quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

"Foi há 38 anos, num natal tão distante"

Postal de Natal enviado do Aquartelamento de Nangade para os meus pais. Natal de 1971
Aquartelamento de Nangade (Cabo Delgado) 24 de Dezembro de 1971
Na foto: Alguns dos elementos da C.CAÇ. 3309 destacados em Nangade (da esquerda para a direita) Soldado Mecânico Lobo, 1ºs Cabos Mecânicos Silva e Rita, um Furriel da CCS do Batalhão de Artilharia 2918, 1º Cabo Condutor Nascimento, Soldado Cozinheiro Agostinho, Soldados Condutores Braz (eu) Saavedra, Almeida e Pereira. Aquartelamento de Tartibo (Cabo Delgado) 24 de Dezembro de 1971
Na foto: Alguns dos elementos da C.CAÇ. 3309 destacados em Tartibo (Da esquerda para a direita) Soldados de Transmissões Serrano e Carlão, Furriel Miliciano Gabriel, Alferes Miliciano Martins, Furriel Miliciano Barbudo e Soldado Atirador Moreira.
Aquartelamento de Balama. 24 de Dezembro de 1972 (Festa de natal) Já numa zona operacional mais tranquila e a três meses de regressarmos à "Metrópole".
Na foto: (Da esquerda para a direita) Furriel Miliciano Arlindo, 1º Cabo Atirador Pinto, Soldado Condutor "Foz" (Até hoje desconhece-se o seu paradeiro) e Soldado Condutor Pereira (já falecido)
(...) Ainda o helicóptero vinha no ar e já um dos pilotos, que era a primeira vez que ali se deslocava, dizia, estupefacto, olhando para aquele minúsculo aquartelamento circundado por montes de areia em todo o redor do seu perímetro defensivo:
- Porra! - Estes tipos até parece que os enviaram para ali de propósito para morrer.
Decorria o ano de 1971 e uma reportagem da RTP deslocava-se ao Aquartelamento de Tartibo para fazer a gravação das mensagens de natal aos militares ali estacionados.
Era de facto um minúsculo aquartelamento onde a Companhia de Caçadores 3309 se instalou em 30 de Setembro de 1971, depois de dias antes, no dia 03 do mesmo mês ter conquistado aquele espaço à FRELIMO, onde esta organização guerrilheira detinha uma pequena base camuflada por entre o arvoredo.
Enquanto os outros dois pelotões procediam a operações de reconhecimento nas imediações, os restantes soldados que se encontravam dentro do perímetro do aquartelamento já se alinhavam em fila indiana, ensaiando o seu discurso que, mesmo sendo curto, iria ser visto nos écrans de televisão espalhados por cidades, vilas e aldeias de um país que "teimava em manter um império" e que se via a braços com um conflito colonial que já durava à cerca de 13 anos e que parecia não ter fim à vista.
De barba que não via a lâmina há vários dias, com o fardamento meio rasgado, de mãos trémulas, de olhar triste e cansado mas prenhe de ansiedade e com uma vontade enorme em falarem para os seus ente queridos bem distantes, os soldados faziam um esforço soltando frases que surgiam desarticuladas, outras apagadas pelo nervosismo e por vezes incompletas, tal era a pressa dos operadores de televisão e dos próprios pilotos em se verem livres daquele local o mais rápido possível, não fossem eles também participar de um combate que a todo o momento poderia surgir do interior da mata circundante.
As breves e sentidas palavras das Mensagens de Natal dirigiam-se essencialmente aos pais, noivas e restantes familiares, terminando num mecanizado "adeus até ao meu regresso" mas já com o microfone nas mãos do soldado seguinte.
No final, e perante a ausência do Comandante da Companhia, o Capitão Miliciano Hélio Moreira, foi o Alferes Miliciano Barros que fez as "honras da casa" ao lembrar os soldados que não puderam estar presentes na gravação, enviando em seu nome "as boas festas e um próspero ano novo".
Com a partida do helicóptero que escureceu todo o aquartelamento com uma nuvem de poeira, quem ali tentava sobreviver voltou de novo ao isolamento que lhes fora imposto, enquanto aquelas câmaras levavam dentro de si alguns sorrisos contidos pelo medo, mas que iriam proporcionar momentos de felicidade a quem, numa aldeia distante e debruçado no alguidar das filhoses ansiava por notícias de quem fora enviado para aquelas terras distantes, "onde a guerra calava mais fundo e tornava o seu regresso cada vez mais incerto (...)
Carlos Vardasca
23 de Dezembro de 2009

"Outros combates que a todos nós compete travar"

In: Jornal "PÚBLICO" de 22 de Dezembro de 2009

Mais uma vez os países ricos impuseram a sua vontade. Até quando?

domingo, 20 de dezembro de 2009

"Uma linda missão em tempo de guerra" (Parte 2)

Não sei porquê, e talvez pela curiosidade e o interesse que despertou o texto editado anteriormente, lembrei-me de novo do Morais, recordando outro episódio que fez parte da nossa convivência enquanto estivemos juntos em Nangade, episódio aliás já divulgado neste blog em 05 de Janeiro de 2008, sob o título “Vale sempre a pena começar de novo” e que volto a publicar, para que se compreenda o porquê da evolução da vida de Morais após ter terminado a sua Comissão em Moçambique.

“Vale sempre a pena começar de novo”

(…) Acabado de chegar a Nangade, em rendição individual em substituição de um soldado da CCS do Batalhão ali estacionado e falecido em combate, meio perdido e sem conhecer ninguém, Morais refugiava-se todas as noites no abrigo feito "tasca" e ali tentava estabelecer novas amizades.
De aspecto meio rude e um pouco envergonhado, por vezes levava a "Laurentina" (1) para fora do abrigo e ali se saciava, sem contudo conseguir estabelecer qualquer conversação. Um dia, e porque estranhei aquele comportamento, afastei-me dos meus camaradas da Companhia e fui ter com ele fora do abrigo, forçando um diálogo que ainda hoje não me arrependo de o ter iniciado.
Morais já me dissera anteriormente que não sabia ler nem escrever, contando-me a sua angústia por o terem enviado para tão longe, e logo na altura que deixara na terra a sua mulher grávida de seis meses. A partir dos vários momentos que nos fomos encontrando fomos ficando amigos e, percebendo o porquê de tanto sofrimento, ofereci-me para lhe escrever as suas cartas e ler as que viessem da "Metrópole".
Foi de facto uma experiência muito gratificante que passei na guerra colonial, principalmente quando lhe li (entre tantas outras de igual significado) uma carta que lhe anunciava o nascimento do seu filho e observei a felicidade espelhada no seu rosto. Cada vez que chegava o helicóptero com o correio, ele corria à minha procura para lhe ler aquelas minúsculas letritas (como era hábito dizer) e, quando sabia que eu estava no mato envolvido em colunas de reabastecimento, ele guardava as cartas (preferindo não as dar a ler a mais ninguém) até que eu regressasse ao aquartelamento.
Por várias vezes aconteceu, tendo ele recebido correspondência da sua Albertina e ter que ir no mesmo dia para o mato integrado no seu Grupo de Combate, eu apenas tinha tempo de lhe ler as cartas, ao que ele me dizia, depois de me ter dado algumas sugestões para a resposta:
- Olha Braz, tu lês a carta e respondes mediante aquilo que eu te disse, mas quanto às mariquiçes (como costumava dizer em relação aos aspectos mais afectivos) fica ao sabor da tua imaginação. Quando regressava do mato e eu lhe lia aquilo que escrevera para ser enviado no helicóptero da tarde, ele dizia fascinado:
- Epá Braz, isto está mesmo bonito: - até parece que ela é que é a tua mulher.
Um dia lembrei-me de lhe dizer porque é que não ia aprender a ler e a escrever, pois um alferes do Batalhão tinha transformado uma pequena palhota em escola, e ali dava aulas aos miúdos da população nativa. Muito envergonhado disse-me:
- Eu! para o meio dos pretos aprender a ler? - Que vergonha.
Morais tinha como opinião de que os miúdos da escola eram inferiores a ele devido à cor da pele e, por isso (debaixo de um sentimento que exibia uma falsa superioridade) recusava-se a dar o primeiro passo, embora sentisse essa necessidade. Sem o querer ofender, decidi "ferir" o seu orgulho dizendo-lhe:
- Superior tu? - Eles é que são superiores a ti porque sabem duas línguas (a portuguesa e o seu dialecto local) e tu apenas sabes a tua e mal, e não a sabes escrever nem a ler:
Foi "remédio santo". No dia seguinte e todos os outros que ia tendo disponibilidade, lá estava ele à porta da palhota (agora escola), junto com outros soldados que também decidiram aprender as primeiras letras, exibindo os livros que nunca teve e que o trabalho árduo do campo não os deixou ler.
O Morais acabou a sua Comissão primeiro que eu e veio mais cedo para a "Metrópole" e, para meu espanto e quando a minha Companhia estava a fazer o espólio no RAL 1 em Lisboa, alguém me toca no ombro e me diz:
- Então amigo, ainda bem que também regressaste! - Era o Morais que, sabendo que a minha Companhia chegava a Lisboa naquele dia, se deslocou de Vilar dos Ossos para me cumprimentar, sem contudo não perder a oportunidade de me deixar um pouco envergonhado, virando-se para a mulher dizendo-lhe:
- Olha Albertina, era aqui o Braz que te escrevia as cartas: - acrescentando:
- Foi ele o teu "namorado" enquanto eu estive lá na guerra. Ao que Albertina respondeu de uma forma tão singela e impregnada de ruralidade:
- Obrigado senhor, por me ter ajudado a ser tão feliz durante a ausência do meu Morais.
Actualmente, e por ter continuado a estudar afincadamente desde que chegara da guerra, Morais é um médico com algum prestígio naquelas pequenas aldeias mais recônditas da Freguesia onde habita, pois ali se desloca com uma "assiduidade militante" já muito rara entre os da sua profissão, conduzindo um velho Opel por caminhos onde o desenvolvimento tarda em chegar, recebendo por vezes em troca alguns parcos haveres arrancados à terra por gente "já gasta de tanto cansaço" (...)

