
Os pobres, "esses coitados inadaptados", que nunca tiveram outro remédio senão tentar gerir os seus magros salários "que se foram perdendo na profundidade dos seus bolsos e a prolongar a sua extrema pobreza" (embora o produto do seu trabalho fosse alimentando ao longo dos séculos outras vidas faustosas) foram no entanto construindo bastas vezes utopias de que um dia o mundo seria mais justo, que tudo finalmente iria mudar e que nada ficaria com dantes.
Aparentemente submissos, mas sempre prontos a explodir de revolta "como um vulcão que expele lava pela encosta da montanha", alimentando sempre a ideia de que dos seus protestos "algumas migalhas cairiam para debaixo da mesa do farto manjar", os pobres foram ao longo da história conquistando alguns dos direitos que aliviaram e melhoraram a sua própria condição humana e o direito à sua própria existência, direitos esses que agora vêem ser ameaçados por quem deles se serviu "para que também pudessem participar do farto manjar".
Sem perderem de vista quem os traiu e que aquelas "migalhas" eram apenas "sobras" mas que foram arrancadas com a luta de quem não tolerava a escravidão, os pobres, "esses coitados inadaptados", decerto que irão continuar a resistir neste mundo de injustiças e a combater arduamente para aliviar um pedaço da sua própria servidão, mesmo que "nunca lhes venham a distribuir os talheres apropriados para garantirem a sua própria sobrevivência", tomando sempre consciência de nada lhes será dado sem que resulte da sua própria emancipação.
Que 2009 desperte os ainda submissos e os traga para o seio desta imensa onda de protesto que grassa pelo mundo, onde a insubmissão rejeite de vez "as sobras do farto manjar" e continue a resistir contra "o actual mundo dos que podem" e o substitua por "um outro mundo dos que sabem".
"Que em 2009 os abraços não tenham apenas a duração de um dia"
São os votos de
Carlos Vardasca
31 de Dezembro de 2008
Desenho: in "Diário de Notícias" de 30 de Dezembro de 2008. Cravo&ferradura, da autoria do cartonista "Bandeira".