
(...) Nas férias do colégio, aquela criança habituara-se desde muito cedo a vasculhar os jornais que encontrava em cima das mesas da taberna do senhor Eduardo, quando ali se dirigia a pedido do pai para comprar meio litro de vinho para o almoço. De início, interessava-se apenas pelas tiras de banda desenhada, que o faziam folhear o jornal até à última folha sem se interessar pelas outras e, conforme foi crescendo, já se ficava pelas notícias de primeira página, tal era já o seu interesse pelas questões que preocupavam o mundo. Ainda em criança (pelos seus dez anos de idade) todos os tostões que amealhava dos recados que fazia às vizinhas lá do pátio, faziam-no correr para a papelaria na rua Direita em Santarém e aí comprar o jornal "O Século" (que custava 1 Escudo) alimentando sempre a ideia de que (quando já fosse adulto) aqueles conflitos e a miséria que grassavam pelo mundo ali retratados, há muito já estariam resolvidos.
Hoje, aquele miúdo feito homem, não só verifica que não foram resolvidos mas que se agravaram, e que pareçem não ter fim à vista. Embora por motivações diferentes, as guerras continuam a traçar novas fronteiras mas injustas; a fome, o êxodo das populações famintas fugidas dos conflitos étnicos forjados pelo ocidente, continuam a ser ignorados; as matérias primas continuam a ser saqueadas do continente africano com a conivência dos seus dirigentes ao serviço de interesses neo-coloniais, enquanto a norte do planeta se vive na opulência e se semeia (salvo raras execpções de uma imensa minoria) a indiferença façe àquela realidade. Por isso, aquele miúdo hoje feito homem, ainda não se esqueçeu de uma frase lida num desses jornais, dita por um dirigente africano numa conferência internacional, e que dizia:
"Quando os brancos chegaram a África,
nós tinhamos as terras e eles a bíblia.
Eles ensinaram-nos a rezar de olhos fechados
e, quando os abrimos, eles tinham as terras
e nós a bíblia"
Jomo Keniatta
Volvidos tantos anos e apesar de tudo, e por pensar que o egoísmo ainda é a arma de arremesso daqueles que fazem da indiferença o seu modo de vida, e que olham para o lado fingindo ignorar (do alto do seu conforto) as tragédias que pareçem não ter fim à vista, aqui fica o desejo do tal miúdo feito homem, de que (apesar de ser uma hipótese muito remota) 2008 seja um ano mais solidário (...)
Carlos Vardasca
30 de Dezembro de 2007