segunda-feira, 17 de março de 2008

"Temos que ganhar para a bucha"


(...) A última carta que recebi dele, foi quando me mandou uma foto sua para a colocar no livro da história da C.CAÇ. 3309, para ilustrar um pequeno depoimento que se prestou elaborar sobre um dos episódios da "odisseia trágico-marítima" por que passou nas águas do rio Rovuma em 1971.
Hoje mesmo telefonei-lhe para confirmar se recebera a foto que lhe devolvi, e quem me atendeu foi a esposa que, com uma voz que denotava alguma preocupação, me anunciou que a Adega Cooperativa de Sanfins do Douro onde ambos trabalhavam encerrara por má gestão, sendo-lhes anunciado que teriam que ir para o desemprego.
O Carlão (1) e a esposa são mais dois trabalhadores rurais que, a exemplo do que se passa na generalidade do país, vão agora engrossar o grande contingente de desempregados que, depois de uma vida de trabalho, não só não viram o seu esforço compensado como são agora atirados para a "berma da estrada", e sobreviver com o magro salário do Fundo de Desemprego que decerto se "irá perder na profundidade dos seus bolsos".
Como ambos ganhavam naquela Adega Cooperativa apenas o ordenado mínimo nacional, para fazer face às necessidades da sua própria sobrevivência tinham que se socorrer de outros trabalhos suplementares "esgravatando" a terra de outros proprietários, para assim desta forma poderem "ganhar para a bucha".
Nunca se imaginou o Carlão que, depois de ter sido considerado um herói (mas logo tão depressa esquecido) por ter participado no Grupo de Combate que capturou um barco à FRELIMO, numa operação deveras arriscada no rio Rovuma em 25 de Junho de 1971 e, pelo feito ter sido condecorado com a Cruz de Guerra de 4ª Classe, se visse agora na situação ingrata de constatar que essa mesma sociedade que o medalhou o atira agora para o desemprego, numa atitude tão inglória idêntica a tantas outras que empurraram tantos milhares de desempregados para a marginalidade social, e que são o produto das políticas neoliberais que fizeram escola neste país, que se dizia (logo após a queda do Estado Novo) vir a ser mais solidário com os mais fracos mas que cada vez mais os ignora, para ser mais reconhecido e benevolente com os mais abastados (...)

Carlos Vardasca
17 de Março de 2008

Foto1: O Carlão no Aquartelamento de Nangade na companhia do Alferes Gonçalves e do Soldado Dias Meira.
Foto 2: O Carlão nos trabalhos da vindima em Sanfins do Douro.
(1) Mário Augusto da Silva Carlão, Soldado Transmissões de Infantaria da C.CAÇ. 3309

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