domingo, 6 de março de 2011

Sobre a Pensão atribuída aos sobreviventes da Guerra Colonial. Artigo de António Leitão

“PUDEIS BATER-NOS, MAS NAO ABATER-NOS, OU DESONRAR-NOS
( Léon Gambetta)

Pátria

Recordo aqueles Invernos distantes durante os quais eu passava as horas livres à fisgada aos pardais, talvez por essa razão, logo que atingi a maioridade, deste-me uma linda espingarda. Constatando porem, que tinha pouca pontaria, enviaste-me para Angola, e é verdade que lá os “pardais” eram enormes, mas não havia nada a fazer; eu não lhes acertava; quando eles voavam nas alturas, eu enviava-lhes umas chumbadas, mas eles fintavam-me e eu pobrezito, regressava a “casa” sem um mísero pássaro à cinta. Decididamente, não tinha vocação para caçador; devias ter-me confiscado a arma; e aqueles “cartuchos” que desperdicei, queres que te reembolse?
Como eu era adepto do Sporting, deste-me lindas roupas verdes; não era o nosso verde preferido, mas a intenção era louvável, pena foi que os adeptos das outras equipas não fossem contemplados; eu pedir-lhes-ei desculpa quando os encontrar.
A fim de que tirássemos o máximo proveito da nossa estadia naquela terra Africana, organizavas grandes excursões, e aos solavancos, lá íamos ao longe mas como o sol tropical nos “amolatava” a epiderme, autênticos túneis foram abertos na densidade da selva, e montados nos “nossos” MERCEDES-BENZ, íamos floresta dentro “saborear” toda a beleza e frescura da exuberante flora Angolana, sem esquecer o espectáculo proporcionado pelos macaquinhos saltando de uma para outra árvore. Convenhamos que os nossos Mercedes não tinham as mesmas características dos outros: na ausência de ar condicionado, foram-lhes retirados o telhado, as portas e as janelas; como o condutor podia parar sem avisar, também as sebes da carroçaria foram eliminadas a fim de podermos descer à vontade. Corríamos o risco de dar umas cambalhotas, mas como andávamos à boleia, não podíamos exigir muito.
Podia acontecer que os “passeios” se realizassem a pé, mas quando o cansaço se fazia sentir, podíamos poisar pé, ante pé, calmamente, não fossemos nos esmagar os caracóis, ou assustar os passarinhos. Para que o “passeio” se prolongasse no tempo, havia também parques de campismo, tudo isto grátis, evidentemente: cama, mesa e roupa suja. Acontecia cortarmos uns punhados de erva e enrolados como porquinhos, dormíamos por baixo, e deste modo a paisagem não era desfigurada.
Recompensa suprema, reservas-me para quando, ou se eu chegar a idade da reforma, um prémio que pode atingir a soma de... CENTO E DEZANOVE EUROS!
Eu compreendo a intenção, “pátria”: Vai e compra um quilo de maças. Lembras-te de que na guerra raramente te davam fruta?! Aproveita agora que são baratas; compra das mais pequeninas, a fim de darem para a semana toda. Lembras-te que também não te davam vinho?! Compra também um quartilho, mas não gastes o dinheiro todo. E queres que te peguemos na mão?
Tira a mão da farda! Tira a mão da minha roupa, fardas chegou-me três anos.
Olha, escuta: confiscaste-me os meus melhores três anos; diz-me por favor o que posso confiscar-te.

António Sequeira Leitão
CCS do Batalhão de Caçadores 3869
Ambrizete, São Salvador do Zaire e Pereira D’Eça (Ongiva)
Angola 1972-1974

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