segunda-feira, 28 de maio de 2007

... e entre a Bélgica e Moçambique, tudo parecia tão perto...


(...) Eu de facto nunca tive dúvidas. A minha mãe Gracinda ainda alimentava algumas, e estava sempre a tentar tranquilizar-me:

- Deixa estar filho, quando chegar a tua vez de ires para a tropa já a guerra de África acabou há muito. Tinha eu na altura os meus 17 anos, no auge da minha feliz juventude, sintonizando The Beatles, The Doors e outros, e a observar, do "jardim das Janelas Verdes", junto ao Museu de Arte Antiga, debruçado sobre o Cais da Rocha de Conde d'Óbidos, os embarques das tropas para a guerra colonial e o alarido dos familiares que delas se despediam.

Com um pé em Lisboa e outro em Santarém, foi de facto um dos períodos mais felizes da minha vida. Sem qualquer tipo de preocupações que me toldassem as ideias. Ao mesmo tempo que vivia os momentos intranquilos mas fascinantes de Maio de 68 e convivia com as atrocidades da guerra do Vietname, alimentava também na altura uma pequena paixão "tremendamente silenciosa" por uma amiga minha daquele período da adolescência; - Antonieta Grego, que os meus "tiques" de envergonhado, herdados dos anos de "clausura" no colégio em Lisboa, me impediram de expressar. Ela acabou por partir para a Bélgica onde vive actualmente, e eu, ao contrário daquilo que a minha mãe previa mas que era mais que previsível, lá fui parar passados três anos ao Planalto dos Macondes, mesmo na fronteira com a Tanzãnia, onde "a guerra calava mais fundo" e diziam ser "os subúrbios do céu". Talvêz por isso nunca tive "madrinha de guerra" que me ajudasse a "tranquilizar os meus medos", que os espantava fingindo-os ignorar, refugiando-me no aconchego das minhas emoções, que sentia, apesar de tudo, distantes.

Actualmente, via mail, contacto diáriamente com essa minha grande amiga Antonieta Grego (mais conhecida nos tempos de juventude por Neta), partilhando o único e genuino sentimento que sobrou dos longos anos de ausência, e que, com os seus 51 anos feitos ontem dia 27 de Maio, mantém ainda intacta a jovialidade que a sua débil saúde não deixa ser plena (...)

Nota: Foto tirada em Santarém em 08 de Junho de 1969, no aniversário do meu grande amigo Carlos Borges.

Carlos Vardasca
28 de Maio de 2007

quinta-feira, 24 de maio de 2007

"Vai-te embora branco, esta terra não é tua..."


(...) Depois de fazer a sua aproximação a terra com as águas do Índico pelo peito, de mochila e G3 bem alto para não se molharem, a Companhia de Caçadores 3309 chegava às praias de Palma no dia 23 de Fevereiro de 1971, debaixo de um alarido que parecia totalmente festivo, provocado pelo batuque ritmado produzido pela população local que se aglomerava junto à praia. Os miúdos, subiam aos coqueiros mostrando as suas habilidades na arte de bem transpor aquele obstáculo, apanhando aquele fruto que vendiam aos soldados a troco de uma "quinhenta", enquanto alguns soldados trocavam a roupa molhada mesmo ali bem por detrás do capim.

- Salama iambo: - saúdavam alguns nativos que se aproximavam dos soldados, tocando instrumentos de fabrico artesanal, enquanto outros, confiando no desconhecimento pelas tropas do seu dialecto, iam dizendo quase que em surdina mas em tom mais agressivo:

- Ukakwenu njungu, ashi asinavasiw shilambo shako (1) o que motivou uma grande movimentação com a interrupção nos festejos e correrias desordenadas pela praia, tendo as milicias locais (familiarizadas com o dialecto), colocadas estratégicamente pela PIDE no meio dos populares, feito alguns prisioneiros. Soube-se mais tarde que eram elementos muito jovens e simpatizantes da guerrilha da FRELIMO, que fizeram questão de estar presentes e mostrar o seu descontentamento pela nossa presença nas suas terras (...)


(1) Vai-te embora branco, esta terra não é tua (dialecto Maconde)


Carlos Vardasca
23 de Fevereiro de 1971

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Para norte...sempre mais para norte!


