Na foto podem ver-se da esquerda para a direita: Os Soldados de Transmissões Serrano e Carlão, Furriel Gabriel, Alferes Martins, Furriel Barbudo e o 1º Cabo Escriturário Nunes. Aquartelamento de Tartibo. Norte de Moçambique. Natal de 1971
O seu roncar já se ouvia à distância, e todos pensavam que se tratava apenas de mais uma passagem com outro destino, dado que naquele dia não estava previsto qualquer abastecimento ao Aquartelamento de Tartibo (1) .
Estávamos no ano de 1971, e faltavam poucos dias para o natal, quando o helicóptero sobrevoou o aquartelamento, pousando de imediato na clareira que fazia de campo de futebol.
A curiosidade apoderou-se de todos os militares ali presentes que rodearam o “Héli” (2) como se fossem formigas em redor de um torrão de açúcar.
― Vá malta, vamos lá afastarmo-nos para facilitar a descarga dos abastecimentos ― Disse o capitão Hélio (3) , que entretanto chegara ao local um pouco rabugento:
― Só queria saber quem são os cabrões que têm o hábito de cada vez que o helicóptero sobrevoa o aquartelamento se põem a berrar “olha o Hélio, olha o Hélio” ― O que provocou a risada geral.
Quando as portas se abriram é que todos os presentes verificaram que aquela “máquina voadora” não transportava desta vez caixas de cerveja nem sacos de batatas, mas uns estranhos passageiros que berravam intensamente e que durante a viagem já tinham empestado e conspurcado o interior do helicóptero.
Para nosso espanto, os “digníssimos passageiros” eram cinco belos cabritos que o nosso Vague Mestre (em conluio com as chefias da Manutenção Militar em Porto Amélia) nos quis brindar por altura do natal, como forma de fazermos uma breve pausa na já intragável ementa que oscilava entre o arroz com peixe ou o peixe com arroz.
Sem se aperceberem da sua sorte, os pobres bichos tiveram uma estadia no aquartelamento muito curtíssima, pois o natal estava mesmo ali “ao virar da esquina”, mas também porque a nossa voracidade em os tragar se sobrepôs a todos os afectos que lhes fomos dedicando nos dias em que se foram mantendo amarrados a uma das tendas à espera do “juízo final”.
Indiferentes ao que de facto lhes aconteceu, os cabritos naquela noite de natal jaziam já esquartejados, bem tostados em encardidos tabuleiros, acompanhados por batatas que devido à escuridão no interior das tendas não se adivinhavam estarem tão queimadas, mas que deixavam espaço para que no molho que as engordurava fossem mergulhados pequenos pedaços de caraças tão mal enjeitadas, que de imediato eram regadas até a saciedade por “Laurentinas” e “2M” (4) , que cumpriam a sua missão de refrescar gargantas gastas pelo cansaço, ressequidas pelo medo e o isolamento, mas também pela saudade de quem tão distante aguardava pelo seu regresso.
Assim se passou o natal de 1971, felizmente distante, mas tão próximo de nós quando ainda hoje recordamos os nossos companheiros que tombaram em combate, “sem jeito nem prosa”.
Carlos Vardasca
20 de Dezembro de 2011
(1) Aquartelamento situado na Província de Cabo Delgado (norte de Moçambique) junto à fronteira com a Tanzânia.
(2) Abreviatura de helicóptero.
(3) Hélio Augusto Moreira, capitão da Companhia de Caçadores 3309, de quem se fazia alguma chacota de cada vez que vinha ao aquartelamento um helicóptero, devido à semelhança do seu nome com a abreviatura daquela aeronave.
(4) Marcas de cerveja de Moçambique.
(2) Abreviatura de helicóptero.
(3) Hélio Augusto Moreira, capitão da Companhia de Caçadores 3309, de quem se fazia alguma chacota de cada vez que vinha ao aquartelamento um helicóptero, devido à semelhança do seu nome com a abreviatura daquela aeronave.
(4) Marcas de cerveja de Moçambique.
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