Carlos Vardasca
05 de Janeiro de 2008

(1) Marca de cerveja de Moçambique.
Foto: Coluna de reabastecimento na picada entre Pundanhar e Nangade, vendo-se o Morais sentado ao lado direito no pára-brisas da segunda Berliet.

sábado, 19 de dezembro de 2009

"Uma linda missão em tempo de guerra" (Parte 1)

Nunca me tinha visto naquela situação. Apesar de tudo, foi uma experiência única que ainda hoje recordo como sendo a mais linda missão em que me envolvi em tempo de guerra, e que me deu a oportunidade de partilhar e receber uma extraordinária lição de vida.
Tudo aconteceu no ano de 1971, em plena Guerra Colonial e quando a Companhia de Caçadores 3309 de que eu fazia parte foi destacada para o aquartelamento de Nova Torres
[1], tendo alguns de nós por motivos operacionais ficado estacionados em Nangade[2].
Acabado de chegar em rendição individual para substituir um seu companheiro falecido em combate, o Morais, oriundo da aldeia de Vilar dos Ossos, chegara a Nangade num dos períodos mais conturbados do conflito colonial, e quando a FRELIMO desencadeava uma das ofensivas mais intensas após a Operação “NÓ GÓRDIO” e desde o início da sua luta armada de libertação do jugo colonial.
Sem saber ler nem escrever, e depois de algumas tentativas em se socorrer de quem o fizesse para se manter em contacto com a família (mas que por esse facto fora alvo de alguma chacota), o Morais
[3] refugiava-se no fundo do abrigo que nos servia de tasca e onde afogávamos as saudades da distância, sempre meio amargurado, emborcando copos de bagaço uns atrás dos outros, iluminado por uma luz muito ténue que os geradores a muito custo lá conseguiam emprestar àquele recanto, que também nos servia de refúgio quando o aquartelamento era atacado.
Estávamos em finais de Novembro do ano de 1971 e aproximava-se o mês do natal.
Ao descer para o abrigo, logo me dirigi ao pequeno balcão e me fiz acompanhar de uma Laurentina
[4] que me ajudou muitas vezes a saciar a secura das noites tropicais e, ao aperceber-me da presença do Morais num dos seus recantos, acerquei-me dele apesar de o conhecer muito recentemente, perguntando-lhe o porquê de tanta tristeza.
Encharcado em álcool o que tornava o seu vocabulário um pouco desconjuntado, cedo me apercebi dos motivos da sua angústia e de imediato me prontifiquei a erradica-la das suas preocupações, oferecendo-me para lhe escrever e ler a sua correspondência enquanto ele estivesse naquele aquartelamento.
Na noite seguinte, voltámo-nos a encontrar no abrigo (agora já decorado por um pequeno arbusto coberto por várias latas de cerveja vazias que substituíam as bolas de natal) e mesmo ali delineei os contornos do que viria a ser (na opinião do Morais, que me confessou mais tarde), uma das mais lindas prosas de natal que a sua jovem mulher (que deixara grávida de seis meses na Metrópole) já recebera.
Numa extraordinária experiência que muito gratificante se tornou para mim do ponto de vista humano, tornei-me, durante a permanência do Morais naquele aquartelamento seu confidente, lendo e escrevendo as cartas recebidas ou enviadas de e para os seus familiares, tendo especial significado os vários aerogramas
[5] que em seu nome escrevi para a sua mulher e as imensas cartas por mim lidas que esta lhe enviava.
Elaborado o rascunho, isolei-me na caserna e aí acertei os contornos finais do que tinha sido alinhavado no abrigo, imprimindo-lhe todo o vocabulário usual entre duas pessoas que se amavam e bruscamente separadas pela distância “sem jeito nem prosa”.
Sem nutrir qualquer simpatia pelo vocabulário litúrgico da época natalícia e sem dominar toda aquela fraseologia mercantilista e sazonal, esmerei-me no entanto em aplicá-la, socorrendo-me do que me fora inculcado aos oito anos de idade pelas freiras no colégio em S. João do Estoril, onde a minha relação com deus e com tudo o que se relacionasse com o foro religioso começou desde muito cedo a ser muito conflituosa, apesar de uma parte da minha educação ter sofrido aquele tipo de influência que ainda hoje considero ter-me sido imposta.
O helicóptero só vinha buscar o correio pelas onze horas da manhã e, mesmo ali junto da secretaria do seu Batalhão e “numa espécie de cerimónia que se assemelhava à largada de um pombo de correio” e antes de fechar o aerograma, fiz questão de lhe ler o que escrevera durante a noite com base no que fora acordado no fundo do abrigo, mas, claro, com algumas alterações que ajudaram a embelezar e a enriquecer o texto do ponto de vista sentimental e até mesmo religioso, o que foi do agrado do Morais, dado que desde criança se habituara às lamurias e ladaínhas do Pároco da sua aldeia.
Á medida que eu ia soletrando as breves linhas impressas pela minha SHEAFFER
[6] e que se acotovelavam no pequeno aerograma, os olhos do Morais não se descolavam dos meus lábios, insistindo para que voltasse a ler algumas das frases que considerava serem de uma beleza extrema, mas que o trabalho árduo do campo nunca permitiu que as aprendesse a exprimir.
Reparei sempre, no final da leitura de cada aerograma que lhe escrevia, que o seu rosto transpirava de alegria, exteriorizando uma certa fascinação pelo que acabara de ouvir.
― Porra Braz! Escreves tão bem! ― Quando a minha "miúda" receber este aerograma vai ficar tão feliz com as coisas lindas que escreveste:
― Até parece que és tu o marido dela
― Acrescentando, excessivamente emocionado:
― Como é que tu, que dizes não acreditar em deus nem nestas coisas do natal, e consegues escrever coisas tão lindas que até parece que andaste no seminário?
Foi de facto uma experiência muito gratificante e muito intensa do ponto de vista emocional, dado que em certos momentos cheguei a partilhar o calor afectivo trocado entre aquele companheiro e a sua jovem esposa, ao ponto de ambos termos por várias vezes chorado quando se tratava de responder ou ler algo mais pessoal e que mexesse bem fundo nos seus afectos.
De cada vez que o Morais recebia correspondência, lá vinha ele ter comigo sempre com o mesmo sorriso rasgado que transbordava de felicidade, mesmo que já tivesse recebido as cartas há alguns dias, ao que eu lhe dizia:
― Olha lá Morais! ― Então porque é que nestes dias que eu estive no mato não deste a ler a tua correspondência a outro soldado? ― Ao que ele respondia denotando alguma indignação, lembrando-se da chacota de que já fora alvo:
― Eu já não confio nessa malta; ― Eu não me importo de esperar mais um dia ou outro, mas as cartas lidas e escritas por ti têm outro sentido.
Quando na semana seguinte o helicóptero voltava ao aquartelamento de Nangade e no saco do correio trazia alguma carta da sua mulher, o Morais corria apressado de caserna em caserna à minha procura, por vezes perante a risota de alguns militares que presenciavam a sua azáfama e gracejavam em tom jocoso:
― Vai! ― Corre a contar-lhe os segredos da “tua Maria” e quando deres por ela já ele te roubou a tua miúda.
Indiferente aos gracejos, sentava-se ao meu lado debaixo de um cajueiro muito próximo do Obus 14
[7], olhando em redor certificando-se se mais ninguém estava presente, rasgando ele próprio uma das extremidades do envelope enquanto exteriorizava o seu contentamento:
― Olha! ― Pelo tipo de letra parece ser da minha Albertina.
Era deveras interessante vê-lo quase que a soletrar as frases que lhe ia lendo, como se as quisesse mastigar muito lentamente para lhe tomar bem o gosto.
Por vezes (e muito em particular uma das cartas que recebera naquele mês de natal de 1971) cheguei a ler a sua correspondência repetidas vezes e durante vários dias, tal era a necessidade do Morais em recordar os momentos de felicidade que aquelas cartas transportavam dentro de si (gabando excessivamente a minha paciência), dizendo-me por vezes, bastante emocionado e com algumas lágrimas a escorrerem-lhe pela face:
― Eu sei que não acreditas na existência de deus nem passas cartucho nenhum ao natal, mas olha amigo Braz:
― Deixa-me pelo menos e só por um bocadinho, “vender o meu peixe”:
Deus te pague ― Eu e a minha Albertina
[8] nem sabemos como te agradecer por nos teres proporcionado momentos tão felizes neste natal de 1971.

