O IAO[1] tinha iniciado no dia 21 de Novembro de 1970 indo decorrer até 12 de Dezembro do mesmo ano, e a Companhia de Caçadores 3309 de que eu fazia parte, já estava acampada na Serra da Olga nas proximidades de Chaves à cerca de cinco dias, debaixo de temperaturas negativas sem que o peso da geada fizesse ceder as frágeis tendas de lona que albergavam três soldados cada.
A intensidade do frio era de tal ordem que as sete mantas distribuídas não agasalhavam aqueles corpos franzinos, que se socorriam de pequenas fogueiras para dar mais algum aconchego ao seu corpo, que iluminavam toda a encosta rodeada por enormes rochedos, à semelhança das pequenas lanternas que iluminam os caminhos de pastoreio.
Todas as Companhias do Batalhão de Caçadores 3834 foram distribuídas por diferentes áreas geográficas e em acampamentos distintos, a fim de fazerem a sua preparação operacional, dado que estavam todas mobilizadas para fazerem parte das forças de intervenção no norte de Moçambique, mais concretamente na província de Cabo Delgado, junto à fronteira com a Tanzânia.
No dia seguinte, 26 de Novembro de 1970 e depois de vários exercícios efectuados com armas pesadas, simulando ataques de forças inimigas, já se aproximava a hora do almoço sem que as viaturas que era hábito levarem-nos as refeições confeccionadas no quartel do BC 10[2] em Chaves, fossem observadas do alto do acampamento. Devido ao adiantado da hora e porque o almoço não havia meio de chegar, um grupo de soldados já um pouco revoltados com a situação, decidiu descer da montanha e deslocar-se a uma pequena aldeia próxima e aí adquirir alimentos. Compraram-se chouriços, pequenos pedaços de toucinho, pão, galinhas e outros géneros alimentícios que a amabilidade das populações nos fez trazer para dar mais condimento ao farnel e para serem confeccionadas no acampamento.
A causa do não aparecimento das viaturas (soube-se mais tarde, sem se comprovar a sua veracidade) deveu-se ao facto de terem sido “assaltadas” por dois pelotões da Companhia de Caçadores 3310 pertencente ao mesmo Batalhão da C.CAÇ. 3309, que estavam acampados em Bobadela, e que decidiram fazer uma emboscada às viaturas que transportavam as nossas refeições, numa medida de força que diziam fazer parte do treino operacional com vista à sua adaptação às condições de combate.
O capitão da Companhia Hélio Moreira estranhou o fraco movimento das suas tropas no acampamento e mandou tocar a reunir, verificando de facto que era evidente um grande número de ausências na formatura e nos quatro pelotões. Depois de se informar do ocorrido, o capitão, na companhia de alguns oficiais foi-se colocar mesmo junto do trilho que dava acesso à aldeia, aguardando aí a chegada dos soldados “desertores” que lhes ia ordenando, à medida que foram surgindo no final do trilho, que formassem no centro do acampamento.
Quando o Nabais viu o capitão no alto do morro disse desorientado:
— Epá Braz, estamos fodidos — fomos apanhados!
— Quem teria sido o cabrão do bufo?
Depois de a formatura estar completa com todos os soldados que tinham abandonado o acampamento, o capitão, denotando uma incontrolável irritação que lhe tingia a face de vermelho foi dizendo:
— Seus maricas! — Não podem passar um dia sem comer que tomam logo atitudes tão reprováveis que não ficam bem a qualquer soldado!
— É assim que se querem preparar para os momentos difíceis que vamos passar em Moçambique? - Depois de despejar toda a sua indignação sobre a formatura e mudando inesperadamente de expressão, conclui com um sorriso que transbordava de cinismo:
— Então querem galinhas não é?
De súbito (e enquanto lançava um sorriso meio amarelo para os oficiais que o acompanhavam), ordenou que todos subissem para cima das árvores e cacarejassem em coro como as galinhas quando estão a pôr os ovos. Muito poucos subiram e foram logo alvo da chacota de quem assistia àquela humilhação, enquanto o capitão dizia indignado:
— Braz, do que é que está à espera? — Vamos lá a subir para cima da árvore — ordenou o capitão enchendo o peito de autoridade, continuando com a sua provocação que tentava suavizar com um ligeiro sorriso:
— Não pense que é mais do que os outros só porque tem esse aspecto intelectual, meio rebelde, mas mais parecido com um menino de coro.
Já bastante indignado com aquela situação que parecia ter a solidariedade dos outros soldados que ainda não tinham subido para as árvores eu disse-lhe:
— Olhe, pois agora não subo nem canto como as galinhas, pois não vou permitir que me humilhe dessa forma — acabando por concluir:
— Prefiro levar uma carecada do que servir de chacota geral para seu gozo pessoal.
A intensidade do frio era de tal ordem que as sete mantas distribuídas não agasalhavam aqueles corpos franzinos, que se socorriam de pequenas fogueiras para dar mais algum aconchego ao seu corpo, que iluminavam toda a encosta rodeada por enormes rochedos, à semelhança das pequenas lanternas que iluminam os caminhos de pastoreio.
Todas as Companhias do Batalhão de Caçadores 3834 foram distribuídas por diferentes áreas geográficas e em acampamentos distintos, a fim de fazerem a sua preparação operacional, dado que estavam todas mobilizadas para fazerem parte das forças de intervenção no norte de Moçambique, mais concretamente na província de Cabo Delgado, junto à fronteira com a Tanzânia.
