sexta-feira, 14 de março de 2008

"...Até parecia que mordia a madeira"


(...) Nunca cheguei a saber onde aprendera a arte da marcenaria. De início, quando chegou ao aquartelamento de Nangade, os seus olhos pareciam que brilhavam cada vez que via um pedaço de madeira que pudesse ser moldado. Quem o queria ver nas horas vagas, era sentado num pequeno banco com o pequeno madeiro entalado entre os joelhos, manuseando as ferramentas até alterar a sua fisionomia, exibindo um tique que lhe era muito característico. A sua língua saía fora dos lábios e ficava entalada entre os dentes, as suas sobrancelhas gesticulavam numa dança que evidenciava alguma fonte de inspiração e, os seus olhos, quase encostados ao punção, como que a indicar-lhe o caminho que devia percorrer no trajecto da arte de bem moldar. O que é certo, é que daqueles pedaços de madeira sem vida surgiam sempre pequenas flores desenhadas em relevo, envoltas por um emaranhado de outros ornamentos que faziam lembrar pequenas peças de arte esculpidas por um mestre entalhador. O Duarte, devido ao seu característico tique que o acompanhava sempre que tentava dar vida àqueles pequenos tarolos, ficou mais conhecido como o "Mordedor de madeira"(1), a quem todos nós lhe chamávamos de uma forma tão afectiva que lhe provocava um ligeiro sorriso pois sabia que da nossa parte longe estava a ideia da mera chacota.
Raro foi o oficial ou Furriel da C.CAÇ. 3309 que não solicitasse os serviços do "Mordedor de madeira", sendo uma das formas de durante algum tempo este ter escapado às incursões na mata, ficando no Aquartelamento embrenhado na moldagem em pequenas mobílias de alguns arabescos, que entrelaçava em cavidades que à força rasgava empunhando com arte os vários punções, que depois de muito esforço e arte davam forma em pequenos enfeites que com muita mestria esculpia na madeira (...)
Carlos Vardasca
14 de Março de 2008
Foto: Depois do rebentamento de uma mina anti-carro na viatura conduzida pelo "Mordedor de madeira", a viatura está a ser preparada para ser rebocada.
Na foto estão o "Mordedor de madeira" com um ligeiro sorriso nos lábios por ter escapado ileso daquela explosão, o João Luís dos Santos Nabais (falecido em 07 de Maio de 2007) de lenço preto ao pescoço junto ao rodado, e o Alfredo Bernardino Pereira (falecido em 1975 ) em pé e de tronco nu, todos da Companhia de Caçadores 3309.
(1) Alcunha do Soldado Condutor Auto Rodas, António Duarte da Silva Pereira.

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