(...) Chegado a Porto Amélia (Pemba) pelas 04,00 horas da manhã, o navio "Niassa", finalmente, despejara dos seus porões escurecidos a malta da C.CAÇ. 3309. Passados dois dias, no dia 22 de Fevereiro de 1971 e também pelas 04,00 horas da manhã, a C.CAÇ. 3309 embarcou na Corveta NRP "João Coutinho" rumo ao norte de Moçambique, mais concretamente à povoação de Palma. O mar estava revolto e os farrapos das ondas envoltas em espuma branca vinham rebentar no convés, onde os soldados iam mal acomodados, apenas tapados com umas capas de oleado que não impediam que lhes inundasse a alma, que já vinha, de resto, prenhe de protestos "como um vulcão prestes a entrar em errupção":
- Quer dizer, os oficiais e sargentos estão lá em baixo no quentinho, e nós soldados, vamos aqui no convés a levar com o vento nas trombas e apanhar com toda a porrada deste Índico meio rabujento.
- Chicos d'um cabrão... - Esta guerra é deles, mas mesmo assim somos tratados abaixo de cão...
- É como diz o outro: - "Eles comem tudo e não deixam nada" (...)

Foto: Corveta NRP "joão Coutinho" que transportou a Companhia de Caçadores 3309 de Porto Amélia para Palma.

Carlos Vardasca
22 de Fevereiro de 1971


segunda-feira, 14 de maio de 2007

Viagem de ida, sem volta...


Navios que partem indiferentes
sequiosos por sulcar o mar.
Nos porões homens exaustos,
angustiados, expulsos do lar.

Lenços levantados da dor
de uma separação inesperada,
Cais da Rocha, lágrimas sem rosto
por uma partida forçada.

África no horizonte,
ecoam estrondos de revolta,
corpos silenciados, vencidos,
numa viagem de ida, sem volta...



Carlos Vardasca
11 de Setembro de 1968

Na foto: Embarque da Companhia de Caçadores 3309 em 24 de Janeiro de 1971.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

10 de Maio de 1971


(...) Desde o dia 09 de Maio de 1971 que se iniciara a Operação "Baldeação", que consistia numa coluna de transporte, com vista a concretizar o 2º escalão de rendição em Nova Torres da Companhia de Artilharia 2745 pelos 3º e 4º Pelotões da Companhia de Caçadores 3309 que estavam em Nangade, e agora se juntavam ao resto da Companhia em Nova Torres. Nesta operação, aproveitou-se esta coluna para fazer o reabastecimento daquele aquartelamento. No dia 10 de Maio de 1971, ao proceder-se à descarga dos mantimentos das viaturas junto ao rio Metumbué, um elemento da C.CAÇ. 3309 accionou uma mina anti-pessoal a cerca de 10 metros da picada, ficando gravemente ferido, tendo-lhe sido amputada uma perna.

O companheiro em causa era o Soldado Atirador, NM 71269470 Elias Riça, que pertencia ao Grupo de Integração nº 55 oriundo daquela ex-colónia, e que fora incorporado na C.CAÇ. 3309 na sua missão no norte de Moçambique.

Ao recordar este facto passados que são 36 anos do ocorrido, presto aqui uma justa homenagem a todos os companheiros africanos que integraram o exército colonial, e que regressaram às suas terras estropiados pelos horrores da guerra, e aos que "não mais voltaram a ouvir os batuques nas suas aldeias, nem sentir o cacimbo das manhãs, envoltos nos seios quentes das suas mulheres" (...)

Para todos eles, um abraço solidário de quem sobreviveu.

Carlos Vardasca
10 de Maio de 2007
Na foto: Transbordo das mercadorias no rio Metumbué, onde se deu o acidente.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Morreu o "guerrilheiro da Malcata"


(...) Era assim que ele se classificava. Habituado desde muito jovem a fugir à GNR, por montes e vales da serra da Malcata, no tráfico de café pelas fronteiras de Espanha que dizia ser o seu sustento. Sempre rebelde e "danado" por o terem arrancado daquelas cercanias e o enviarem para a guerra: - outras cercanias bem distantes mas onde outro perigo o espreitava por detrás de cada morro, refugiava-se nas "Laurentinas" que "emborcava" sem destino até que a conspiração servisse de mote a outros protestos em jeito de prosa.

