sábado, 15 de novembro de 2008

Nas margens do rio Rovuma. 15 de Novembro de 1972

Faz hoje precisamente 36 anos que o Furriel Guimarães faleceu em combate nas margens do rio Rovuma, junto à fronteira com a Tanzânia. Decorria o dia 15 de Novembro de 1972, quando no decorrer da Operação "BAGA 6" o referido militar pertencente à CCS do Batalhão de Caçadores 3874 mas destacado nos GEs 212 foi abatido e levado para o outro lado da fronteira, possivelmente para a aldeia de Kytaia onde provavelmente estará sepultado.
Vem a propósito mais uma vez lembrar este trágico desaparecimento e prestar esta breve homenagem no aniversário do seu falecimento, dado que hoje mesmo estive em contacto com ex-Furriel Francisco Felício também pertencente à CCS da Companhia de Caçadores 3874, muito amigo do Furriel Guimarães, com quem conviveu desde o seu embarque para Moçambique em Lisboa no dia 18 de Fevereiro de 1972 , e durante os cerca de nove meses no Aquartelamento de Moçimboa do Rovuma onde aquela Companhia ficou estacionada.
Da breve descrição que fez do Furriel Guimarães, ressaltou o seu espírito de bravura e abnegação perante o perigo, coragem nas missões que desempenhava por vezes pondo em risco a sua própria vida, como era hábito fazê-lo quando ele próprio desmontava as minas anti-carro quando eram detectadas na picada em vez de as fazer explodir à distância.
Do período que com ele conviveu lembrou o seu forte espírito de camaradagem, reconhecendo-lhe no entanto uma certa irrequietude e um elevado sentimento de aventura, o que o levou a oferecer-se para os GEs depois de ter desabafado com aquele seu amigo, apesar do Aquartelamento de Moçimboa do Rovuma ser bastas vezes atacado pela FRELIMO:
- "Isto aqui em Moçimboa do Rovuma é muito monótono. Há poucos tiros e vou mas é oferecer-me para os GEs que ali a luta dá mais entusiasmo".
Foi este espírito irrequieto que o fez oferecer-se para os GEs 212, sendo destacado para o Aquartelamento de Nhica do Rovuma e aí encontrar a morte muito próximo da fronteira, em circunstâncias muito trágicas, tendo sido levado para a Tanzânia, possivelmente para a aldeia de Kytaia onde se presume estar sepultado o seu corpo.
Renovo daqui o meu apelo à Liga dos Combatentes, à Associação de Combatentes da Luta de Libertação Nacional (Moçambique) bem assim como a todas as Associações de ex-combatentes da Guerra Colonial existentes para que, dentro das suas possibilidades (pois são mais que reconhecidas as dificuldades) encetem esforços junto das autoridades tanzanianas, mais concretamente junto da aldeia de Kytaia para que o local da sua sepultura seja encontrado os seus restos mortais sejam devolvidos à pátria e aos seus familiares, e o seu nome se junte aos restantes combatentes inscritos no Monumento aos Combatentes em Belém, onde muito justamente sempre pertenceu lá estar e de onde tem sido incompreensivelmente arredado.
Carlos Vardasca
15 de Novembro de 2008
Fotos 1-2: O Furriel Guimarães aos 15 e 20 anos de idade.
Foto 3: Mapa da localização do Aquartelamento de Nhica do Rovuma e da aldeia tanzaniana de Kytaia onde se presume que o seu corpo esteja sepultado.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Cabo Delgado. Moçambique, 12 de Novembro de 1971


(...) No dia 10 de Novembro foi iniciada a coluna de reabastecimento "OCTANA 14", escoltada por 2 grupos de Combate da Companhia de Caçadores de Moçimboa da Praia. Neste dia chegou a Pundanhar, saiu no dia seguinte para Nangade onde chegou às 13 horas; saiu para Palma pelas 14H30, chegou a Pundanhar em 12 de Novembro de 1971 e no mesmo dia a Palma pelas 14h40. Montaram segurança de itinerário forças da Companhia de Caçadores 3309, Companhia de Artilharia 2745, Companhia de Caçadores 2703 e GE 206.
Durante esta coluna, em 12 de Novembro de 1971, uma viatura Berliet (17ª viatura) accionou uma mina anti-carro entre Pundanhar e Nangade causando um ferido grave à CCS do Batalhão de Artilharia 2918. Enquanto as nossas tropas procediam à remoção da viatura minada, um grupo IN muito numeroso flagelou a coluna por duas vezes com armas automáticas, morteiros 60mm e granadas de mão, causando 4 feridos graves, 2 da C.CAÇ. 2703, 1 da CCS do B.ART. 2918 e 1 da C.CAÇ. de Moçimboa da Praia (...)

