sexta-feira, 16 de julho de 2010

Quem são os Macondes?

Como seria compreensível, para a maioria de nós, o contacto com as populações autóctones só passou a ser uma realidade devido ao eclodir da Guerra Colonial, apresentando-se-nos através dos manuais do regime Marcelista aquelas populações e a sua revolta contra um sistema colonial que os oprimia como potenciais inimigos, cuja expressão se traduzia no apoio à formação de Movimentos de Libertação do jugo colonial.
Foi o caso da FRELIMO em Moçambique com quem nós ex-combatentes da Companhia de Caçadores 3309 viemos a tomar contacto mais directo, cujos guerrilheiros lutavam contra uma ideia de “Império”, pela libertação e independência do seu povo, conflito que contrastava com a evolução das sociedades democráticas que apoiavam o desenvolvimento e a libertação dos povos sujeitos a regimes coloniais, sendo Portugal condenado nas instâncias internacionais, nomeadamente na Organização das Nações Unidas (ONU) devido à sua política colonial.
A visão colonial seguida por Portugal nas colónias africanas impediu que, devido a uma lógica imposta pelo regime Marcelista, que a maioria de nós tivéssemos conhecimento da verdadeira expressão cultural daqueles povos, sendo uma das preocupações do exército ocupante controlar e acantonar as populações junto dos aquartelamentos militares para que mais facilmente no terreno, se pudesse dar combate ao seu exército de libertação, a FRELIMO, e evitar o seu contacto com as populações impedindo que estas pudessem prestar apoio aos seus guerrilheiros.
Os textos que se transcrevem na íntegra e que foram extraídos de obras editadas sobre as duas etnias mais representativas da zona geograficamente denominada por Planalto dos Macondes (os Macondes e os Macuas) e onde foi o centro da actividade militar da Companhia de Caçadores 3309, são a expressão mais cabal de que para além do epíteto de “terroristas” com que eram classificados pela potência colonial devido à geo-estratégia política determinada pela “Guerra Fria”, existia naqueles povos toda uma riqueza de vivência e de costumes sociais enriquecidos por uma diversidade cultural por nós desconhecida e que aqui, em jeito de uma pequena homenagem, se transcreve algumas passagens das obras que são referenciadas na bibliografia. (1)
Carlos Vardasca
16 de Julho de 2010
(1) In: "Do Tejo ao Rovuma. Uma breve pausa num tempo das nossas vidas. Moçambique 1971-1973. História da Companhia de Caçadores 3309", página 53. Carlos Vardasca. Alhos Vedros, 21 de Setembro de 2009.

(...) A região ocupada pelos Macondes de Moçambique é uma área de cerca de 40.000 km2, onde, além deste grupo étnico, se encontram outros povos. A chamada circunscrição dos Macondes cobre uma área de 22.200 km2, havendo também elementos deste povo em várias circunscrições vizinhas.
Os Macondes moçambicanos encontram-se distribuídos nesta área de maneira desigual e devem perfazer na sua totalidade cerca de 130.000 habitantes segundo estimativa de 1962.
A densidade da população com base na mesma estimativa variava muito entre o planalto de Mueda e as baixas de Nairoto e Negomano. Enquanto nestas últimas a densidade era de 1, ou inferior a 1 habitante por km2, em certas partes do planalto é cerca de 30.
O planalto, habitado exclusivamente por Macondes, é o centro de cultura da área que, na sua periferia, se vai tornando marginal pelos contactos que estabelece com outras etnias.
Antes da desarticulação dos agregados familiares imposta pela política colonial, que privilegiava a concentração das populações junto dos aquartelamentos militares a pretexto da sua defesa mas que o principal objectivo era o seu controlo para que não pudessem prestar auxilio aos guerrilheiros da FRELIMO, cada aldeia era uma unidade independente que obedecia ao seu chefe, embora esta ouvisse a opinião dos chefes de família do seu grupo.
As aldeias nesse período eram dotadas de mobilidade (o que na verdade inspirou a guerrilha) mudando-se segundo a vontade do chefe para qualquer outro lugar, longe ou perto da antiga povoação conforme os interesses do grupo o que se veio a alterar com a instituição de Administrações que estabeleceu regulados com áreas definidas.
A distribuição das aldeias dependia muito das áreas. Nas baixas ou no centro do planalto as aldeias encontravam-se mais afastadas umas das outras, perdidas no isolamento do mato.
No bordo do planalto, especialmente na região de Miteda e Muatide, a concentração era muito maior. (2)
(2) In: "Os Macondes de Moçambique", de Jorge Dias e Margot Dias, Volume III, Vida Social e Ritual, páginas 11, 12 e 212. Edição da Junta de Investigação do Ultramar. Centro de Estudos de Antropologia Cultural. Lisboa 1970.
Quem são os Macondes
(...) Os Macondes são um povo da África Oriental, que habita 3 planaltos do norte de
Moçambique e sul da Tanzânia. Têm como actividades principais, a agricultura e a escultura. Sendo apreciados mundialmente pela suas belas máscaras e esculturas de madeira, que reflectem a sua estética e cultura ricas.
A maioria dos cerca de 1.260.000 Macondes mantêm uma religião tradicional embora parte da população seja hoje cristã. Os Macondes são um povo Bantu provavelmente originário de uma zona a sul do Lago Niassa – fronteira entre Moçambique, Malawi e Tanzânia. A hipótese desta origem foi apurada a partir da análise de fontes escritas e orais, e é ainda reforçada por semelhanças culturais com o povo Chewa, que ainda hoje habita uma vasta zona a sul e sudoeste do Lago Niassa, no Malawi e na Zâmbia. Os Macondes teriam assim pertencido, em tempos remotos, a uma grande federação Marawe, que teria iniciado a sua migração para nordeste, ao longo do Vale do rio Lugenda, em tempos bastante longínquos.
Mantiveram-se muito isolados até tarde, pois só no século XX é que os portugueses, que na altura colonizavam Moçambique, conseguiram controlar as zonas por eles habitadas. Isto deveu-se à sua localização, protegida por zonas íngremes de difícil acesso e por florestas densas. O facto de os Macondes terem ganho uma imagem de violentos e irrascíveis, também ajudou ao seu isolamento. Desta forma, conseguiram manter uma forte coesão cultural, que apesar de ter diminuído nos anos que se seguiram à chegada dos portugueses, ainda assim conseguiu resistir em vários aspectos. Também a religião tradicional se manteve dominante, tendo as conversões ao cristianismo começado apenas por volta de 1930 (...)
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Foto 1: Elementos da etnia Maconde num postal de 1952. Instituto de Investigação Científica Tropical de Lisboa.
Foto 2: Família Maconde. Nangade 1971 (foto do autor).

In: "Do Tejo ao Rovuma. Uma breve pausa num tempo das nossas vidas. Moçambique 1971-1973. História da Companhia de Caçadores 3309". Páginas 55,56 e 57. Carlos Vardasca. Alhos Vedros, 21 de Setembro de 2009.

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