Carlos Vardasca
19 de Dezembro de 2009

[1] Aquartelamento das nossas tropas situado junto ao rio Rovuma, na fronteira de Moçambique com a Tanzânia.
[2] Aquartelamento situado no Planalto dos Macondes, a cerca de vinte quilómetros do rio Rovuma.
[3] Depois de ter acabado a sua comissão em Moçambique, o Morais dedicou-se aos estudos. Actualmente é um médico muito estimado pela sua simplicidade com que presta assistência nas aldeias vizinhas da sua terra, recebendo em troca, dos aldeãos mais carenciados, pequenos parcos haveres em produtos agrícolas como forma de pagamento das consultas que efectua.
[4] Marca de cerveja Moçambicana.
[5] Pequeno impresso distribuído pelo Movimento Nacional Feminino (MNF) que se enviava por correio aéreo, sem necessidade de sobrescrito ou qualquer custo para o seu envio, usado pelos militares destacados na Guiné, Angola e Moçambique durante a Guerra Colonial.
[6] Marca da minha esferográfica.
[7] Peça de artilharia pesada que fazia parte das defesas do aquartelamento.
[8] O Morais e a Albertina, depois de aquele ter concluído a sua comissão em Moçambique fortaleceram o seu casamento (que ainda hoje perdura) com o nascimento de mais dois filhos, para além daquele que nascera ainda o Morais estava a cumprir a sua comissão em Moçambique.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

"Ninguém morre besuntado de azeite"

(…) Em data que não consigo lembrar-me, num fim de tarde, chegou ao Aquartelamento de Tartibo antigo (Nova Torres) uma coluna de abastecimentos. Não me perguntem se a coluna correu bem ou mal, não faço a mínima ideia. Do que eu me lembro bem é que nesse dia não se conseguiu arrumar todo o material transportado, ficando a maior parte em pilhas junto do depósito de géneros e da secretaria. Aconteceu que nessa noite, depois de passada a “hora Maconde” resolvi procurar o escriturário para abrir a porta da secretaria para ir lá escrever umas cartas e talvez algum aerograma. Lembro-me que com o escriturário veio outro militar de que não consigo lembrar-me. Lembro-me também de que à porta da secretaria se encontrava a poucos metros um Unimog 404 parcialmente descarregado de bidões de vinho e azeite.
Estávamos na secretaria todos os três, bem calados, a escrever, eu, o escriturário e o outro militar acima referido, quando caiu bem perto dali uma morteirada. Fora da secretaria estava tudo às escuras, mas a reacção dos nossos Obuses de artilharia não se fez esperar e começaram logo a bater todos os pontos prováveis de ataque. Eu abriguei-me de imediato debaixo do Unimog 404 e suponho que o escriturário e o outro militar fizeram o mesmo.
Lembro-me como se fosse hoje, comecei a sentir que estava molhado numa das pernas. Apalpei e tive na altura a sensação de que estaria ferido porque confirmei que estava mesmo molhado, com um líquido quente e pegajoso e receei que naquele momento tinha chegado o meu fim. Presumo que desmaiei e a certa altura dei por mim quando alguém me puxava por uma perna e perguntava:
- “… meu capitão, meu capitão, está ferido?
- “Respondi que não, mas só depois de confirmar a minha integridade física dos braços e das pernas. Verifiquei no fim que não perdi sequer uma gota de sangue e que apenas me encontrava sujo de terra e azeite ou óleo alimentar ainda quente devido à exposição ao sol deste produto durante o percurso da coluna e que na altura se derramou por não se encontrar o bidão bem fechado, ou por efeito de algum estilhaço. Não indaguei por motivos óbvios por se tratar de uma história pouco edificante (...)

Hélio Augusto Moreira
ex-Capitão Miliciano NM 36048760 da Companhia de Caçadores 3309
Linhares, 06 de Janeiro de 2005

In: "Do Tejo ao Rovuma. Uma breve pausa num tempo das nossas vidas". História da C.CAÇ. 3309. Moçambique 1971-1973, página 191, Carlos Vardasca. Alhos Vedros, 21 de Setembro de 2009.

Foto 1: O Capitão Miliciano Hélio Augusto Moreira (em primeiro plano com uma garrafa de cerveja na mão) na companhia de: (da esquerda para a direita) Saavedra (Soldado Condutor), Pepino (Soldado Corneteiro), Costa (Furriel Vague Mestre), Leite (Soldado Condutor), "Françês" (Soldado Cozinheiro) e do Cardoso (1º Cabo Auxiliar de Enfermagem), num petisco onde se comemorava o 1º aniversário da C.CAÇ. 3309. 24 de Janeiro de 1972.
Foto 2: O Capitão Miliciano Hélio Augusto Moreira, na companhia do Alferes Mendes (Checa) e dos Furrieis Milicianos Felisberto João de Almeida Costa (Vague Mestre) e José Maria Ferreira da Silva (Enfermeiro), quando almoçavam no Aquartelamento de Nova Torres, 28 de Junho de 1971.
(Em destaque uma foto actual do autor do texto).