in relatório da Região Militar de Moçambique. Batalhão de Artilharia 2918. História da Unidade, Décimo fascículo. Novembro de 1971
Foto: Momento da evacuação dos feridos, vendo-se na foto o Joaquim Camelo, Soldado Condutor NM 15391770 (em tronco nu) e o Furriel Diamantino NM11599169 (em primeiro plano) ambos da C.CAÇ. 3309, estando este último destacado nos GEs.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

"... Quando os sinos não dobram"

(...) Quase era capaz de reconstruir na íntegra todos os dias passados no "Ultramar". Pormenores aparentemente sem grande importância persistem em vir de quando em quando à superfície. Foi, mais uma vez, o que aconteceu há pouco ao ler uma mensagem do Vardasca que pedia a todos o contributo de uma história.
Apesar do "Niassa" e das Berliet's nos depositarem lá nos confins do sertão africano, a uns quantos quilómetros de distância, permaneceu sempre em cada um de nós, fossemos ou não saudosistas, um apego muito forte ao sítio onde nascemos e, até então, tínhamos vivido. Era insustentável, até por este motivo, uma guerra, longa como aquela, travada numa terra que não era nossa e longe da que nos lembrávamos todos os dias.
Penso que há um significado no que vou contar. Pelo menos para mim tem.
(...) Como sabeis, o segundo acampamento de Nova Torres, apesar de montado numa pequena elevação para o interior, veio a sofrer também com a enorme cheia do Rovuma. Todos os dias uns centímetros eram acrescentados ao nível das águas. Até que se decidiu, por já não ser viável viver-se ali, procurar outro lugar mais alto na margem direita do Metumbué.
Durante a noite que antecedeu a nossa patrulha que iria ser feita em botes (Zebros), pouco ou nada se conseguiu dormir. A água dava-nos pela barriga e alguns julgaram mais conveniente subir para as acácias e aí descansar, atando as extremidades das mantas aos galhos e fazer uma espécie de cama de rede.
Eu não me aventurei a isso e resolvi passar a noite, envolto num impermeável, em cima de um "bidon" a fumar cigarros atrás de cigarros até se fazer hora de partir.
Eis senão quando, no meio dessa noite cerrada e chuvosa, um dos que tinha adoptado os hábitos do "Tarzan", estatelou-se com estrondo na água vindo dos galhos.
Logo todos começaram a meter-se com o pobre que tinha caído. Risada na noite. Daí a pouco, já tudo serenado, ouvi aquela vítima comentar:
- É pá, até estava a ouvir os sinos da minha aldeia!...
Não sei quem era o então rapaz a quem aquela guerra separou dos sinos da aldeia. Oxalá que hoje os possa ouvir.
O retorno às nossas raízes haveria de durar ainda mais dois anos.
Infelizmente para alguns essas raízes foram cortadas radical e abruptamente na idade em que são legítimas todas as esperanças (...)

Fernando Manuel Pêgo da Silva Barros
ex- Alferes Miliciano NM 10124269
da Companhia de Caçadores 3309
In "Do Tejo ao Rovuma. Uma breve pausa num tempo das nossas vidas". História da Companhia de Caçadores 3309. Carlos Vardasca.2008.
Foto 1: O Alferes Barros em formatura com o 1º pelotão da C.CAÇ. 3309 no Aquartelamento de Tartibo. 1971
Foto 2: O Alferes Barros no intervalo de uma operação junto do rio Metumbué. 1971

sábado, 8 de novembro de 2008

"Devolver o Furriel Guimarães à pátria"


Ontem, dia 07 de Novembro, recebi um telefonema do General Gamito da Liga dos Combatentes, onde este me informava de que na próxima segunda feira (dia 10 de Novembro) se deslocará às instalações da Liga dos Combatentes uma delegação da ACLLN - Associação de Combatentes da Luta de Libertação Nacional de Moçambique, associação formada por antigos guerrilheiros da FRELIMO, visita efectuada no âmbito do protocolo existente entre as Associações de Combatentes de ambos os países.
Segundo o mesmo General, para além dos diversos assuntos a tratar, irá ser entregue àquela delegação um dossier completo com todas as informações relacionadas com o desaparecimento do Furriel Guimarães, juntamente com o documento que elaborei onde se relatam as circunstâncias do seu desaparecimento nas margens do rio Rovuma em 15 de Novembro de 1972, assim como também sensibilizar aquela delegação no sentido de colaborarem na procura dos seus restos mortais, dada a estreita relação que o Governo de Moçambique e a FRELIMO em particular detêm junto das autoridades tanzanianas.
Aproveitando a oportunidade da vinda a Portugal da delegação dos ex-combatentes da FRELIMO, solicitei ao Sr. General se seria possível marcar uma audiência comigo e a referida delegação, para que eu pudesse pessoalmente expor com exactidão como ocorreram os factos naquele dia trágico e sensibilizá-los para que iniciassem os contactos com as autoridades tanzanianas, mais concretamente com as representadas na aldeia de Kytaia onde possivelmente o Furriel Guimarães estará sepultado, dado ser a aldeia mais próxima das margens do rio Rovuma e do local onde o mesmo foi abatido e capturado.
Tendo em conta que a agenda daquela delegação decerto que estará um pouco preenchida, aquele responsável da Liga dos Combatentes adiantou-me no entanto que iria junto da mesma saber da possibilidade da audiência se poder realizar, contactando-me para o efeito no caso da mesma ser possivel de concretizar.
Para além da importância de me reunir com ex-combatentes da FRELIMO contra quem nós portugueses combatemos no conflito colonial que nos opôs, seria também extremamente gratificante colocá-los pessoalmente ao corrente deste caso que decerto os irá interessar, apesar de se reconhecerem as dificuldades logísticas para encetar tal operação de resgate do corpo de referido militar, por se encontrar num país estrangeiro e sem representação diplomática em portugual, a avaliar pelas dificuldades já encontradas na busca e identificação das campas dos numerosos combatentes que ainda hoje permanecem sepultados noutros países, como é o caso da Guiné, Angola e Moçambique.
"Porque nunca devemos desistir, não devemos deixar morrer a ideia de devolver o Furriel Guimarães à pátria"
Carlos Vardasca
08 de Novembro de 2008
Foto: O Furriel Guimarães (fardado de GEs) junto de Companheiros da Companhia de Caçadores de Moçimboa da Praia. Palma (Moçambique) 1971