A meio da noite, quando a coluna de reabastecimento ficou no aquartelamento de Pundanhar para no outro dia prosseguir para o aquartelamento de Nangade, acordei devido ao desconforto do local onde dormia e à chuva torrencial que se abatia sobre aquele posto avançado no norte de Moçambique. Dormia-mos no chão, debaixo do alpendre coberto de colmo das palhotas das populações locais que serpenteavam por entre as instalações militares.

Uma pequena luz que parecia emitir sinais de fumo e que brilhava na escuridão, fez com que me aproximasse à procura de alguém com quem conversar. Era o Nabais, que àquela hora ainda se fazia acompanhar pela latinha da "Laurentina" que dizia ser o "whisky dos guerrilheiros", e que navegava num monólogo envolto em "rabujice", produzindo um vocabulário meio desarticulado (ora contra a FRELIMO, contra os "Chicos", ora contra o pároco da aldeia que dizia "papar" as miúdas lá do lugarejo) , onde apenas se davam a entender meias frases:

- Cabrões, não me apanharam na Malcata e agora querem-me "limpar o sebo" aqui nos "subúrbios do céu". O seu destino começara ali mesmo a ser traçado. Após o regresso da guerra emigrou para o Canadá, onde se "aliviou" das dificuldades que lhe fizeram calcorrear por entre falésias e "trocar as voltas" aos algoses do regime (...)

João Luis dos Santos Nabais, ex-Soldado Condutor Auto Rodas da Companhia de Caçadores 3309, faleceu hoje, dia 07 de Maio de 2007 vítima de doença prolongada.

Ao "guerrilheiro da Malcata" aqui fica um abraço solidário do amigo


Carlos Vardasca

07 de Maio de 2007

domingo, 6 de maio de 2007

...e o meu filho não me escreve porquê?


(...) as cartas que lhe enviava com alguma assiduidade, deixaram de lhe ser entregues pelo Sr. carteiro durante pelo menos cerca de um mês. Eu adivinhava a preocupação da minha mãe (sempre em constante frenesim) mas estava impossibilitado de lhe escrever. Podia ter pedido a alguém no hospital que escrevesse por mim, mas o mais certo seria que, a diferença na caligrafia (mesmo que acompanhada das devidas explicações) ainda levantaria maiores preocupações. No dia 03 de Janeiro de 1972, a coluna de reabastecimento onde seguia, foi alvo de uma violenta emboscada pelos guerrilheiros da FRELIMO entre Palma e Pundanhar, tendo as nossas tropas sofrido algumas baixas. Eu tinha sido atingido com um tiro numa mão, e fora evacuado na picada de helicóptero para o Hospital de Mueda, onde permaneci durante um mês.

Nunca contei à minha mãe o porquê (justifiquei-me sempre com a distância e o atraso no correio), e até talvez nem adiantasse contar-lhe naquela altura porque ela também nunca viria a saber, dado que a PIDE "vasculhava" toda a correspondência, com o objectivo de encontrar nas "entrelinhas dos desabafos" algum lamento, que classificaria logo como um protesto ou uma mera "conspiração". Nem mesmo depois de ter regressado de Moçambique, a Gracinda ficou a saber os motivos da ausência de correspondência (...)

Como hoje é dia da mãe, aqui fica a minha confissão...esteja ela onde estiver...


Carlos Vardasca

06 de Maio de 2007

sábado, 5 de maio de 2007

"A minha miúda era a Laurentina"

