segunda-feira, 25 de junho de 2007

"...um troféu que soube a pouco"


...Quando um helicóptero se dirigia para o aquartelamento de Nova Torres para lá deixar alguns víveres e o saco do correio, um dos pilotos observou que lá em baixo no rio Rovuma se deslocava um pequeno barco com onze guerrilheiros a bordo, e que se dirigiam da Tanzânia para Moçambique. Após ter chegado ao quartel, comunicou ao Capitão da C.CAÇ. 3309 ali estacionada (Hélio Moreira) o que tinham observado, onde foi dada ordem de se constituir um Grupo de Combate com o objectivo de capturar o barco. De imediato, esse grupo foi constituido e enviado para o local, tendo observado que os guerrilheiros, ao observarem o helicóptero se puseram em fuga através de uma ilhota situada a meio do rio Rovuma junto de um banco de areira, cuja extensão permitiu que se refugiasem na Tanzânia, levando consigo o depósito de combustível e outros equipamentos indespensáveis ao manuseamento do barco, assim como as próprias amarras deixando o barco à deriva. A equipa foi dividida em duas, uma perseguiu os guerrilheiros e a outra foi lançada sobre o objectivo. Capturado o barco e com a equipa já reunida, dado não terem encontrado vestígios dos guerrilheiros, rumaram em direcção ao aquartelamento dirigindo o barco aprisionado sempre a favor da corrente, tendo encontrado já ao escurecer, na margem, ainda longe de Nova Torres, um pelotão das nossas tropas que foram enviadas em seu auxilio, assim como outros soldados num barco Zebro que os guiaram até ao aquartelamento. O barco de origem Belga (de fibra de vidro com pintura camuflada preto e verde, com um motor fora de bordo EVINRUDE e de cinco metros de comprimento) posteriormente foi enviado para Lourenço Marques (Maputo) para ser exibido numa exposição de material de guerra capturado à FRELIMO. A equipa de intervenção que participou na captura do barco foi; Furriel Miliciano, Arlindo Gonçalves Rodrigues (que comandou o Grupo de Combate), 1º Cabo Auxiliar de Enfermagem, José Fernando Pinto Silva, 1º Cabo Atirador, Portugal Henriques Barrêto, o Soldado Operador de Transmissões, Mário Augusto da Silva Carlão e o Soldado Atirador, Manuel de Jesus com a colaboração do piloto do helicóptero, Furriel Miliciano Piloto Aviador, Luis António Vilar Pereira da Silva da A.M. 51. Decorria o dia 25 de Junho de 1971 e este Grupo de Combate só jantou por volta da meia noite e leu a sua correspondência à luz de uma candeia mal iluminada, saboreando as notícias dos seus familiares com os camuflados enxarcados com àgua barrenta do Rovuma e o rosto gasto de cansaço...
Foi um "troféu que soube a pouco", porque se constou posteriormente que tudo tinha sido uma encenação propositada para desviar as atenção das tropas estacionadas na fronteira, uma vez que ao mesmo tempo que ocorria o aprisionamento do barco, num outro local, a FRELIMO fazia entrar em Moçambique um forte contingente de guerrilheiros que os permitiria reforçar os seus efectivos numa das suas bases no interior de Moçambique. Em troca daquele aprisionamento os intervenientes naquela façanha "trágico marítima" receberem a Cruz de Guerra de 4ª Classe, e os guerrilheiros, passados mais três anos a libertação da sua pátria...
Carlos Vardasca
25 de Junho de 2007

domingo, 3 de junho de 2007

...Quem me ajuda a encontrar o "Tarzan"?


(...) depois de deambular e de me sentir "amuralhado" por entre os vários colégios onde fui colocado desde os 4 anos de idade, aos 13 anos, e porque talvez não tivesse lá muita inclinação para os estudos mas para as artes de bem marear, fui enviado para a Fragata D.Fernando II e Glória, velha nau, última, vinda das Índias e que ancorada no Tejo servia de navio escola para aqueles meninos desprovidos de afectos e do aconchego familiar. No dia 3 de Abril de 1963 aquela nau foi vítima de um violento incêncio, que a destruiu totalmente e a atirou para um banco de areira, onde ali permaneceu longos anos até à sua recuperação, que lhe permitiu servir de bilhete postal na "EXPO 98".

Naquele dia trágico, muitos miúdos (onde eu me incluia) refugiaram-se das labaredas dentro de uma das baleeiras, esperando que alguém a arreasse. Como o sistema não funcionou por estar corruído pela ferrugem, houve alguém que, num acto de desespero, cortou um dos cabos que prendiam a baleeira e esta soltou-se, ficando suspensa de um dos lados, atirando para as águas revoltas do Tejo todos os seus ocupantes. Embora já frequentasse as aulas de natação, eu ainda não sabia nadar o suficiente para me livrar daquele mergulho involuntário. Várias vezes me senti "nas profundezas de um oceano repleto de monstros" até que, inesperadamente, me senti agarrado por uns braços fortes que mais pareciam "tentáculos de um polvo gigante", que me retiraram da água e me puxaram para bordo de um pequeno barco de pescadores, onde me foram prestados os primeiros socorros. Aqueles "tentáculos" eram do José Manuel Lopes, aluno mais velho (de alcunha o "Tarzan" por se balançar com alguma desenvoltura no cordame dos mastros) que se atirou ao Tejo e salvou muitos dos seus companheiros, cujo acto de coragem lhe valeu o reconhecimento da Marinha de Guerra e o consideraram um herói nacional.

Actualmente (e soube-o em tempos por uma notícia vinda no "Correio das Manhã") o "Tarzan" é um dos imensos sem abrigo que deambulam pelas ruas de Lisboa, onde mendiga algumas migalhas que lhe servem de sustento. Como em tudo na vida deste país, os heróis fácilmente são esquecidos, para darem (de quando em vez) lugar a uma pequena manchete para preencher o lado emocional dos seus leitores. Ao longo desta "estrada já percorrida", tenho sofrido alguns contra-tempos, que já colocaram por várias vezes em dúvida o prosseguimento da minha existência. Aquele acto, talvez por ter ocorrido na minha infância, me marcou decisivamente ao ponto de já ter efectuado vários contactos (embora sem êxito) para encontrar o "Tarzan", prestar-lhe uma justa e simbólica homenagem e contribuir, na medida das minhas possibilidades, para que tenha uns momentos de menor dificuldade (...)

Quem é que me ajuda a encontrar o "Tarzan"?


Carlos Vardasca

03 de Junho de 2007


Nota: Foto do dia do incêncio da última nau das Índias em 03 de Abril de 1963.