No dia seguinte, 26 de Novembro de 1970 e depois de vários exercícios efectuados com armas pesadas, simulando ataques de forças inimigas, já se aproximava a hora do almoço sem que as viaturas que era hábito levarem-nos as refeições confeccionadas no quartel do BC 10[2] em Chaves, fossem observadas do alto do acampamento. Devido ao adiantado da hora e porque o almoço não havia meio de chegar, um grupo de soldados já um pouco revoltados com a situação, decidiu descer da montanha e deslocar-se a uma pequena aldeia próxima e aí adquirir alimentos. Compraram-se chouriços, pequenos pedaços de toucinho, pão, galinhas e outros géneros alimentícios que a amabilidade das populações nos fez trazer para dar mais condimento ao farnel e para serem confeccionadas no acampamento.
A causa do não aparecimento das viaturas (soube-se mais tarde, sem se comprovar a sua veracidade) deveu-se ao facto de terem sido “assaltadas” por dois pelotões da Companhia de Caçadores 3310 pertencente ao mesmo Batalhão da C.CAÇ. 3309, que estavam acampados em Bobadela, e que decidiram fazer uma emboscada às viaturas que transportavam as nossas refeições, numa medida de força que diziam fazer parte do treino operacional com vista à sua adaptação às condições de combate.
O capitão da Companhia Hélio Moreira estranhou o fraco movimento das suas tropas no acampamento e mandou tocar a reunir, verificando de facto que era evidente um grande número de ausências na formatura e nos quatro pelotões. Depois de se informar do ocorrido, o capitão, na companhia de alguns oficiais foi-se colocar mesmo junto do trilho que dava acesso à aldeia, aguardando aí a chegada dos soldados “desertores” que lhes ia ordenando, à medida que foram surgindo no final do trilho, que formassem no centro do acampamento.
Quando o Nabais viu o capitão no alto do morro disse desorientado:
— Epá Braz, estamos fodidos — fomos apanhados!
— Quem teria sido o cabrão do bufo?
Depois de a formatura estar completa com todos os soldados que tinham abandonado o acampamento, o capitão, denotando uma incontrolável irritação que lhe tingia a face de vermelho foi dizendo:
— Seus maricas! — Não podem passar um dia sem comer que tomam logo atitudes tão reprováveis que não ficam bem a qualquer soldado!
— É assim que se querem preparar para os momentos difíceis que vamos passar em Moçambique? - Depois de despejar toda a sua indignação sobre a formatura e mudando inesperadamente de expressão, conclui com um sorriso que transbordava de cinismo:
— Então querem galinhas não é?
De súbito (e enquanto lançava um sorriso meio amarelo para os oficiais que o acompanhavam), ordenou que todos subissem para cima das árvores e cacarejassem em coro como as galinhas quando estão a pôr os ovos. Muito poucos subiram e foram logo alvo da chacota de quem assistia àquela humilhação, enquanto o capitão dizia indignado:
— Braz, do que é que está à espera? — Vamos lá a subir para cima da árvore — ordenou o capitão enchendo o peito de autoridade, continuando com a sua provocação que tentava suavizar com um ligeiro sorriso:
— Não pense que é mais do que os outros só porque tem esse aspecto intelectual, meio rebelde, mas mais parecido com um menino de coro.
Já bastante indignado com aquela situação que parecia ter a solidariedade dos outros soldados que ainda não tinham subido para as árvores eu disse-lhe:
— Olhe, pois agora não subo nem canto como as galinhas, pois não vou permitir que me humilhe dessa forma — acabando por concluir:
— Prefiro levar uma carecada do que servir de chacota geral para seu gozo pessoal.
Ao meu lado, o Nabais, o “Alentejano” [3], o “Almada” [4] e um grupo já menos numeroso de soldados, mostraram-se solidários e também disserem concordar com a minha opinião, ao que o capitão, profundamente indignado por não ver satisfeita a sua ordem, mandou chamar o barbeiro ordenando-lhe bastante irritado:
— Rape-me esses gajos todos à escovinha — eles vão se lembrar para o resto das suas vidas do frio que vão passar naqueles cornos.
— Rape-me esses gajos todos à escovinha — eles vão se lembrar para o resto das suas vidas do frio que vão passar naqueles cornos.
Carlos Vardasca
26 de Novembro de 1970
26 de Novembro de 1970
Serra da Olga. Chaves.
[1] Instrução de Adaptação Operacional.
[2] Batalhão de Caçadores 10
[3] Alcunha do 1º Cabo Atirador, António José Pereira, NM 11934670 - na foto (que veio a falecer em combate num rebentamento de uma mina anti-carro na picada Nangade-Muidine em 05 de Julho de 1972).
[4] Alcunha do 1º Cabo Atirador, Pedro Manuel Gaspar Augusto. NM 13619570 - na foto (que veio a falecer em combate num ataque da FRELIMO ao Aquartelamento de Tartibo em 01 de Outubro de 1971).
in "Onde o sol castiga mais. Crónicas de Guerra 1970-1973" páginas 3 e 4. Carlos Vardasca. 2005
2 comentários:
Caro Carlos, parabéns por este teu espaço! Aproveito para desejar um excelente 2009.
Espero poder encontrar-te no próximo convívio em Chaves (BC 3834).
Até breve.
Mehores cumprimentos,
Pinho de Sousa
(Enfermeiro 3311)
Fico francamente agradecido por gostares do blog "Do Tejo ao Rovuma".
Embora com algum atraso, digo-te que não pude ir ao Encontro do Batalhão mas pode ser que o faça numa outra oportunidade.
Um abraço
Carlos Vardasca
ex-Combatente da C.CAÇ. 3309
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