdade.

Sempre ouvi essa história de as viaturas custarem dinheiro e o pessoal se render, mas nunca associado ao Comandante Vasconcelos Porto, que ainda hoje quando faz questão de estar presente nos nossos convívios, apesar da idade, ele demonstra a sua grandeza de carácter.

Ficava muito triste se a história do Carlos Vardasca fosse verdade, agradeço-lhe que ma confirme. O Coronel Vasconcelos Porto está vivo e era muito triste, a não ser verdade, que ele fosse associado a uma história que todos nós ex- combatentes repudiamos veementemente.

Peço-lhe Carlos Vardasca que não leve a mal eu estar a duvidar da sua história, mas eu fui comandado por esse Grande Senhor e custa-me muito a querer que seja verdade. Se assim não fôr apresento-lhe as minhas desculpas, mas não é o Vasconcelos Porto, será outro qualquer, ele é oficial de Cavalaria e não percebo como comandava um Batalhão de Caçadores!!!

Fiquem bem

Um abraço

Fernando Ferrão

Anónimo disse...

O verdasca,alem de comuna,e mentiroso,enfim uma besta quadrada.O cor Porto nunca comandou batalhoes de infantaria.Documente-se antes de insultar quem tem idade para ser seu pai.A sua tanga e tanga de cobarde.

Carlos Vardasca disse...

Caro amigo Fernando Ferrão

Desculpe-me esta forma tardia em comentar a sua opinião, mas como surgiu um outro comentário mais recente (Anónimo) sobre esta questão, queria esclarecer-lhe do seguinte:
1. Eu nunca coloquei em causa o prestígio nem a capacidade de chefia de Vasconcelos Porto.
2. Se verificar nos meus comentários anteriores, eu nunca disse que Vasconcelos Porto em Nangade comandava um Batalhão de Caçadores, mas sim o Batalhão de Artilharia 2918. A minha Companhia, a Companhia de Caçadores 3309 é que pertencia ao Batalhão de Caçadores 3834 e estava nessa altura adida em Nangade ao BART 2918.
3. Sobre o episódio das Berliets ele é verídico e quem esteve em Nangade nessa altura e for imparcial, o pode confirmar.
4. Sobre esta questão, alguém que leu esse meu comentário (não me recordo quem) aproveitou estar com Vasconcelos Porto num almoço de confraternização (penso que ele já faleceu)e colocou-lhe essa mesma questão ao que ele respondeu que não se lembrava desse episódio, mas que achou provável ter acontecido, debaixo de uma forte tensão psicológica que os momentos dramáticos vividos na guerra causam.
5. Quem é que de todos nós, na guerra, não proferiu frases ou cometeu determinados actos que hoje não estejamos verdadeiramente arrependidos de os ter tomado?
6. Sobre aquele mais recente comentário anónimo (que terei a oportunidade de responder) acho-o profundamente cobarde, e nem compreendo como é que em pleno século XXI hajam pessoas que se escondam por detrás do anonimato para, em vez de esclarecer e debater as questões o façam de forma ofensiva, o que revela da parte dessa pessoa uma ignorância atroz e um baixo nível cultural.
Quanto ao meu amigo Ferraz
Um abraço.

Carlos Vardasca disse...

Caros amigos

Nunca foi meu hábito responder a comentários anónimos, não só por uma questão de educação mas também por princípio e por respeito por quem os faz. Mas desta vez vou abrir uma excepção, pois o seu autor nem sequer solicitou esclarecimentos sobre qualquer dúvida, mas simplesmente foi ofensivo e cobarde. Pois é, é isso mesmo, cobarde. Cobardes são todos aqueles que se escondem por detrás do anonimato para ofender. Mas mesmo assim e apesar de considerar a pessoa em questão (pelas ofensas que fez) um ignorante e de baixo nível cultural, passo a esclarecer o seguinte:
1.Não sou nem nunca fui "comuna" (para utilizar o seu adjectivo) mas se o fosse teria muito gosto, como teria muito gosto se fosse outra coisa qualquer.
2. Se verificar nos meus comentários anteriores, eu nunca disse que Vasconcelos Porto comandou um Batalhão de Infantaria, mas sim o Batalhão de Artilharia 2918. A minha Companhia, a Companhia de Caçadores 3309 é que pertencia ao Batalhão de Caçadores 3834 e estava nessa altura adida em Nangade ao BART 2918.
3.Tendo em conta o ponto anterior, o que se verifica é que este anónimo é que precisa de se documentar antes de dizer essas alarvidades e, por outro lado, em nenhuma situação me viu ofender Vasconcelos Porto, mas simplesmente comentar episódios por mim vividos e por quem esteve em Nangade (1971-1973), que poderão comprovar da sua veracidade e que o próprio, depois de confrontado com essa questão, não desmentiu, argumentando que não se lembrava, admitindo no entanto que tivesse acontecido no calor dos momentos dramáticos que se viviam naquele tempo de guerra.
Para terminar, e porque penso que quem se esconde por detrás do anonimato não merece tanta atenção da minha parte, no entanto, e por uma questão de educação mas também para desmontar a mentira, a má educação, a ignorância e o baixo nível cultural deste anónimo, considero por bem empregue este tempo para que gente desta com tão baixa formação não fique impune.

Um abraço a todos ex-militares que foram obrigados pelo regime a participar num conflito de má memória, conflito colonial que aniquilou o futuro de grande parte da juventude que dele não regressou.

Carlos Vardasca
17 de Abril de 2016