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

“Quem me dera que a tropa fosse sempre assim ...”

(...) Tínhamos atravessado o rio Metumbué, afluente do rio Rovuma, para a instalação do novo aquartelamento no Tartibo, na margem direita daquele rio, já que na esquerda vislumbrávamos a Tanzânia e o nosso inimigo. Tudo isso nos deixou de rastos, — corpos desnudos num calor infernal.
Arrastávamo-nos cambaleantes, pois não existiam pontes nem barcaças.

Não sei como nem porquê, ficámos especados naquele imenso matagal. O resto da malta já havia destroçado para o aquartelamento.
E nós, meia dúzia de gatos-pingados, ficáramos ali não sei se esquecidos ou como guardas do
material que ainda ali ficara. Com muito medo e muito capim à nossa volta, perplexos e exaustos, desconhecedores da picada, perguntámos:
— E agora?
Sair dali era perigo iminente, a emboscada espreitava a cada passo, embora fossemos portadores duma G3.
— E o material?
O calor abrasava e a sede apertava. Beber água do Metumbué era suicídio certo; esta água era imprópria para lavar roupa…
— “Eureka”! — gritou alguém que no meio daquele material vislumbrou uma pipas amontoadas por entre o material. Era vinho.
Bebemos… e tanto bebemos que nos esquecemos de deixar de beber… depois, vendo vários trilhos, orientámo-nos pelo do meio anteriormente recalcado pelos nossos camaradas.
G3 às costas ou a tiracolo. Posição de tiro “nem pó”… risos provocados pelo elixir de Baco e a descontracção natural de qualquer turista de visita a terras de África.
Chegado ao aquartelamento (cerca de seis quilómetros) dirigi-me mais ou menos sóbrio ao Capitão e perguntei-lhe o porquê de tanta demora. Tínhamos sido esquecidos …
Recebemos uma menção honrosa pelo nosso destemor. No dia seguinte foram buscar o resto do material. Entre nós (os esquecidos e ainda estupefactos pela nossa pseudo-ousadia) houve alguém que comentou:
— Quem me dera que a tropa fosse sempre assim (…)

João da Silva Arteiro
ex-Soldado Condutor Auto Rodas NM 15393470 da Companhia de Caçadores 3309
Vila do Conde, 27 de Abril de 2007


Foto: João da Silva Arteiro na secretaria da C.CAÇ. 3309 em Nangade (1971) na companhia do 1º Sargento de Infantaria NM 50037311, Joaquim Eduardo Carvalho Barreto (falecido em 1975) e do Soldado dos Serviços Gerais NM 07013070, Albino dias de Sousa (em último plano na foto) falecido em combate em 20 de Julho de 1971 em virtude de um rebentamento de uma mina anti-carro no Unimog 404 onde seguia, conduzido pelo 1º Cabo Condutor Auto NM 11694170, Victor Manuel da Silva (também da C.CAÇ. 3309) que veio a falecer, assim como os restantes oito ocupantes da viatura, na sua totalidade trabalhadores agrícolas que se deslocavam para as machambas junto ao rio Litinguinha nas "Águas" do Aquartelamento de Nangade. (Em destaque uma foto actual do autor do texto).

In: "Do Tejo ao Rovuma. Uma breve pausa num tempo das nossas vidas". História da Companhia de Caçadores 3309. Moçambique 1971-1973, página 189.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

"Outros combates a que não resistimos"

Pedido de divulgação
Caros Amigos,
É com pesar que ajudo na divulgação da notícia do falecimento do José do Nascimento Rodrigues, além de amigo do coração, trata-se dum lutador que perdeu a batalha da vida.
Principal organizador dos Convívios do Batalhão de Caçadores Pára-quedistas 32, da Viagem a Moçambique, do Movimento Cívico de Antigos Combatentes e outras actividades sociais, era um empresário amigo dos seus colaboradores.
O velório efectuar-se-à a partir das 17,00 horas de hoje, na Igreja da Charneca da Caparica (junto às bombas da GALP) e o funeral às 08,30 horas de Sexta-Feira, seguindo para Aguiar da Beira, sua terra natal.
Caros amigos e camaradas Pára-quedistas
É com pesar que vos informo que o nosso camarada e amigo José Nascimento Rodrigues faleceu hoje, depois de dolorosa e prolongada doença.
Os que o conheceram sabem que era um homem bom, lutador de causas nobres, amigo dos desfavorecidos a quem ajudava sem regatear esforços.
Era seu desejo que quando partisse, os velhos camaradas da boina verde (que ele tinha sempre na mesa de cabeceira do hospital), soubessem da sua última viagem. É isso que estou a fazer ao dar-vos conhecimento desta triste notícia. Se puderem reencaminhar e divulgar esta informação pelos Páras que o conheceram, fico-vos agradecido.

Até sempre!
António Brito

sábado, 21 de novembro de 2009

Pedido de colaboração à FRELIMO


Prezados companheiros (1)
Quem vos escreve é um ex-combatente da Guerra Colonial integrado na Companhia de Caçadores 3309, que cumpriu o serviço militar em Moçambique de 1971 a 1973, mais concretamente nos Aquartelamentos de Nangade (e todo o percurso nas picadas entre Nangade e Palma, passando pelos Aquartelamentos de Pundanhar e Nhica do Rovuma) Nova Torres, Tartibo (nas margens do rio Rovuma junto à fronteira com a Tanzânia) e mais para sul em Balama, todos eles no Distrito de Cabo Delgado. Quando vos falo em Guerra Colonial, é assim mesmo que eu a entendo, tendo em conta que mesmo na altura da minha mobilização já assim pensava, já que a minha opinião política da qual comecei a ter consciência bastante cedo e que se manteve ao longo da minha juventude até ser mobilizado para Moçambique, se mantém inalterável, e que poderá ser comprovado pelos textos que escrevo com alguma regularidade no meu blog http://dotejoaorovuma-cabel.blogspot.com
Então porque é que vos escrevo?
Em 15 de Novembro de 1972 e durante o conflito colonial que envolveu os nossos dois países, ocorreu um incidente com as nossas tropas e guardas fronteiriços da Tanzânia (ou com a FRELIMO, pois não há certezas de quem interviu directamente naquele incidente), cuja explicação a desenvolvo com mais detalhe num dos documentos em anexo, e para o qual solicito a vossa colaboração, e do qual foi morto um companheiro meu (Furriel Castro Guimarães, do Grupo GEs 212 estacionado em Nhica do Rovuma) junto à fronteira com a Tanzânia, presumindo-se que o seu corpo tivesse sido levado para a aldeia de Kytaia dado ser a aldeia mais próxima do local do incidente, sendo o mesmo largamente noticiado pela rádio tanzaniana na altura e do qual existem fotos com o seu corpo junto de oficiais tanzanianos que também vos envio em anexo.
A colaboração que pretendia da vossa parte e da qual já informei a Liga dos Combatentes aqui em Portugal, que por sua vez já entrou em contacto com o Coronel Câmara Stone, adido Militar de Portugal na embaixada de Portugal em Maputo (e dos quais ainda não obtive resposta dos desenvolvimentos desses contactos) prende-se com o facto de, e tendo em conta a influência e o prestígio que a FRELIMO goza junto das autoridades da Tanzânia, no sentido de me indicar qual a forma de eu, com a vossa prestimosa colaboração (ou por vosso intermédio) obter contactos com responsáveis do governo da Tanzânia responsáveis por este tipo de assuntos e, por sua vez, com responsáveis locais da povoação de Kytaia, para assim poder saber se alguém naquela aldeia se recorda desse incidente e desta forma saber em que local se encontra sepultado o referido militar.
Penso que, e apesar de já terem passado cerca de 37 anos do ocorrido, decerto que haverá alguém naquela aldeia tanzaniana que se recordará do incidente ocorrido em 15 de Novembro de 1972, e poderá prestar as informações tão necessárias para a resolução deste caso.
Esta informação é de total importância para os seus familiares que pretendem ver os seus restos mortais num futuro que se prevê longo mas possível, serem sepultados nas sua terra e mais próximo de si, como também pelo facto de a Liga dos Combatentes em Portugal (que mantém aliás excelentes relações com a sua congénere moçambicana, a Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional estar a encetar diligências para a recuperação dos corpos de militares portugueses mortos em combate, cujos locais já estão identificados e sepultados nos vários teatros de guerra (Guiné, Angola e Moçambique), sendo este caso mais difícil por se tratar de um militar provavelmente sepultado em território da Tanzânia e em local que de momento consideramos incerto, e a Liga dos Combatentes não poder começar as diligências para a sua procura e transladação dos seus restos mortais, sem saber ao certo se de facto o seu corpo se encontra sepultado na aldeia de Kytaia (como se prevê que esteja).
É esta a minha primeira preocupação. Saber, com a vossa colaboração e das autoridades tanzanianas e por sua vez das populações da aldeia de Kytaia (onde alguém provavelmente se lembrará do ocorrido no ano de 1972) se de facto o corpo daquele militar se encontra ali sepultado, para que a Liga dos Combatentes em Portugal possa a seu tempo iniciar as diligências para a transladação do seu corpo.
Embora considere este caso de extrema dificuldade dado envolver países diferentes e uma povoação tão longínqua (Kytaia) considero no entanto que dadas as relações privilegiadas que existem entre os governos de Moçambique e da Tanzânia, e até da própria FRELIMO junto das populações fronteiriças de ambos os países, penso que, e numa acção que considero de acrescido gesto humanitário, esta colaboração poderá ser levada a cabo e com alguma probabilidade de se concretizar com êxito, para regozijo não só dos familiares do referido militar que anseiam pelo fim do seu sofrimento, mas também de ambos os povos, que embora outrora beligerantes hoje abraçam uma mesma língua e têm relações de amizade profundas.
Aguardo com alguma ansiedade o vosso contacto.
O meu abraço

