quarta-feira, 26 de setembro de 2007

E a Mónica aí está, desde 26 de Setembro de 1974


(...) Vivia-se de facto uma época muito conturbada. Recentemente chegado da guerra colonial e ainda com os traumas das experiências vividas naquele conflito, "mergulhei com todo o entusiasmo no mar de gente" que em radiante euforia, se congratulava com a queda do regime Marcelista em 25 de Abril de 1974. Talvêz por isso, "e por ter mergulhado tão fundo sem ter tempo de vir à superfície respirar a realidade", não dei demasiada importância "às coisas tão belas e tão tamanhas" que a vida então me proporcionava. A guerra tinha-me transformado num "bloco de gelo que se recusava derreter à mínima demonstração de afecto" o que punha em causa a minha estabilidade emocional e a relação afectiva com os outros. É em 26 de Setembro de 1974, que se dá a minha primeira explosão de alegria, com o nascimento da minha filha Mónica no hospital de Alhos Vedros. Ainda me lembro do dia quando cheguei do trabalho e pedi que me deixassem vê-la, apesar do adiantado da hora e de já não estar na hora da visita. Uma enfermeira trazia ao colo aquela "boneca", bem embrulhada numa manta e, passados que são 33 anos, ainda recordo essa imagem com bastante saudade como se a tivesse gravada no meu peito.
Mais tarde, volvidos alguns anos, e por imposição de lógicas e valores meramente egoístas que não importa agora recordar, reconheço que fizeram de mim um "pai ausente", ao "arrancarem de mim aquela boneca", tal como outros fizeram aos brinquedos que não tive tempo de ter na minha infância. Mas, apesar da distância no tempo e passados que são agora os 33 anos do seu aniversário, a minha filha Mónica continua a ser para mim "aquele pequeno pássaro que muito me encanta ouvir o seu cantar".
Depois de há muito ter reaprendido a dar valor "às coisas tão belas e tão tamanhas", transporto hoje dentro de mim uma imensa alegria, por essas "coisas" me terem devolvido um outro pedaço de felicidade que me fora "arrancado" mas a que tinha direito.
Neste seu dia de aniversário, só desejo à Mónica que a sua vida continue a ser uma constante e imensa "explosão alegria", e que a felicidade continue a transbordar do seu sorriso "como a àgua que se desprende da cascata e mergulha num rio enfeitado de nenúfares" (...)


Carlos Vardasca
26 de Setembro de 2007

terça-feira, 25 de setembro de 2007

... Finalmente, retirámos do aquartelamento de Nova Torres


(...) Viver em Nova Torres era insustentável. As constantes inundações do aquartelamento tornavam a vida ali bastante difícil, para além de ser uma posição fácilmente observável do outro lado da fronteira, e a necessidade de retirar daquela zona era uma questão de humanidade, pois o moral das tropas já vinha sofrendo algumas brechas, e os protestos, apesar de em surdina, já vinham subindo de tom embora circunscrito a um número restrito de militares mais esclarecidos. É com esse objectivo que se inicia no dia 25 de Setembro de 1971 a operação "OCULAR 2" para abertura do novo estacionamento da Companhia de Caçadores 3309 nas coordenadas 3946,2.1056,2. Nesta operação (de grande envergadura envolvendo vastos meios militares) estiveram envolvidos 3 Grupos de Combate da Companhia de Artilharia 2745, 1 Grupo de Combate da C.CAÇ. de Mocimboa da Praia, 2 Grupos de Combate da Companhia de Caçadores 3309, Grupo Especial 210, 11º Pelotão de Artilharia/GAC 6 (destinada a reforçar a C.CAÇ. 3309 com sede ainda em Nova Torres) 1 Pelotão da Companhia de Engenharia 2736 e 1 Esquadrão de Morteiros 81mm. Durante o período de construção do Aquartelamento, o 5º Pelotão de Artilharia da 2ª Bateria/GAC 6 efectuou em Nangade 40 tiros de Obus para as zonas prováveis de ataque inimigo. A operação de retirada de Nova Torres terminou em 01 de Outubro de 1971, com a totalidade da C.CAÇ. 3309 finalmente estacionada no novo Aquartelamento.
O novo Aquartelamento passou a denominar-se Tartibo, situado numa pequena elevação que o protegia das inundações constantes resultante da junção das águas dos rios Rovuma e Metumbué, mas que continuou a ser o prolongamento do inferno a que a Companhia de Caçadores 3309 esteve sujeita durante a sua permanência no norte de Moçambique, junto à fronteira com a Tanzânia (...)
Carlos Vardasca
25 de Setembro de 2007
Nota: Na foto, o momento da retirada de Nova Torres da Companhia de Caçadores 3309 rumo ao novo Aquartelamento de Tartibo.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Cá estou eu, desde 21 de Setembro de 1949.

