segunda-feira, 1 de outubro de 2007

... foi um autêntico inferno (01 de Outubro de 1971)


(...) Decorria o dia 1 de Outubro de 1971, e a Companhia de Caçadores 3309 acabava de chegar ao novo Aquartelamento de Tartibo, depois de se ter retirado de Nova Torres devido às cheias constantes que inundavam a totalidade do Aquartelamento, e que se faziam sentir na época das chuvas, com a junção das águas dos rios Rovuma e Metumbué. O local onde fora construído o novo Aquartelamento de Tartibo tinha sido até ao mês de Setembro uma pequena base da FRELIMO, e, por esse facto, previa-se que a permanência da C.CAÇ. 3309 naquele local não iria ser pacífica. Fazendo uma avaliação errada da situação, o Capitão da C.CAÇ. 3309 ordenou que a Companhia de Engenharia 2743, que ainda procedia à construção de valas e abrigos que se retirasse para Nangade, sendo sua opinião de que os seus serviços já não eram necessários pois a sua Companhia construiria o resto da protecção necessária ao Aquartelamento. Eram cerca de 17h 45m e o dia já começara a escurecer (em África escurece bastante cedo) quando (sem que as pancadas de Moliére se fizessem ouvir) o primeiro ataque da FRELIMO se desencadeou com o disparo de 15 granadas de morteiro 82mm, das quais 9 caíram dentro do Aquartelamento. Deste primeiro ataque ao Aquartelamento de Tartibo (seguir-se-iam mais três com intervalos de 15 minutos entre cada um deles) resultou um ferido grave, atingido em todo o corpo com estilhaços de uma granada de morteiro 82mm, que foi precisamente cair e rebentar na vala onde o 1º Cabo Pedro Manuel Gaspar Augusto (mais conhecido por "Almada") se tentava proteger do violento ataque. Em Nangade, apesar dos 20 quilómetros de distância, ouviam-se perfeitamente os rebentamentos e adivinhava-se o inferno por que passava a C.CAÇ. 3309 naquele momento, pois, via rádio, ouviam-se os apelos dramáticos dos Rádio-Telegrafistas em Tartibo pedindo com urgência a intervenção da força aérea, com o objectivo de afugentar os guerrilheiros que, naquele dia, pareciam (pela violência do ataque) determinados em querer reconquistar aquela base que já fora sua. Depois de 45 minutos debaixo de fogo (com um último ataque às 18h 30m) finalmente as hostilidades cessaram e procedeu-se à avaliação dos estragos e ao levantamento das baixas sofridas. O "Almada", depois de transportado aos ombros de um companheiro, agonizava agora no posto médico onde lhe eram prestados os primeiros socorros. Como o helicóptero de evacuação então pedido não se pode deslocar ao local do conflito, pois há muito que a noite se abatera sobre o Aquartelamento, a agonia do "Almada" prolongou-se até ao dia seguinte, sempre com uma equipa de enfermagem ao seu lado, incansável, ministrando-lhe até respiração boca a boca durante toda a noite na tentativa de o salvar. No dia seguinte, logo pela madrugada, o "Almada" é transportado para o helicóptero de evacuação e levado para o Hospital de Mueda, sendo posteriormente evacuado para o Hospital de Lourenço Marques (Maputo) onde veio a falecer ainda a caminho daquela unidade hospitalar no dia 02 de Outubro de 1971.
Em homenagem ao "Almada" e a todos os que naquela guerra absurda tombaram "sem jeito nem prosa", aqui fica um abraço solidário de quem sobreviveu.
Carlos Vardasca
01 de Outubro de 2007
Foto 1: O "Almada" aos 9 anos de idade.
Foto 2: Evacuação do "Almada" no Aquartelamento de Tartibo, no dia seguinte ao ataque (02 de Outubro de 1971).
Foto 3: Chegada do corpo do "Almada" ao Hospital de Mueda.
Foto 4: O "Almada" aos 22 anos no Aquartelamento de Nova Torres antes da retirada para Tartibo.