Carlos Vardasca
Sábado, 21 de Novembro de 2009
Nota: Texto do e-mail enviado ao partido FRELIMO.
Foto 1: Símbolo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO)
Foto 2: Guerrilheiros da FRELIMO minando um trilho de passagem das nossas tropas, algures em Cabo Delgado (Norte de Moçambique) durante o conflito colonial.

domingo, 15 de novembro de 2009

37 anos depois. Furriel Castro Guimarães sempre presente


Para além dos vários contactos já efectuados com o objectivo de sensibilizar as organizações contactadas para o início (no seu tempo oportuno) das pesquisas e procura do possível local onde supostamente poderá estar sepultado o corpo do Furriel Castro Guimarães (dos Grupos Especiais 212) na aldeia de Kytaia na Tanzânia, mais recentemente recebi de um ex-combatente na Guiné, o ex- Furriel Miliciano NM 10109869, José Manuel Medeiros da Silva Maia, um expressivo apoio para esta causa. Este ex-militar foi para a Guiné em rendição individual com o objectivo de substituir um Furriel Miliciano falecido em combate em GUIDAJE, acabando por ficar colocado em Bissau na Repartição de Operações do Comando Chefe do Comando Territorial Independente da Guiné nos anos de 1970-1972.

A particularidade deste apoio prende-se com o facto de que, para além de ser um ex-combatente da Guerra Colonial, José Manuel Maia foi também companheiro de Curso do Furriel Castro Guimarães na Escola Secundária de Fafe, nos 1º e 2º anos do Ciclo Preparatório do Curso de Formação de Electromecânica de 1961 a 1969, para depois ambos ingressarem no serviço militar.

Na próxima reunião da Associação dos ex-Alunos, Funcionários e Professores da Escola Secundária de Fafe a realizar muito brevemente e de que Manuel Maia faz parte, ele confirmou que, por estar solidário com os propósitos deste movimento, que irá colocar à discussão o futuro apoio daquela Associação à causa "RUMO a KYTAIA. Devolver o Furriel Castro Guimarães à Pátria" que tem como objectivo final, a transladação do corpo daquele militar falecido em combate para mais próximo dos seus familiares; reabilitar o seu nome como mais um combatente falecido em combate (dado que não se tratou de um desertor como os documentos do exército da altura o classificaram) e a colocação do seu nome no Mausoléu dos Combatentes junto à Torre de Belém em Lisboa, de onde tem sido injustamente arredado.

A quem consultar as páginas deste blog e quiser saber algo mais sobre o ocorrido (em 15 de Novembro de 1972 no norte de Moçambique, nas margens do Rio Rovuma na fronteira com a Tanzânia) com o Furriel Miliciano NM 12619071, João Manuel de Castro Guimarães, basta ir a "Etiquetas" e clicar em "Furriel Castro Guimarães. GEs 212" e aí encontrará tudo relacionado com o ocorrido com este ex-combatente falecido em combate e, se for o caso, contactar com este blog (deixando o seu contacto) e manifestar a sua solidariedade para com esta causa que pensamos ser de uma justeza inquestionável.

Carlos Vardasca

15 de Novembro de 2009

Foto 1: Projecto de Logotipo do "Movimento de Cidadãos RUMO a KYTAIA. Devolver o Furriel Castro Guimarães à Pátria"

Foto 2: Documento da Liga dos Combatentes em resposta ao meu pedido de esclarecimentos e apoio para esta causa.

Foto 3: Documento da Liga dos Combatentes dirigida ao Adido Militar na Embaixada de Portugal em Moçambique, Coronel Câmara Stone.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

No 20º Aniversário da Queda do Muro de Berlim. "Quantos Muros ainda teremos que derrubar?

“Outros muros. Novas utopias”
(Opinião)
Ao longo dos séculos, a humanidade foi conquistando direitos que até então lhes tinham sido negados, já que se partia do pressuposto de que o que estava instituído tinha que ser assim e não poderia ser alterado “porque era uma dádiva de deus”.
Assim, os privilégios foram-se eternizando e institucionalizando, a opressão e a escravatura foram ganhando um estatuto que lhes conferiu (como estado de submissão) uma forma de vida considerada normal a que os escravizados estivessem condenados a suportar por toda a sua existência.
Mas aquilo que parecia estar “oficializado” foi, ao longo dos séculos sujeito a diversos estádios de desenvolvimento, que foram permitindo, por pressão de movimentos sociais favoráveis à emancipação dos povos, a uma tomada de consciência por parte das sociedades, que conduziram à sua libertação através da interiorização de utopias tomadas até aí como impossíveis, mas que se foram materializando em movimentos libertadores mais ou menos violentos, dependendo dos níveis de opressão e de escravatura a que estavam sujeitos os povos, pois sempre foi o que de certa forma tem determinado os níveis de agressividade e de revolta a encetar contra o opressor.
Vem este artigo a propósito no sentido de refutar a questão, sobre o que vulgarmente e de uma forma arrogante é divulgado pela comunicação social controlada pelos grandes grupos económicos, que dizem, ter-se assistido com a queda do Muro de Berlim em 1989, “ao fim das utopias", e que os povos dificilmente encontrarão outras que lhes despertem tanto alento como as que foram determinantes para as suas lutas nos séculos XIX e XX, e em pleno século XXI.
Tremenda falsidade. "A história tem-nos mostrado que não tem fim", contrariando o que preconizava Francis Fukuyama na sua tese de “O fim da história”, e que novos conflitos eclodirão fruto da instabilidade social e da luta secular dos povos pela preservação da sua identidade.
Ao erguerem-se "novos Muros, novas utopias se levantarão", em resultado da luta dos povos contra a opressão e a injustiça. Contra a globalização neoliberal que lhes tenta formatar e uniformizar o pensamento, moldar as ideias e os costumes.
A recente construção do muro Sionista na Faixa de Gaza; do muro na fronteira entre os EUA e o México; os "Velhos Muros" que são o grande fosso que separa os cada vez mais ricos dos cada vez mais pobres, assim como as várias "barreiras de arame farpado" que tentam amuralhar a Europa, impedindo a entrada dos famintos de África naquela “fortaleza” onde reina a opulência e a ostentação, são meras tentativas goradas ao fracasso, pois os despojados das suas riquezas naturais; privados dos seus direitos sociais e de exercerem a soberania económica sobre os seus territórios ocupados, sabem muito bem, como e onde se dirigir, para encontrar a estabilidade e o sustento de que foram privados e que já vai escasseando para si e para os seus filhos.
Aqueles povos, decerto que ainda não se esqueceram de quem lhes "esventrou" as terras e se apoderou dos seus recursos naturais; sabem muito bem onde os encontrar e onde foram "armazenados" e não desistirão enquanto não os puderem partilhar. Sabem muito bem quem lhes ocupa o território fundamentando-se em questões meramente religiosas e políticas, e não descansarão enquanto não virem derrubados os muros que lhes esquartejam a pátria, muitos desses "Muros" construídos por países que enriqueceram à sua custa e que agora lhes recusam a partilha do seu bem-estar.
Por tudo isto, não se admirem (os que devido a um conformismo prenhe de parcialidade e intencionalmente menos atentos) que ainda existam causas e povos que se movimentam e ergam em pleno século XXI - "como novas utopias” - o apelo ao derrube dos vários “muros” que tentam perpetuar a sua pobreza; isolar e calar a sua indignação; os privam dos bens essenciais à sua sobrevivência e os impedem de exercer o direito de defender a sua pátria.

