sexta-feira, 24 de agosto de 2007

"...fomos para a guerra, mas nem todos eramos ingénuos..."


(...) É bastante compreensível que a grande maioria dos soldados tivessem ido para a guerra colonial com aquele espírito patriótico de "defender a pátria dos terroristas", embora transportassem em si todos os medos que lhe estavam associados, devido à sua participação num conflito com aquelas dimensões. O regime Marcelista assim o impunha, apoiando-se num povo com condições sócio-económicas muito frágeis, na sua grande maioria inculto e bastante vulnerável às "conversas em família". Uma pequena "minoria esclarecida" desertou, recusou-se a ir e por esse facto foi presa pela PIDE/DGS ou, por diversas circunstâncias, outros viram-se na obrigação de participar naquele conflito de má memória, sentindo que, se não fossem, as represálias do regime se fariam sentir sobre os seus familiares. Eu fui daqueles (entre muitos outros) que participei no conflito colonial com a perfeita convicção de para onde ia e o que estava em jogo (embora contrariado e com uma tremenda revolta dentro de mim) mas, apesar de tudo, todos nós, os que nos encontrávamos nessas circunstâncias, fomos para a guerra mas não eramos ingénuos.

Havia sempre formas de exteriorizar os nossos pensamentos (embora de uma forma bastante discreta) ora conversando em surdina, ou pintando nas paredes das casernas algo que se relacionasse com esse descontentamento. Sabendo das minhas convicções, alguns elementos da C.CAÇ. 3309 um dia disseram-me:

- É pá Braz! tu que tens algum jeito para o desenho, pinta lá qualquer coisa mais sujestiva aqui na oficina, para que as paredes não fiquem assim tão deslavadas.

Eu sabia muito bem o que eles queriam dizer com "sujestiva", mas havia que ter bastante cautela com aquilo que diziamos ou faziamos, porque haviam sempre olhos bem atentos aos nossos movimentos. Ainda estava bem presente em mim o famigerado movimento de contestação de Maio de 68 e da Guerra do Vietname que acompanhei com bastante interresse através dos jornais e da televisão; o festival de Vilar de Mouros (formato antigo) que assisti em 1968 com apenas 18 anos, onde ouvi pela primeira vez ao vivo Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira entre outros; o Festival de Woodstock em 1969 que assisti à distância; todo aquele aparato do movimento Hippie que vivi com bastante entusiasmo, assim como o programa Zip-Zip da RTP que de certa forma transmitiu coisas muito interessantes para a época.

Então, lembrei-me (e como na altura; 08 de Agosto de 1971, estava a decorrer o Festival de Vilar de Mouros onde actuaram Elton John, Manfred Mann, Quarteto 1111 entre outros, como foi o caso de Amália Rodrigues que me pareceu nada ter a ver com aquele estilo de festival, mas enfim...) de desenhar nas paredes da oficina da C.CAÇ. 3309 no aquartelamento de Nangade, algo alusivo aos movimentos hippies e que está exposto na foto, que fiz acompanhar com os nomes dos camaradas que faziam parte da "Ferrugem" (1) e das suas terras de origem para lhe dar um ar mais discreto e inofensivo.

A coisa parecia ingénua, mas a mensagem de protesto e de contestação à guerra estava lá, (Make Love Not War) tanto que o "grafitti" não foi lá muito do agrado do nosso capitão que ainda insinuou para que o apagasse-mos. Entretanto, e como ele foi destacado para o aquartelamento de Tartibo, aquelas paredes, para nossa satisfação continuaram decoradas ao nosso gosto. Era naquela oficina que se faziam os grandes petiscos e nos refugiavamos da rotina do "arroz com peixe", mas também era ali que, encharcados em "Laurentinas" ou "2M" e empanturrados por galinhas gamadas nos aldeamentos" que os nossos desabafos se transformavam em lamentos e estes em protestos, e se exteriorizavam as nossas inquietações, embebidas em revolta por nos terem enviado para aquela guerra "sem jeito nem prosa" (...)


(1) Denominação atribuída aos militares com a especialidade de Condutores e Mecânicos da Companhia de Caçadores 3309.


Carlos Vardasca
24 de Agosto de 2007

2 comentários:

AAG News disse...

Carlos, que grupo toca esta música de fundo, é muita MOD!

L+G

AAG News disse...

Afinal a música era doutro Blogue, peço desculpa.

L+G