quinta-feira, 6 de março de 2008

"...Regressámos sim... mas alguns ficaram para traz"


(...) Nem todos dormíamos quando as luzes da cidade de Lisboa já salpicavam num emaranhado de outras tantas que nos diziam estar próximo o nosso regresso. O Boieng 707 da Força Aérea saíra da cidade da Beira no dia 05 e, depois de várias horas de voo com escala em Luanda, sobrevoava agora por cima das sete colinas durante uns largos minutos, dado não haver de momento espaço na pista de aterragem, enquanto alguém me acordava dando largas à sua alegria:
- Acorda lá Braz: ao mesmo tempo que soletrava com o seu característico e exagerado bairrismo nortenho:
- Mouro d'um cabrão, então não vês que já estás mesmo às portas das tuas muralhas".
Finalmente o avião lá pousou no Aeroporto da Portela às 01,00 horas do dia 06 de Março de 1973, e a primeira pessoa que vi por casualidade, foi a minha tia Ana, que fazia parte das funcionárias da limpeza que subiam para o avião, enquanto nós nos encaminhava-mos para o autocarro que nos levaria até à gare do aeroporto. Habituado ao calor tórrido de África, fiquei deveras impressionado quando a abracei devido os fartos agasalhos que envergava. A noite estava muito fria, e entre o esfregar intenso das mãos que se escondiam por dentro de uma luvas grossas, lá desabafou por entre os dentes bem serrados, recorrendo-se da sua religiosidade que aprendera com o pároco de S.Pedro de Agostém, por onde escorriam as águas do Tâmega:
- Olha o meu querido sobrinho! Afinal deus quis que voltasses - acabando por comentar:
- A tua mãe Gracinda está ali dentro danadinha por te abraçar.
Transportados para o RAL1, ali fizemos o espólio de todos os nosso utensílios militares, e cada um despediu-se dos seus companheiros para de seguida rumar às sua terras de onde tinham partido há cerca de 26 meses.
Durante as despedidas, vieram-me as lágrimas aos olhos quando a minha mãe me perguntou se tinham morrido alguns companheiros meus, e me apercebi mais uma vez que de facto "já não estávamos ali todos". Interiormente, e refugiando-me no meu silêncio, "fiz uma espécie de chamada às tropas e, por muito que chamasse pelos seus nomes eles nunca mais iriam responder".
Teimosamente insistia:
- Albino Dias de Sousa ...
- António José Pereira ...
- Pedro Manuel Gaspar Augusto ...
- Victor Manuel da Silva ...
Decorria o dia 06 de Março de 1973 e, enquanto tentava dormir um pouco dentro do velho Chevrolet Bel Air do meu cunhado João Almeirão (que me transportava para Alhos Vedros onde passaria a morar), fui-me dando conta que de facto, "e por não terem respondido à chamada", que eu tinha regressado "mas que alguns tinham ficado para traz".
E porque hoje passam precisamente 35 anos do regresso da Companhia de Caçadores 3309 de Moçambique, aqui fica o abraço solidário de quem sobreviveu (...)

Carlos Vardasca
06 de Março de 2008

Foto 1: Boieng da Força Aérea que nos transportou da Beira para Lisboa.
Foto 2: RAL 1, onde efectuámos o espólio militar.




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