Carlos Vardasca
09 de Novembro de 2009

sábado, 7 de novembro de 2009

14 de Novembro de 2009. Evocação do fim da Guerra Colonial

(...) O final da Guerra Colonial, há 35 anos, vai ser evocado pela primeira vez em Portugal no próximo sábado, dia 14, disse ontem ao Diário de Notícias o presidente da Liga dos Combatentes.
Segundo o General Chito Rodrigues, a Liga dos Combatentes decidiu realizar essa primeira cerimónia no dia em que organiza as comemorações do 91º aniversário do Armistício - que marcou o fim da I Grande Guerra - e do 86º da própria Liga dos Combatentes.
O evento vai ter lugar junto ao Monumentos dos Combatentes do Ultramar, em Belém (Lisboa), será presidido pelo ministro da Defesa, Augusto Santos Silva, e terá como orador convidado o General Valença Pinto, chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), adiantou o general Chito Rodrigues.
A tradicional homenagem aos militares mortos em combate, que marca aquela cerimónia anual, vai ficar marcada este ano pela presença dos corpos de três soldados que morreram na Guiné.
Chito Rodrigues explicou que os restos mortais desses militares - furriel José Carlos Moreira Machado, soldado Manuel Maria Rodrigues Geraldes e primeiro cabo Gabriel Ferreira Telo - foram recuperados há meses, mas só agora foram identificados (...)

Diário de Notícias, 07 de Novembro de 2009
Em minha opinião, o dia 14 de Novembro de 2009 deveria ser uma excelente oportunidade para que todos os ex-combatentes comparecessem àquele evento, onde, para além do seu regozijo e satisfação pelo término daquele conflito de má memória, manifestassem também o seu descontentamento e a sua indignação pelo roubo de que foram vítimas no seu "Suplemento Especial de Pensão".
Sobre esta questão, e embora se assistam diariamente à realização de imensos protestos sob a forma de exposições, artigos de opinião ou outros documentos escritos enviados às diversas entidades oficiais pela forma como o governo reduziu ainda mais aquela já mísera pensão aos ex-combatentes, seria de todo legítimo que todas as Associações de ex-combatentes se unissem (para numa outra data a combinar) na mobilização de um amplo movimento nacional de protesto contra a redução daquela pensão junto à Assembleia da República, mostrando ao governo a sua indignação pela falta de respeito, desprezo e insensibilidade para com quem "sem jeito nem prosa" foi enviado para uma guerra que não sentia como sua, e que agora vê reduzido aquilo que (embora nada pague o esforço desenvolvido por todos aqueles que nas matas densas de África se bateram por causas que lhes eram estranhas) alguns consideram um reconhecimento, "mas que nenhuns dinheiros poderão pagar" a vida dos que daquela guerra trouxeram o sofrimento, ou nela tombaram na defesa de uma pátria "que lhes foi e tem sido madrasta".
Carlos Vardasca
07 de Novembro de 2009

Foto 1: Com o fim da Guerra Colonial, guerrilheiros da FRELIMO juntam-se às nossas tropas para festejar o fim do conflito. Murilima. Moçambique 1974.
Foto 2: Momentos de confraternização entre as nossas tropas e guerrilheiros da FRELIMO, algures em Cabo Delgado. Moçambique 1974

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

"Um mundo silencioso que não está a salvo. Um outro combate que a todos nós pertence"





D I V U L G A Ç Ã O

(...) A Greenpeace está a divulgar o vídeo O Fundo da Linha para alertar para a destruição causada pela pesca de profundidade em águas internacionais. Este vídeo conta com o apoio de Sigourney Weaver e insta os governos de todo o mundo a adoptar medidas concretas e urgentes para defender a vida marinha que se esconde nas profundezas dos oceanos.
Em Novembro deste ano a Assembleia Geral das Nações Unidas vai voltar a abordar este tema e vai decidir os próximos passos relativamente à implementação da resolução 61/105. Esta resolução pede a tomada de medidas imediatas que administrem os stocks de peixe de maneira sustentável e que protejam os ecossistemas marinhos vulneráveis de práticas de pesca destrutivas.
Desde o dia 16 de Outubro, que a Greenpeace está na estrada para sensibilizar consumidores para as ameaças que os ecossistemas vulneráveis em alto mar enfrentam e pressionar os retalhistas a tomar a liderança e parar de comercializar espécies de peixe de profundidade. Estas grandes empresas têm o dever de garantir aos seus consumidores a sustentabilidade de todo o peixe que vendem e de não encorajar a destruição dos últimos refúgios de vida marinha do planeta.
Entra em acção: assina a petição aos supermercados para que ponham fim à comercialização de espécies de peixe de profundidade.
Acreditamos que este vídeo é uma boa oportunidade para divulgar as ameaças que os ecossistemas das águas profundas enfrentam. Contamos com o teu apoio: divulga O Fundo da Linha e encoraja os teus contactos a assinar a petição (...)

Um abraço,
Lanka, Lara, Osvaldo e toda a Greenpeace.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A indignação também já chegou ao Porto

Se aqueles que por lá passaram não dissessem nada, toda a gente pensava que estava tudo bem. Agora ainda podemos ter uma pequena esperança. Como a nova ministra da educação é escritora, pode ser que venha a colocar nos manuais escolares informações do que foi a guerra colonial ou do ultramar, como quiserem, e até talvez, quem sabe se por vergonha ou peso na consciência, o novo ministro da defesa venha a repensar a vergonha das pensões que o estado concede aqueles que entre 61 e 75 deram o coiro ao manifesto em África (...)
(...) A guerra faz parte da história recente e não pode ser apagada. Mas a forma como os ex-combatentes, os do serviço militar obrigatório, que foram mesmo obrigados a ir para a guerra, estão a ser desprezados, ofendidos e ostracizados pelo poder central também vai fazer parte da história.
Pequena nota de
Bernardino Cassiano
ex-Alferes Miliciano
da Companhia de Caçadores 4242

Foto: Artigo do ex-combatente Hernâni Ferraz publicado no Jornal de Notícias de 24 de Outubro de 2009.

domingo, 1 de novembro de 2009

Um protesto que nos chega dos Estados Unidos da América

Ainda sobre o Suplemento Especial de Pensão atribuído aos ex-combatentes e que foi alvo recentemente de um verdadeiro roubo, a que o actual governo ainda terá que ser confrontado e prestar justificações perante um grande protesto a nível nacional que penso que todas as Associações de ex-Combatentes devem desde já começar a organizar, recebi de Moisés J. Cavadas, ex-combatente em Angola (1965-1967) e actualmente radicado nos EUA, o presente texto que passo a editar.