(...) É verdade! já lá vão cinquenta e oito anos. Não penso viver outros tantos, mas lá que me dá vontade... lá isso dá.
Há quatro anos que a II Grande Guerra Mundial findara, quando a Gracinda, com 24 anos de idade, dera entrada no Hospital S.José (Enfermaria de Santa Bárbara) para me parir com três quilos e trezentas gramas. A minha mãe viera muito cedo para Lisboa, "arrancada" aos 16 anos da aldeia de S.Pedro de Agostém, no Concelho de Chaves, para procurar novos horizontes e participar no progresso que diziam estar a acontecer na capital, mas que as muralhas de granito e o páraco da aldeia se habituaram a esconder das jovens que tentavam tal odisseia.
Muito cedo se enamorou de um ordenança, que cumpria o serviço militar no Regimento de Artilharia Anti-Aérea nº 1 em Queluz, devido ao seu farto cabelo repuxado para trás, besuntado de espessa brilhantina que diziam parecer-se com Rodolfo Valentino, e que fazia furor das raparigas no Mercado da Ribeira.
Antes que alguma sopeira o levasse, a Gracinda nunca mais o largou e, devido a eles, cá estou eu desde 21 de Setembro de 1949 (...)

Carlos Vardasca
1949-2007
Nota: Na foto estão Carlos Vardasca (pai) Gracinda Vardasca (mãe) e Carlos Vardasca (filho)

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

03 de Setembro de 1971

(...) Como já vinha sendo hábito na época das chuvas, as águas do rio Rovuma e do rio Metumbué ao transbordarem das suas margens, alagavam totalmente o aquartelamento de Nova Torres que ficava situado entre aqueles dois rios. Foram dias dramáticos que a C.CAÇ. 3309 passou, ao ponto dos seus soldados terem que dormir em cima das árvores durante cerda de quatro semanas; receberem a sua correspondência e os víveres que eram lançados de helicóptero e que regra geral caiam dentro da água. Havia uma necessidade urgente de se encontrar uma outra posição mais elevada para se construir novo aquartalamento, e é com esse objectivo que no dia 03 de Setembro de 1971 três grupos de Combate da C.CAÇ. 3309 iniciam a Operação "BARCA 1" de patrulhamento e interdição da fronteira, sendo detectado um acampamento da FRELIMO com 5 palhotas. Foi efectuado um golpe de mão sobre o acampamento IN, sendo abatidos 5 elementos da guerrilha e capturadas duas Kalashnikov, assim como variado material de guerra. É precisamente neste local onde se situava a pequena base da FRELIMO, que mais tarde se vai construir o futuro aquartelamento da C.CAÇ.3309 a que se dá o nome de Tartibo, e onde esta Companhia irá passar os momentos mais dramáticos da sua missão no norte de Moçambique (...)
Carlos Vardasca
05 de Setembro de 2007
Nota 1: Na foto, elementos da C.CAÇ.3309 depois da conquista da base à FRELIMO.
Nota 2: Elementos retirados do Arquivo Histórico Militar. Região Militar de Moçambique. Batalhão de Artilharia 2918. História da Unidade, 14º Fascículo, página 1 (Setembro de 1971)