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

"Da velha caridadezinha às canções de embalar"

(...) O "Bocas" (1) acabava de aterrar na pista de Nangade, sem desta vez vir munido daquele enorme altifalante habituado a vomitar a doutrina do ocupante, cujo som se embrenhava na mata tentando convencer algum guerrilheiro menos convicto, vencido pelas dificuldades que a luta de libertação exigia.
Repleto de carga, onde se misturavam para além das barricas de madeira atafulhadas de carne vindas da América do Sul, salgadíssima e de consumo intragável, cunhetes de munições que já iam escasseando no Aquartelamento desde o último ataque a Nangade, lá vinham também umas caixinhas inofensivas, apesar de enormes, identificadas com uma listagem pintada com letras muito gordas onde se podia ler:
- "Aos soldados de Portugal - uma lembrança do Movimento Nacional Feminino - Natal de 1971".
Desta vez, "aquelas burguesas do regime e serviçais da caridadezinha nas horas vagas" não nos traziam maços tabaco do mais rasca que havia no mercado, nem isqueiros Ronson que mais pareciam "pequenos depósitos de combustível", idênticos aos que nos foram distribuídos no dia do embarque no Cais de Alcântara, mas placas negras de vinil que diziam ser mensagens de natal, onde os "bibelous do regime" patricionados pelo SNI (2) se uniam para nos embalar, tentando fazer-nos esquecer o inferno onde todos em uníssono nos quiseram atolar.
Lá estavam todos a prestar o seu apoio na produção daquele compacto de lamurias, desde ministros do Estado Novo ao Eusébio, da Amália à Companhia União Fabril (CUF), SONAP e CIDLA, ao Banco Borges e Irmão, Florbela Queiróz, Inspector Varatojo, Parodiantes de Lisboa e Hermínia Silva, numa união perfeita entre "a cultura da época e os velhos do restelo", todos em coro a prestar vassalagem aos ideais do império que diziam ser "do Minho até Timor".
Estávamos em Novembro de 1971 e aproximava-se o mês do natal, quando aquelas delicadas senhoras saídas do Dakota, velha lata voadora, se puseram a distribuir por todos os soldados ali aquartelados centenas de exemplares do "nacional cançonetismo", velha lamuria que nos tentava incutir a exaltação dos valores pátrios numa "cruzada contra os infiéis africanos", enquanto os cantores de intervenção eram silenciados para que os seus cânticos não toldassem as mentes patrióticas de quem lutava contra o que classificavam de "terrorismo a soldo do comunismo Chinês".
Sem luz eléctrica nem aparelhagem que fizesse girar os 33 RPM, a maioria de nós possivelmente só os ouvimos de regresso ao nosso aconchego familiar, quando já os ventos sopravam em direcção a um "Abril que se adivinhava ao virar da esquina, onde o protesto, apesar de silenciado, já se sentia querer libertar-se e respirar o sopro de mudança" (...)
Carlos Vardasca
07 de Novembro de 2008
Fotos: Capa e contra capa do disco "Natal 71", edição do Movimento Nacional Feminino (MNF).
(1) Dakota. Aeronave da Força Aérea Portuguesa, que tinha como missão sobrevoar as zonas onde se pensava existirem bases da FRELIMO, estando dotado de potentes altifalantes para difundir mensagens, com o objectivo de convencer os guerrilheiros que combatiam na mata a entregarem-se ao exército ocupante.
(2) Serviço Nacional de Informação