terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

XX Encontro Nacional da Companhia de Caçadores 3309


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(...) Com o nosso regresso, e apesar da Guerra Colonial continuar (embora por pouco tempo), cada um de nós, de regresso às suas aldeias, vilas e cidades, ocupando na sua actividade profissional uma profissão distinta, mas cada uma delas (independentemente do sector de actividade) com a sua importância para o desenvolvimento do país, estávamos no entanto conscientes de que aquela guerra devia de acabar.
Já longe do conflito que já durava há catorze anos e que mais directamente nos atormentou durante cerca de vinte e seis meses, aprendíamos de novo a dar valor à tranquilidade do nosso ambiente familiar, embora sempre com o pensamento nos nossos companheiros falecidos em combate e os que posteriormente vieram a falecer após o nosso regresso, mas que foram sempre lembrados em todos os Encontros Nacionais da Companhia de Caçadores 3309, organizados pelas respectivas Comissões Organizadoras, onde se destaca o nome de João Arteiro, seu obreiro.
Felizmente, e porque não éramos só nós os intranquilos com toda a situação política que se vivia em Portugal em consequência da Guerra Colonial, conflito que obrigou milhares de jovens a abandonarem as suas famílias e a morrerem numa guerra que todo o mundo considerava injusta, este pesadelo se desvaneceu na madrugada do dia 25 de Abril de 1974, quando as algemas se rebentaram e um sopro de alegria voltou a desenhar-se nos rostos dos portugueses fartos da opressão ... (1)
Carlos Vardasca
23 de Fevereiro de 2010
(1) In: "Do Tejo ao Rovuma. Uma breve pausa num tempo das nossas vidas". História da C.CAÇ. 3309. Moçambique 1971-1973, página 335. Carlos Vardasca. Alhos Vedros, 21 de Setembro de 2009.
Documentos 1 e 2: Frente e verso do Programa do XX Encontro Nacional da Companhia de Caçadores 3309 a realizar na cidade de Bragança no próximo dia 06 de Março (Sábado) de 2010.
Documento 3: Texto de João da Silva Arteiro, ex-Soldado Condutor Auto NM 15393470 da C.CAÇ. 3309, escrito em 27 de Abril de 2007 e editado em "Do Tejo ao Rovuma. Uma breve pausa num tempo das nossas vidas". História da C.CAÇ. 3309. Moçambique 1971-1973, página 340. Carlos Vardasca. Alhos Vedros, 21 de Setembro de 2009.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

"Como iludir os nossos medos"

(...) Quando pela calada da noite se informavam os grupos de combate que se iria realizar uma nova operação e quais os objectivos da mesma, as faces dos soldados tornavam-se rubras, os olhos menos brilhantes e o murmurar entre dentes denotava algum motivo de preocupação. Estávamos mesmo no interior do Planalto dos Macondes, muito próximo da fronteira com a Tanzânia e onde a guerra calava mais fundo.
A intensa actividade de guerrilha na região era sempre motivo de preocupação, e sempre que se avizinhava uma saída para fora do arame farpado, seja em operações de patrulha ou em colunas de reabastecimento, os dias que as antecediam eram sempre alvo de grande tensão para quem nelas ia participar.
A FRELIMO
[1] era muito activa naquela zona de Cabo Delgado, sendo constante os ataques dos guerrilheiros aos aquartelamentos e às colunas de reabastecimento que se realizavam com alguma frequência entre os aquartelamentos de Nangade, Pundanhar e Palma, percurso de cerca de 100 quilómetros, que por vezes demorava alguns dias a serem percorridos, com algumas consequências bem dramáticas para as nossas tropas.
Após o conhecimento e a definição dos objectivos a atingir na próxima operação, o semblante dos soldados tornava-se mais tenso e adensava-se em cada um deles uma imensa ansiedade que os fazia questionar:
— Será que é desta que não volto?
As reacções eram tão diversas e cada um interiorizava os seus receios com expressões e decisões de conjuntura, uns dirigindo-se para as suas tendas para ali tentar inundar aqueles medos com sonhos que lhes pudessem trazer alguma aparente tranquilidade, outros, como era o meu caso e de outros companheiros da minha Companhia destacados no Aquartelamento de Nangade, dirigíamo-nos silenciosos para o aldeamento da etnia Maconde, para ali encontrar algo que há muito nos reconfortava o espírito e com o qual tentávamos baralhar os nossos receios.
Devido aos seus efeitos alucinogénicos mas também por tradições ancestrais, a Suruma, planta muito verde que se assemelhava à do chá, era plantada junto às machambas
[2] dispersas na mata em redor do aquartelamento de Nangade, sendo consumida por grande parte das populações nativas que habitavam os aldeamentos que ladeavam aquele aquartelamento.
Com o início do conflito colonial e a chegada de tropas portuguesas às zonas mais recônditas do norte de Moçambique, e da necessidade de alguns soldados espantarem os seus medos devido ao intensificar da guerra e quando se aproximava a partida para mais uma missão de patrulhamento ou coluna de reabastecimento, aquela planta passou também a fazer parte do seu consumo, onde tentavam (para além de ocultar as suas fragilidades) refugiar-se nos seus efeitos para escaparem à angústia e à ansiedade que os martirizava, de cada vez que se ausentavam do aquartelamento para se embrenharem na mata densa, e aí conviverem permanentemente com a incerteza de puderem regressar.
Lembro-me, das várias vezes que senti necessidade de me refugiar na Suruma, que o seu efeito era deveras tranquilizador, substituindo o receio pela descontracção, do medo pela felicidade e da angústia pela despreocupação, como se em vez de “caminharmos para a guilhotina nos dirigíssemos tranquilamente para um salão de baile”.
Nem todos os nossos companheiros sabiam os motivos porque eu, o Nabais
[3] o “Foz”[4] assim como outros soldados fazíamos frequentes incursões no aldeamento (pois a nossa ausência do aquartelamento primava por ser discreta) tal como não se apercebiam do nosso consumo daquela planta pois as alterações que aquela substância produzia (que era consumida em pequenas doses) não eram visíveis pelo nosso aspecto, dado que apenas alterava o nosso estado de espírito e a predisposição interior, para encararmos de uma forma exageradamente descontraída cada missão em que nos envolvíamos.
Mais tarde, e porque o “Foz” abusou do seu consumo e se deixou “agarrar”, passando a consumir Liamba, o que o fazia com toda a tranquilidade (embora tomando algumas precauções) à frente de qualquer um de nós quando se refugiava na “Tasca”
[5], é que o caso assumiu outras repercussões (tendo chegado ao conhecimento do nosso capitão que num acto de compreensão ajudou a abafar o caso) dado que o aspecto físico do “Foz” se foi debilitando, ao ponto de ter sido necessário evacua-lo para o hospital de Nampula.
Não tendo atingido proporções idênticas à dos soldados americanos na Guerra do Vietname, era no entanto bastante frequente (embora não generalizado) que nas diversas frentes de batalha durante a Guerra Colonial os soldados portugueses recorressem a esse tipo de substâncias como refúgio para as suas inquietações, tentando iludir os seus medos, sem contudo delas terem ficado dependentes, como foi o meu caso (e de muitos outros) que actualmente nem sequer um simples cigarro fumo.
Para quem teve a sorte de nunca ter participado em qualquer tipo de guerra ou dela se manteve sempre afastado embora dirigindo as operações à distância, é sempre fácil ajuizar pela negativa aquele tipo de comportamentos, dado que nunca viveu em permanente angústia de pensar “não poder viver o dia seguinte” ou de regressar daquele conflito colonial (que muitos soldados nunca abraçaram como seu) com o futuro destroçado, e ficar dependente de um Estado que ainda hoje vira as costas a quem por ele (injustificadamente) se bateu retirando-lhes os direitos, retribuindo-lhes “democraticamente” com um indisfarçável desprezo e uma arrogante indiferença (...)