To: Carlos Vardasca. Do Tejo ao Rovuma (web)

Caro Amigo Carlos
De novo a roubar-lhe mais um pouco do seu precioso tempo, entretanto o seu volume de correspondência electrónica é sempre "welcome" (bem vinda)...
Amigo, no seu web verifiquei que é bem visível a reclamação dos ex-veteranos (como o meu amigo) ...inconformados com a situação do governo roubar uns milhões de "tostões" (euros) com a redução do suplemento da miserável pensão.
Há um sentimento de injustiça contra nos veteranos. Uma chuva de cartas foram recebidas no ministério da Defesa reclamando o descontentamento de todos nos veteranos.
A este propósito foi publicado num jornal Americano o seguinte, que passo um resumo:

COLONIAL WAR - PORTUGUESE GOVERNMENT TAKE AWAY COINS A EXCOMBATANTS (guerra colonial - governo português tirou tostões a ex-combatentes)
Mais adianta o jornal:
Estes antigos combatentes sentem-se injustiçados pois foram sujeitos a uma guerra que não queriam, mas obrigados a cumprir. Tendo-se sujeitado ao clima terrível, doenças, calor escaldante, penetrar nas matas, capim, debaixo dum sofrimento, sem água potável, alimentação de rações enlatadas, em busca dos Nacionalistas O que todos desejavam era não encontrar o IN evitando o combate frontal e a perda de vidas humanas ou feridos entre as duas partes...
As forças Portuguesas frente a um inimigo ultimamente com armamento sofisticado (como os misseis Stella de fabrico russo) e com vasto conhecimento do terreno.
O moral das tropas Portuguesas era bem alto de robustos combatentes (confirmado pelos partidos nacionalistas (in).
E agora o governo (está-se nas lonas) criou três escalões de serviço: 75 Euros até 11 meses: 100 Euros período de 23 meses e 150 Euros para aqueles com 24 meses ou mais..
É lamentável o corte drástico para todos os afectados, principalmente para aqueles que vivem em dificuldades económicas.
PARA TODOS OS EMIGRANTES QUE POSSAM VER ESTA MENSAGEM
Saibam que cerca de quatro mil emigrantes em alguns países como a Venezuela de Hugo Chaves, estão impedidos de beneficiar do suplemento (da contagem do tempo militar) por Portugal não ter convenções com certos países (um deles a Venezuela)
Qualquer emigrante que pretenda informação sobre se tem direito à pensão caso se encontre incapacitado por invalidez ou completar 65 anos, deve requerer informação para a seguinte direcção:
Departamento de Acordos Internacionais de Segurança Social, I.P.
Rua da Junqueira, 112- Apartado 3070
1300-344 Lisboa, Portugal.
Mais de quatrocentos mil ex-combatentes têm direito a receber o Suplemento de Pensão assim que tiverem atingido o nível de idade ou baixa por incapacidade física, e que estejam incorporados nas convenções internacionais dos países Europeus ou dos E.U.da América e Canadá.
Cem mil euros é a divida do ano 2008 que o Ministério da Defesa a Segurança Nacional tem
para com a Caixa Nacional de Pensões.
Caros amigos veteranos o que mais podemos esperar? Eles têm a faca e o queijo e cortam por onde querem, pois assim diz a canção... "Eles comem tudo e não deixam nada".

Sem mais de momento
um cordial abraço.
Moisés J. Cavadas
radicado nos E. U. A.
Veterano da Guerra Colonial em
Angola 1965-1967
Registado como reservista
do exército americano
1968-1969

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

"Nem só para lavar a roupa eles serviam"

(...) Não me recordo do dia. Sei que tínhamos chegado muito recentemente a Moçambique, mais concretamente ao Planalto dos Macondes e tendo a C.CAÇ. 3309 sido destacada para o Aquartelamento de Tartibo.
Lembro-me que nesse dia eu ia integrado num Pelotão da Companhia de Caçadores 3309 que saíra do Aquartelamento de Tartibo com destino à picada, esperar por uma coluna de reabastecimento que acabara de sair de Pundanhar, vinda de Palma com destino a Nangade. A operação era meramente rotineira, sendo idêntica às que se efectuavam diariamente.
Saímos de Tartibo, sempre pela mata com destino a um determinado quilómetro, para fazer a picagem de parte do itinerário para que a coluna de reabastecimento chegasse o melhor e o mais rápido possível a Nangade e sem incidentes ou minas.
Depois de o Pelotão ter picado vários quilómetros, de apanharmos com um sol abrasador, com a água a esgotar-se e depois de várias paragens para descansar e esquecendo o conselho dos mais velhos, exausto, procurei a sombra de uma árvore sem medir as consequências de como por vezes "eram traiçoeiras aquelas sombras".
Foi quando me aproximei de uma árvore para descansar um pouco que o meu Mainato (1) que transportava a bolsa de enfermagem exclamou muito assustado:
- "Mina óé!!!...nosso Cabo, mina óé! -Então, com toda a cautela necessária naqueles momentos, recuei muito devagarinho e colocando sempre os pés nas pegadas que tinha deixado para traz, lá me afastei do local banhado em suores que me inundavam o corpo.
De facto, era uma mina anti-pessoal armadilhada com um fornilho, e quem o confirmou foi o Furriel Diamantino da nossa Companhia e que ainda não tinha sido destacado para os GEs.
Com uma faca de mato, ele raspou nas bordas do rectângulo que mal se notava no chão e, olhando-me fixamente, exclamou bastante aliviado:
- "Pareces bruxo", - Se não fosse o Mainato lerpavas que nem um tordo.
Depois de isolada e ter sido colocado um petardo e acrescentado alguns metros de fio, a referida mina e o respectivo fornilho foram rebentados à distância fazendo uma enorme cratera no chão.
Aquele Mainato (que para além de participar connosco nas operações também lavava a roupa aos soldados no Aquartelamento) de que já não me recordo do seu nome mas que era bastante novato com cerca de 15 anos de idade, com aquele acto de que lhe estou imensamente grato, "parecia ser de Olhão e jogar no Boavista", ao descobrir dissimulado no meio do capim todo aquele engenho explosivo, tendo-me salvo daquilo que seria mais que certo; - que seria a amputação de uma ou de ambas as pernas, dos "TIN-TINS" (2) e eu sei lá de que mais...
Actualmente, e passados que são cerca de 38 anos do ocorrido, reconheço que fui bastante ingrato com aquele Mainato que me salvou, ao não saber mais nada dele.
Mas a guerra era assim; muito injusta... muito injusta...