(...) Foi de facto uma "miúda" que nunca me abandonou. Na altura, escrevia-me com a Hermelinda que tinha conhecido na recruta em Lagos no verão de 1970, e entre nós já havia um "trocadilho" que roçava a intimidade apesar da distância. Mas como "os amores de verão vão-se como a areia", senti-me de facto "apaixonado" pela "Laurentina" devido à constante proximiddade. Era de facto uma relação muito próxima, ao ponto de colaborarmos mutuamente na satisfação das nossas necessidades. Quando eu me sentia mais quente ela refrescava-me, e quando ela estava aquecida era eu que a dotava de toda a frescura para que ambos nos sentissemos saciados. A "Laurentina" nunca me abandonou, e nos momentos de maior tristeza era ela que me transportava para outras loucuras que me faziam esquecer o inferno onde me encontrava. Por vezes, numa atitude de "infidelidade" trocava-a pela "2M", que pela sua frecura também me saciava na ausência da "Laurentina" que por vezes escasseava na cantina.
Sob o seu efeito, cantei muitas vezes em grupo "lá longe onde o sol castiga mais", e ainda hoje me recordo de como era gratificante esconder os meus medos no seu "colo" (...)

Carlos Vardasca
05 de Maio de 2007

sexta-feira, 4 de maio de 2007

"A curiosidade matou o gato"


Peguei nesta frase apenas por a consierar muito sugestiva para classificar alguém como eu. Estou de facto a tentar escrever um livro foto biográfico, que relata a história da Companhia de Caçadores 3309 durante a sua missão em Cabo Delgado, na fronteira com a Tanzânia. O seu título é "Do Tejo ao Rovuma. Uma breve pausa num tempo das nossas vidas". Já tem cerca de 250 páginas, e penso editá-lo em Março de 2008, pois é quando a C.CAÇ. 3309 faz precisamente 35 anos do seu regresso de Moçambique. Para a elaboração do mesmo, tenho-me deslocado com alguma regularidade ao Arquivo Histórico Militar em Lisboa, onde já adquiri bastante documentação que servirá de suporte aos temas que serão desenvolvidos no livro, e tenho contado também com a excelente colaboração de muitos companheiros meus que pertenceram à C.CAÇ. 3309 com o envio de imensas fotos, que foram introduzidas no livro após alguma selecção que tinha que ser necessária, dada a sua diversidade, privilegiando as fotos em grupo ou as que encerram em si alguma história que tenha significado ser contada com a sua ilustração.

Portanto amigos, e principalmente para o amigo Vitor Baião (ex-Oficial Miliciano da C.CAÇ. de Moçimboa da Praia de 1967/68) que mostrou interesse em saber algo sobre o livro, aqui fica um pequeno "cheirinho" da situação em que se encontra a obra, e para aguçar ainda mais o apetite de quantos estão interessados na edição da mesma, aqui vos deixo a capa para já terem uma ideia do mesmo...
Carlos Vardasca
04 de Maio de 2007

Foi uma "carecada geral"


(...) Antes de ser mobilizada para Moçambique, a C.CAÇ. 3309 esteve acampada na Serra da Olga nos arredores de Chaves.

Naquele dia, a refeição que vinha do quartel (BC10) estava demorada, e os militares estavam "esfomeados", dado ter sido um dia intenso de preparação de combate com simulações de ataques com bala real.

Como a refeição não havia meio de chegar, um grupo de soldados (onde eu me incluia) decidiu descer a montanha e encontrar algo de comer na aldeia que ficava na encosta daquele morro.

As populações foram muito amáveis, pois, para além das coisas que comprámos ainda nos ofereceram algumas chouriças, pão e uns "golos" de bagaço que parecia ter-nos aquecido a alma.

Aquele acto foi considerado pelo nosso Capitão como uma "deserção das fileiras" e à medida que iamos subindo a montanha na direcção do acampamento (alguns com galinhas e outros víveres) o Capitão, no alto do trilho por onde iamos chegando, ordenava que todos subissem para cima das árvores e cacarejassem, "em homenagem às pequenas aves que transportavamos com tanto carinho" e como castigo pelo abandono do aquartelamento.

Alguns subiram de imediato para cima das árvores sem contestar a decisão, outros, porque acharam aquela estranha ordem uma humilhação, recusaram-se, preferindo ser castigados de outra forma. Assim, foi ordenada a todos quantos se tinham recusado subir para cima das árvores e servirem de chacota aos restantes militares, que apanhasem todos uma "valente carecada".

