(...) O frio parecia passear-se por entre as tendas para que ninguém dissesse que ele não passou por ali. Gélido, meio seco e menos incomodativo do que o que lambe as terras junto à costa atlântica, não deixava no entanto de penetrar por entre os capotes cinzentos que pareciam ter sobrado da II Grande Guerra e toldar os movimentos daqueles jovens que, no cimo da Serra da Olga (nos arredores de Chaves) se treinavam num "cenário de cartolina" em nada comparado com o inferno para onde seriam enviados em breve.
O IAO (1) da Companhia de Caçadores 3309 que se iniciara em 21 de Novembro (assim como de todo o Batalhão de Caçadores 3834) terminava no dia 12 Dezembro de 1970, e em todos os que nele foram envolvidos já se denotava uma certa agressividade imposta pela instrução que lhes foi ministrada por uma Secção de elementos das Operações Especiais (Rangers), que foram simulando, por entre aquele arvoredo que se assemelhava às matas densas de África ou em terreno acidentado, vários ataques com granadas de morteiro que caíram muito próximo de nós e emboscadas cujas balas faziam levantar a terra à nossa frente, alguns deles (fieis defensores do regime colonial e com uma pose exacerbadamente militarista) com o objectivo de nos impressionar mas também para evidenciar e exibir o seu "pseudo espírito superior de senhores da guerra", como se tivessem a treinar algo que consideravam inferior (tropa normal ou macaca - vocabulário que exibiam até à exaustão) simples robôs, que depois de "formatados" estariam aptos para mais facilmente "obedecerem à voz do dono" num conflito que em nada nos dizia respeito, mas que de uma forma imposta serviu para interromper o futuro de milhares de jovens que se viram envolvidos durante os cerca de 14 anos no conflito Colonial, que inundou o nosso país num manto negro a par dos naufrágios que enlutavam as vilas piscatórias de norte a sul.
Irreconhecíveis, exaustos, mais parecendo "prisioneiros de guerra que abandonam um campo de concentração", lá nos concederam alguns dias de Licença das Normas de 18 a 28 de Dezembro, acrescidos de cinco dias de licença à BIFE até 03 de Janeiro de 1971, "besuntados" (os soldados, claro) com uma nota de 500 escudos que se perdia na profundidade dos nossos bolsos como se fora uma "reles gorjeta" de compensação, por a partir daquele momento já estarmos ao serviço da pátria na "defesa de um Império que se viria a desmoronar sem que nenhum de nós ali tivesse algum pedaço", mas que dele muitas vezes iríamos espreitar a morte, que na maioria dos casos caminharia ao nosso lado, percorrendo os mesmos trajectos pejados de incertezas sem que para tal tivesse sido convidada.
Após estas licenças já com sabor a despedida para uma viagem de regresso incerto, todo o pessoal do Batalhão de Caçadores 3834 apresentou-se em Viana do Castelo no Batalhão de Caçadores 9, onde continuou em instrução na 2ª parte do IAO até à véspera do embarque em 23 de Janeiro de 1971(...)
Carlos Vardasca
11 de Dezembro de 2008
Foto 1: Quartel do então Batalhão de Caçadores 10 em Chaves (actual Regimento de infantaria 19) onde a Companhia de Caçadores 3309 (integrada no Batalhão de Caçadores 3834) fez a 1ª parte do IAO antes de embarcar para Moçambique.
Foto 2: Elementos da C.CAÇ. 3309 em plena Serra da Olga (arredores de Chaves) durante a realização da 1ª parte do IAO.
(1) IAO - Instrução de Adaptação Operacional.
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