(...) Não me recordo do dia. Sei que tínhamos chegado muito recentemente a Moçambique, mais concretamente ao Planalto dos Macondes e tendo a C.CAÇ. 3309 sido destacada para o Aquartelamento de Tartibo.
Lembro-me que nesse dia eu ia integrado num Pelotão da Companhia de Caçadores 3309 que saíra do Aquartelamento de Tartibo com destino à picada, esperar por uma coluna de reabastecimento que acabara de sair de Pundanhar, vinda de Palma com destino a Nangade. A operação era meramente rotineira, sendo idêntica às que se efectuavam diariamente.
Saímos de Tartibo, sempre pela mata com destino a um determinado quilómetro, para fazer a picagem de parte do itinerário para que a coluna de reabastecimento chegasse o melhor e o mais rápido possível a Nangade e sem incidentes ou minas.
Depois de o Pelotão ter picado vários quilómetros, de apanharmos com um sol abrasador, com a água a esgotar-se e depois de várias paragens para descansar e esquecendo o conselho dos mais velhos, exausto, procurei a sombra de uma árvore sem medir as consequências de como por vezes "eram traiçoeiras aquelas sombras".
Foi quando me aproximei de uma árvore para descansar um pouco que o meu Mainato (1) que transportava a bolsa de enfermagem exclamou muito assustado:
- "Mina óé!!!...nosso Cabo, mina óé! -Então, com toda a cautela necessária naqueles momentos, recuei muito devagarinho e colocando sempre os pés nas pegadas que tinha deixado para traz, lá me afastei do local banhado em suores que me inundavam o corpo.
De facto, era uma mina anti-pessoal armadilhada com um fornilho, e quem o confirmou foi o Furriel Diamantino da nossa Companhia e que ainda não tinha sido destacado para os GEs.
Com uma faca de mato, ele raspou nas bordas do rectângulo que mal se notava no chão e, olhando-me fixamente, exclamou bastante aliviado:
- "Pareces bruxo", - Se não fosse o Mainato lerpavas que nem um tordo.
Depois de isolada e ter sido colocado um petardo e acrescentado alguns metros de fio, a referida mina e o respectivo fornilho foram rebentados à distância fazendo uma enorme cratera no chão.
Aquele Mainato (que para além de participar connosco nas operações também lavava a roupa aos soldados no Aquartelamento) de que já não me recordo do seu nome mas que era bastante novato com cerca de 15 anos de idade, com aquele acto de que lhe estou imensamente grato, "parecia ser de Olhão e jogar no Boavista", ao descobrir dissimulado no meio do capim todo aquele engenho explosivo, tendo-me salvo daquilo que seria mais que certo; - que seria a amputação de uma ou de ambas as pernas, dos "TIN-TINS" (2) e eu sei lá de que mais...
Actualmente, e passados que são cerca de 38 anos do ocorrido, reconheço que fui bastante ingrato com aquele Mainato que me salvou, ao não saber mais nada dele.
Mas a guerra era assim; muito injusta... muito injusta...
Manuel Inácio Cardoso
ex- 1º Cabo Auxiliar de Enfermagem da Companhia de Caçadores 3309
Beiriz - Póvoa do Varzim
28 de Outubro de 2009
(1) Nativos que eram contratados para participar em operações com as nossas tropas, para o carregamento das bolsas de enfermagem e do rádio de transmissões.
(2) Testículos
Foto 1: O Cardoso em 1971 no Aquartelamento de Tartibo, assistindo ao reabastecimento por helicóptero de víveres. Em destaque a sua foto actual.
Foto 2: O Cardoso posa para a fotografia no Aquartelamento de Nova Torres, dentro de um barco de fibra capturado pela Companhia de Caçadores 3309 à FRELIMO, em 25 de Junho de 1971 numa operação no rio Rovuma.
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