Escusado será dizer que, em pleno inverno e com o frio que se fazia sentir, todos nós nos sentimos "despidos", mas ao mesmo tempo conscientes que tinhamos resistido a uma humilhação que alguém que "não conheciamos de lado nenhum" nos queria impor. Foi de facto uma "carecada geral", mas uma "carecada voluntária e de protesto" (...)


Carlos Vardasca

04 de Maio de 2007

quinta-feira, 3 de maio de 2007

A liberdade de imprensa não passou por ali!


Já que hoje se comemora o dia Mundial da Liberdade de imprensa, "veio-me à memória uma frase batida": - A liberdade de imprensa não passou por ali!

(...) Em Nangade, bem no centro do Planalto dos Macondes, aguardava-se a visita do então Governador Geral de Moçambique, Eng. Pimentel dos Santos e do General Kaúza de Arriaga (figura parda do regime e comandante das tropas naquela ex-província). Uma semana antes da sua chegada, tal era a azáfama das tropas ali estacionadas em patrulhar a mata circundante, que mais parecia estarmos na presença de uma operação de igual envergadura da "Nó Górdio".

Lembro-me que, antes do "Dakota" onde o governador e o general seguiam começar a sobrevoar o aquartelamento, passaram em voo rasante dois "Fiats" e um bombardeiro T6 em voo intimidatório, não fosse a FRELIMO fazer das suas.

A visita correra com toda a normalidade, só que as notícias da época, com o intuito de criar na opinião pública a ideia de que não havia guerra, diziam que:

Aquelas personalidades se tinham deslocado de Palma a Nangade em viatura ligeira e sem escolta (eram cerca de 100 km de picada intransitável, de difícil acesso mesmo para as Berliets militares e com constantes intervenções da FRELIMO) e que naquele aquartelamento tinham inaugurado uma piscina para o soldados tomarem banho, quando a dita piscina não era mais do que um tanque de tratamento de águas (que eram bombeadas do rio Litinguinha situado no vale) e que abasteciam tanto o aquartelamento assim como as populações locais.

A minha mãe enviara-me um jornal de Santarém (penso que era o "Diário de Notícias") onde se propagandeava aquele evento, e eu ainda colei a sua capa numa das paredes da caserna para que todos testemunhassem aquelas mentiras do regime. Fui aconselhado por alguém que, em tom ameaçador me exigiu que retirasse o que acabara de pendurar, não fosse eu ter "algum amargo de boca e ser levado no primeiro helicóptero para parte incerta" (...)

Na foto: Momento da chegada das personagens do regime colonial a Nangade em 17 de Julho de 1972
Carlos Vardasca
03 de Maio de 2007

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Porra! fomos mobilizados ...


(...) Estávamos acampados na Serra da Olga em Chaves a tirar o IAO, quando nos deram a notícia de que a Companhia de Caçadores 3309 tinha sido mobilizada para o norte de Moçambique, para a Provìncia de Cabo Delgado junto à fronteira com a Tanzânia.
Perante aquela notícia houve alguém que comentou:
- Cabrões! não tinham mais ninguém para enviar para lá senão nós - e para que querem lá tanta gente?
Na tenda ao lado, onde "gemia" uma guitarra que depressa se calou, deu-se lugar ao burburinho prenhe de inquietações que alguns fingiam não estar a acontecer.
Um silêncio tremendamente ensurdecedor apoderou-se de todo o acampamento, sentindo-se "desmoronar dentro de cada um de nós alguns castelos que ainda imaginavamos poder habitar e que deles estavamos a ser expulsos" (...)

Nota: Na foto, aproveitava um dos raros momentos de tranquilidade, e tentava alinhavar umas escassas linhas que serviriam de conforto a alguém bem distante.

Carlos Vardasca
02 de Maio de 2007

Uma conversa entre nós

Para além dos diversos debates havidos sobre o tema da Guerra Colonial, seria interessante que, entre nós, ex-combatentes do Batalhão de Caçadores 3834, em particular os pertencentes à C.CAÇ. 3309 assim como à generalidade de todos quantos partiram para Moçambique "numa viagem de ida mas de regresso incerto" (independentemente da Companhia a que pertenceram) podessemos, com a distância dos anos volvidos após o nosso regresso de África, conversar um pouco sobre o que sentimos quando fomos mobilizados, a visão que tinhamos durante a nossa permanência naquele conflito de má memória, e o que pensamos hoje daquilo que foi a Guerra Colonial.
Aguardo com alguma ansiedade as vossas opiniões, que decerto irão contribuir para uma reflexão informal e mais pessoal da nossa envolvência no conflito para onde nos enviaram "sem jeito nem prosa"...