Manuel Inácio Cardoso
ex- 1º Cabo Auxiliar de Enfermagem da Companhia de Caçadores 3309
Beiriz - Póvoa do Varzim
28 de Outubro de 2009
(1) Nativos que eram contratados para participar em operações com as nossas tropas, para o carregamento das bolsas de enfermagem e do rádio de transmissões.
(2) Testículos

Foto 1: O Cardoso em 1971 no Aquartelamento de Tartibo, assistindo ao reabastecimento por helicóptero de víveres. Em destaque a sua foto actual.
Foto 2: O Cardoso posa para a fotografia no Aquartelamento de Nova Torres, dentro de um barco de fibra capturado pela Companhia de Caçadores 3309 à FRELIMO, em 25 de Junho de 1971 numa operação no rio Rovuma.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Na sua deslocação em serviço à República de Moçambique, o meu amigo João da Rocha teve a amabilidade e a feliz lembrança de me perguntar, através de um mail que me enviou daquele país, o seguinte: - Sabendo ele dos meus gostos pela leitura, nomeadamente por livros de documentação histórica, - perguntou-me se eu pretendia alguma coisa dele já que se encontrava por aquelas terras banhadas pelo Índico.
Aproveitando aquela disponibilidade, perguntei-lhe se me poderia ver numa das livrarias de Maputo (cidade onde se encontrava a fazer um trabalho relacionado com as eleições em curso e que o levou àquele país) se conseguiria encontrar um livro que descrevesse o conflito colonial mas segundo o ponto de vista dos Moçambicanos, mais concretamente da FRELIMO, que sempre classificaram (o que alguns de nós entendíamos como sendo a Guerra do Ultramar) como Guerra de Libertação Nacional.
Antes de regressar, enviou-me novo mail confirmando que na prestigiada livraria MINERVA CENTRAL (que fizera 100 anos em 2008) encontrara o livro que eu pretendia.
Regressado a Portugal no passado dia 22 de Outubro e deixando a minha encomenda em casa da sua mãe (a minha grande amiga MATILDE que trabalhou comigo na Indesit Company) lá me desloquei a Setúbal para adquirir aquela preciosidade histórica, e acrescentá-la à minha razoável mas já vasta biblioteca pessoal.
A respectiva obra intitula-se "II Congresso da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Memórias de Raimundo Domingos Pachinuapa", ex-guerrilheiro da FRELIMO e actual Tenente General na reserva.
Ainda não li a presente obra, mas apenas por a ter folheado considero que é um excelente documento, devidamente ilustrado com fotografias tiradas nas Zonas Libertadas ou em operações de guerrilha efectuadas pela FRELIMO no Planalto dos Macondes, na Província de Cabo Delgado, onde a minha Companhia, a Companhia de Caçadores 3309 também desenvolveu a sua actividade operacional.
Por se tratar de uma obra de grande importância histórica para a compreensão do conflito colonial segundo a perspectiva de quem nós portugueses combatíamos e considerávamos inimigos, esporádicamente irei nas páginas deste blog descrever algumas passagens da mesma, acompanhando a sua descrição com algumas das fotos que a ilustram.
Ao meu amigo João da Rocha o meu obrigado por se ter disponibilizado em "vasculhar" na MINERVA CENTRAL aquele livro que é uma obra de grande importância documental, mas também o meu agradecimento por ter transformado aquela encomenda que eu estava a pensar pagar o seu custo (era essa a condição) em oferta, apesar da mesma ter custado 300,00 METICAIS e, estranha curiosidade (a que em Portugal ainda não nos habituaram) isenta de IVA.
Carlos Vardasca
26 de Outubro de 2009
Foto: Capa da obra, "II Congresso da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) Memórias de Raimundo Domingos Pachinuapa".
Nota: O II Congresso da FRELIMO foi realizado de 20 a 25 de Julho de 1968, em Matchedje, na província de Niassa. Moçambique.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O meu protesto em forma de indignação

Caros amigos
Em resposta ao comentário do meu amigo António Filipe, Ex-Enfermeiro da Companhia de Caçadores 3311 (Batalhão de Caçadores 3834) aproveito para vos dizer a todos vós que também estou profundamente indignado com a alteração efectuada pelo actual governo ao Suplemento Especial de Pensão dos ex-combatentes da Guerra Colonial.
Eu inicialmente recebia 185,70€ e este ano só recebi 150,00€. Portanto, é mais que justo considerar que foi um roubo de 35,70 € que o actual governo me fez, assim como à grande maioria dos ex-combatentes da Guerra Colonial, ao dividir os ex-combatentes em três escalões e colocar como escalão máximo os 150,00€, no que resultou numa redução substancial em todos eles.
Parece que não, mas foram uns largos milhares de Euros que o governo arrecadou nos seus cofres, dinheiro esse usurpado do esforço de guerra de milhares de ex-combatentes, em prol de uma Elite que vive sempre à “sombra do orçamento” e que sempre comeu “à volta da mesma gamela”.
Eu sei que esta verba é uma ninharia que para muitos de nós “nem aquece nem arrefece” e que seria muito mais bem empregue se fosse aplicada em favor daqueles que ainda hoje sofrem os efeitos da guerra e continuam desprezados pelas instituições, mais bem necessitados do que nós, que vivem com uma reforma de miséria, e o que viesse deste Suplemento Especial de Pensão (agora substancialmente reduzido) seria mais um aconchego para aliviar uma pequena parte das suas carências.
No entanto, e apesar de reconhecer a realidade descrita no início do parágrafo anterior, não deixo também de considerar de que se tratou de um roubo aquilo que o governo fez aos ex-combatentes da Guerra Colonial.
Eu penso que isto merecia um violento protesto por parte dos ex-combatentes, não com o objectivo de que nos seja restituída essa verba, mas que o montante total arrecadado em resultado das reduções efectuadas seja aplicado na assistência medicamentosa e apoio social aos ex-combatentes que dela necessitam, e vivam em condições degradantes em função do seu grau de deficiência motivado pela guerra.
O que acham? Que pensam sobre esta questão?
Um abraço a todos

Carlos Vardasca
Ex-combatente
Da Companhia de Caçadores 3309
(Moçambique 1971-1973)
Foto: Acidente de guerra na picada de Maniamba. Vila Cabral. Moçambique

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Quando o seu silêncio nos perturbou...

Nome do "Almada" (1) inscrito no Mural em homenagem aos combatentes falecidos na
Guerra Colonial. Belém, Lisboa.
O "Almada" aos nove anos de idade, e (de lenço negro ao pescoço) junto do Serrinha da C.CAÇ. 3309 e do "João Azeitão" da C.CAÇ. 2703 mo Aquartelamento de Pundanhar. Moçambique.

O "Almada" (o segundo a contar da esquerda) antes de ter falecido em combate, junto dos três enfermeiros que mais tarde, nos dias 1 e 2 de Outubro de 1971 lhe prestaram assistência (sem êxito) no dia do ataque da FRELIMO ao Aquartelamento de Tartibo em 01 de Outubro de 1971.

O "Almada" (o segundo a contar da esquerda, em baixo) junto
de camaradas da C.CAÇ. 3309 no Aquartelamento de Nova Torres. No dia seguinte ao ataque da FRELIMO ao Tartibo, o corpo do "Almada" chega no
helicóptero ao Hospital de Mueda. Moçambique, 02 de Outubro de 1971.

Aquartelamento de Tartibo onde a C.CAÇ. 3309 sofreu o seu mais
violento ataque ao Aquartelamento e onde veio a falecer o "Almada".

Um dos vários estilhaços de Morteiro 82mm que foram retirados do corpo do "Almada".

Primeira página do relatório do ataque da FRELIMO ao Aquartelamento de Tartibo.

Depoimento do Serrinha, ex- 1º Cabo Atirador da C.CAÇ. 3309 sobre o dia do ataque onde veio a
falecer o "Almada".
Depoimento do Cardoso, ex- 1º Cabo Enfermeiro da C.CAÇ. 3309 sobre a assistência prestada ao
"Almada" no dia do ataque a Tartibo.

Depoimento do Silva, ex- 1º Cabo Enfermeiro da C.CAÇ. 3309 sobre o ocorrido no dia do
ataque a Tartibo onde veio a falecer o "Almada".

(1) Pedro Manuel Gaspar Augusto (natural de Lisboa mas residente em Almada) 1º Cabo Atirador NM 13619570 da Companhia de Caçadores 3309, falecido em combate no dia 02 de Outubro de 1971 em virtude dos graves ferimentos resultantes do ataque da FRELIMO ao Aquartelamento de Tartibo no dia 01 de Outubro de 1971.

In: Do Tejo ao Rovuma. Uma breve pausa num tempo das nossas vidas. História da Companhia de Caçadores 3309. Moçambique 1971-1973.

Um abraço solidário de quem sobreviveu

Carlos Vardasca