Carlos Vardasca
06 de Fevereiro de 2010
In: "A Guerra Contada por quem sobreviveu". Carlos Vardasca. Alhos Vedros 2009.

Foto 1: Numa Coluna de reabastecimento na picada entre Nangade e Pundanhar. Foto de José Ribeiro, ex-Furriel Miliciano da CCS do Batalhão de Caçadores 5013. Moçambique 1973.
Foto 2: Elementos da C.CAÇ. 3309 (Silva, Gonçalves, "Lixa" e Moreira) visitam o "Foz" quando este se encontrava internado no Hospital de Nampula. Moçambique 1972.
[1] Frente de Libertação de Moçambique.
[2] Terreno de cultivo das populações autóctones.
[3] João Luís dos Santos Nabais, Soldado Condutor Auto NM 15467570 da Companhia de Caçadores 3309 (falecido em 07 de Março de 2007)
[4] Eduardo da Silva Machado, Soldado Condutor Auto NM 15189470 da Companhia de Caçadores 3309 (Desde o seu regresso de Moçambique que não se sabe do seu paradeiro).
[5] Abrigo subterrâneo transformado em pequena taberna.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

"Nem todas as batalhas podem ser ganhas"

Informo que no passado dia 28 de Janeiro faleceu o nosso companheiro Dionísio Adaucto Abreu, ex-Furriel Miliciano Vague-Mestre NM 06261470, pertencente à Companhia de Caçadores 3311, do Batalhão de Caçadores 3834, vítima de doença prolongada (1949-2010).
Em sua honra, e porque "nem todos as batalhas podem ser ganhas", aqui fica a nossa singela homenagem, endereçando (embora tardiamente pois só muito recentemente soubemos do seu falecimento) aos seus familiares e amigos mais próximos as nossas condolências, em nome de todas as Companhias que fizeram parte do Batalhão de Caçadores 3834 (CCS, C.CAÇ. 3309, C.CAÇ. 3310 e C.CAÇ. 3311).

Carlos Vardasca
02 de Fevereiro de 2010

Foto 1: Documento de identificação de Dionísio Abreu.
Foto 2: O Dionísio Abreu durante o Convívio da Companhia de Caçadores 3311 em Praia de Mira (2009), junto da sua esposa e da esposa de João Pardilhó, ex-Furriel Miliciano, NM 03082570 também da C.CAÇ. 3311.
Nota: Ambos os documentos foram gentilmente cedidos por António Militão Camacho, ex-Alferes Miliciano NM 09383768 da Companhia de Caçadores 3311.