Nota: Na foto vê-se o aquartelamento de Tartibo, onde a C.CAÇ. 3309 passou um dos piores momentos da sua permanência naquele isolamento no norte de Moçambique. Ao fundo ainda se vê o rio Rovuma e as montanhas da Tanzânia




Carlos Vardasca

02 de Maio de 2007

Batalhão de Caçadores 3834


Do Batalhão de Caçadores 3834 faziam parte as seguintes Companhias e inicialmente foram estacionadas nos seguintes aquartelamentos:

1. Companhia de Comando e Serviços (CCS) Mocimboa do Rovuma

2. Companhia de Caçadores 3309. Nangade, Nova Torres e Tartibo

3. Companhia de Caçadores 3310. Omar

4. Comapanhia de Caçadores 3311. Negomano

terça-feira, 1 de maio de 2007

Patrulha no rio Metumbué


Um dos momentos de uma patrulha da C.CAÇ. 3309 no rio Metumbué. Em primeiro plano vê-se o nosso saudoso António José Pereira ("Alentejano") que no Cais de Alcântara partiu para "uma viagem de ida mas sem regresso". Faleceu no dia 05 de Julho de 1972 na picada de Nangade para Muidine, vítima do rebentamento de duas minas anti-carro. No mesmo acidente ficaram feridos com alguma gravidade 14 elementos da C.CAÇ. 3309 que foram evacuados para o Hospital de Nampula...


Carlos Vardasca
Alhos Vedros, 01 de Maio de 2007




No refúgio das árvores


(...) Na época das chuvas, era frequente as águas do rio Rovuma se juntarem com as do rio Metumbué ao transbordarem as suas margens, o que provocava enormes cheias na zona. O aquartelamento da C.CAÇ. 3309 em Nova Torres ficava no meio daqueles dois rios e, por esse facto, era constantemente alagado, causando enormes dificuldades de mobilidade e de sobrevivência. Antes de anoitecer a malta atava os cobertores e as capas de oleado aos troncos das árvores e ali se refugiava. No dia seguinte, e em todos os outros enquanto durou as cheias, os helicópteros ou as DOs lançavam os sacos do correio e do pão e de outros víveres em voo rasante, indo aqueles haveres cair regra geral no lodo ou na zona alagada...
Por esse facto, a C.CAÇ. 3309 teve que abandonar aquela posição e mudar de local, e construir novo aquartelamento, que foi construído numa zona mais elevada e a cerca de cinco quilómetros de Nova Torres a que se deu o nome de Tartibo (...)


Nota: Na foto está o enfermeiro Azevedo da C.CAÇ. 3309.(Nova Torrres, 1971)

Carlos Vardasca
03 de Maio de 2007

Desembarque em Palma


(...) A Corveta NRP "João Coutinho" que transportava a C.CAÇ. 3309 para o norte de Moçambique, fundeou ao largo de Palma pelas 11.30 horas do dia 23 de Fevereiro de 1971. A C.CAÇ. 3309 foi colocada em lanchas de desembarque que, devido aos bancos de areia, não poderam chegar mesmo junto da praia, ficando ainda a alguma distância do local de desembarque. Com a água pelo peito, a maioria dos soldados fez a sua aproximação à praia com os braços bem levantados para proteger a G3 e as mochilas, enquanto que outros, numa atitude meramente colonialista (talvez inconsciente) eram transportados aos ombros de nativos que se prestaram a fazer aquele serviço a troco de umas "quinhentas".
Enquanto os coqueiros se inclinavam da praia para as águas do Índico "como que a saudarem a nossa chegada", os que eram transportados aos ombros dos nativos diziam para os que "mergulharam" as entranhas nas águas gélidas do Índico:
- Aqueles revolucionários de merda pensam que estão no desembarque da Normandia (...)

Carlos Vardasca
01 de Maio de 2007