(...) Quando se partilha de uma certa tranquilidade, é sempre o momento propício para rever alguns filmes que nos fascinaram pela sua história, pela beleza paisagística, e pelo sopro dos ventos de África que nos trazem o cheiro do capim queimado, ao som da excelente música escrita por John Barry. "África minha" é uma dessas belezas da Sétima Arte que preenche de uma certa nostalgia quem por lá andou, embora noutras circunstâncias que eram de facto bem diferentes. Quando recordo África não é pelas mesmas razões da história desse belíssimo filme, mas por outras que foram moldando o meu tempo e o modo como hoje ainda as vivo. Ao olhar África a esta distância, recordo-me do momento em que embarquei no Niassa e os meus olhos pareciam fotografar o seu pôr-do-sol; as queimadas que diziam iluminar a noite na mata densa invadida pela escuridão, assim como o choro angustiante das hienas que rondavam os aquartelamentos. Quando me recordo de África, assalta-me a memória as cumplicidades partilhadas com os meus companheiros no fundo do porão do navio que nos transportou para aquele inferno; os momentos gélidos quando a Companhia de Caçadores 3309 mergulhou no Índico para fazer a sua aproximação às praias de Palma e os momentos dramáticos vividos nas margens do rio Rovuma. África obriga-me a recordar imagens de rara beleza mas que não as podíamos beber com a contemplação que exigia o momento, pois caminhávamos exaustos pelo capim com outras preocupações que nos prendiam a respiração e nos estrangulavam a alma, não fosse o sopro de uma bala nos "rasgar aquele quadro pintado sobre a copa dos embondeiros e das acácias" e nos fazer tombar na berma da picada. Ainda hoje África me recorda o rufar dos tambores por cada companheiro tombado sem jeito nem glória, ao serviço de "uma pátria que os pariu e os enjeitou" para endeusar falsos heróis que bebiam na mesma gamela dos fazendeiros e se espojavam nos lucro dos cafezais. A África que me recordo traz-me à memória as longas noites ensurdecedoras dos batuques, iluminadas pelas fogueiras que ajudavam a clarear o Planalto dos Macondes, e que ajudavam a queimar as memórias de tantas infâncias agora distantes, enquanto o orvalho da manhã transformava em gotas o cacimbo que teimosamente escorria sobre o capim. África recorda-me o imponente pôr-do-sol que se escondia para lá das montanhas da Tanzânia, e que no seu recolhimento deixou escurecer a juventude de milhares de jovens que nele se aqueciam, para tombarem sem jeito nem prosa "ao serviço de uma pátria que não os mereceu e deles se serviu em troca de nada". Não posso recordar as fascinantes paisagens de África e do seu deslumbrante pôr-do-sol, sem me lembrar das baixas ocorridas em combate por parte do Batalhão de Caçadores 3834:
Companhia de Caçadores 3309 - 4
Companhia de Caçadores 3310 -14
Companhia de Caçadores 3311 - 1
Assim como dos seus feridos em combate, alguns deles com alguma gravidade:
Companhia de Comando e Serviços - 3
Companhia de Caçadores 3309 - 23
Companhia de Caçadores 3310 - 44
Companhia de Caçadores 3311 - 10
A África que eu recordo é tudo isto, mas também os encontros onde nos reunimos anualmente com uma imensa felicidade, onde homenageamos todos aqueles que já não estão connosco e que, "no seu sono eterno" nos fazem ainda recordar os laços de camaradagem que se fortaleciam com o clarear da savana e o troar dos canhões que jamais os farão apagar da nossa memória (...)
Carlos Vardasca
23 de Março de 2008
Foto: Pôr-do-sol em Cabo Delgado. Moçambique 1971
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