sábado, 21 de janeiro de 2012

"E a bala espreita, eu sei que custa..."

Algo de terrivelmente barulhento se aproximava do nosso aquartelamento. Por tudo o que era caminho, estacionavam contorcidos sob o peso da carga, grandes  Volvo e  Scânias, anunciando-nos que tínhamos batatas e macarrão para mais duas semanas.
Tendo partido de Luanda, destinava-se aquela coluna de camiões, também conhecida por M.V.L. a abastecer as tropas "estacionadas" não só em Nambuangongo, mas também em Madureira e Zala a Norte, Quixico, Lue e Quipedro, a Leste, ficando já para trás, Beira-Baixa, Quicabo, Balacende, etc. etc.
Estando nós, numa espécie de "nó rodoviário", o nosso Pelotão escoltaria a componente que virava para Leste, enquanto os tais veículos ruidosos que finalmente eram pequenos blindados pertencentes aos Dragões com base no Caxito, (Olá camaradas, um abraço quaisquer que sejam as vossas opiniões,) "rumariam" com outros para Norte.
Geralmente havia numa C.C.S. um grupo de Sapadores outro de Reconhecimento e Informação, que reunidos formavam o único Pelotão operacional, que por formação e experiência tinha por "vocação" sair quando necessário.
Depois de "seleccionados" os trinta indispensáveis para o "passeio", ficavam sempre alguns, e quis o acaso que naquele dia eu ficasse por "casa".
Da frente da cabana que nos servia de caserna, observava eu o "ballet" daquela "cavalaria" toda, quando um colega que "morava" do outro lado da rua, me veio felicitar dizendo:
― Estás com sorte pá, hoje não vais a Quipedro.
Informei-o que podia ir no seu lugar; passamos pela secretaria, mandamos alterar os respectivos serviços e acto contínuo preparo-me para a "excursão".   
Estava eu pronto para "arrancar", quando o meu prezado camarada me veio dizer que não valia a pena; iria ele no seu devido lugar. Estava decidido, e fui eu.
Já narrei nestas colunas que anteriormente tínhamos caído numa emboscada, durante a qual me ocupei de municiar uma metralhadora pesada tendo "abandonado" a minha G-3 no chão metálico da Berliet o que teve por efeito danificar o manobrador da minha arma; que não "noticiei os danos em parte, porque o "pedestal" sobre o qual se encontrava o Comandante de Companhia era tão elevado que tornava qualquer diálogo "missão impossível".
Diziam  também os mais antigos que a partir daí, não faltariam emboscadas,  e eu traduzi: oportunidade para relatar o incidente e como nada impedia o normal funcionamento da arma, então, puta que pariu a G-3 e mais o dono.
A arma não era minha, o que não impedia de a acarinhar, limpar (não a engraxava, porque não era necessário; ela "dormia" dependurada ao fundo da cama, e se não dormia entre os lençóis, era porque não queria; convém recordar todavia que durante todo o tempo de   tropa nunca tive arma mais velha que em Angola.
Tinham eles medo que vendesse ou deixasse roubar uma espingarda em bom estado?! talvez fosse por isso, e compreendo agora a razão pela qual um dia de "passeio" me meteram nas mãos uma HK-21, (creio que era essa a"marca") e deste modo, se deixasse roubar uma, ficava com outra.  Chamavam-lhe metralhadora, mas equipada apenas com um carregador pouco a distinguia da tradicional G3.   Finalmente, com a conversa quase esquecia o M.V.L. , Quipedro, o meu banco de pau, os solavancos, o pó que entrava na boca, orelhas, olhos e nariz, que só um grande lenço conseguia proteger; quem pudesse adquiria uns óculos de  motard e assim se protegia melhor.

António Leitão
Ex-Soldado Atirador
Do Batalhão de Caçadores 3869 (Angola,1972-1974) 

Foto: António Leitão a bordo do navio "Vera Cruz". Janeirto de 1972