Capa do exemplar "Missão em Moçambique"
Com distribuição maciça
e com o objectivo de tentar “evangelizar”
todas as tropas que partiam para a guerra Colonial, aquela espécie de “catecismo” também fez parte da minha bagagem
rumo ao norte de Moçambique.
Do meu exemplar, não sei
o que foi feito dele. Talvez tivesse ficado em Nangade dentro de um cunhete de
munições do Obus 14 que fizera de
biblioteca improvisada enquanto permaneci naquele Aquartelamento no Planalto
dos Macondes, mas que por lá ficou perdido, a quando do meu embarque apressado no
Nord Atlas que me levou de Nangade
até Montepuez.
Recordo-me que durante a
viagem a bordo do navio “Niassa” e embora já adivinhasse os seus fundamentos e
objectivos ideológicos, li aquele “catecismo”
como se de um romance se tratasse, pois aquela “cantilena salazarista” há muito que me vinham ensinando desde os
bancos da escola.
Passados quarenta e um
anos, voltei a folhear aquele manual colonial, graças ao meu amigo Atílio dos
Santos[1]
que teve a amabilidade de me enviar cópia de um exemplar.
Para além dos aspectos
meramente informativos relacionados com a demografia, etnografia do território,
entre outros, aquele “catecismo” intitulado
pelo regime de “Missão em Moçambique”,
tinha como principal objectivo moldar a consciência dos militares que eram
enviados para o conflito colonial, caracterizando os vários movimentos inimigos
com quem se iriam defrontar em combate, dando especial realce à FRELIMO[2]
classificando-os de movimentos terroristas a soldo do comunismo russo e chinês,
como se aqueles guerrilheiros não tivessem aspirações políticas próprias bem definidas
e concretas, sobre as razões e da necessidade do início da luta armada pela
libertação do seu país.
Quem fizer a sua leitura
tendo em conta o seu contexto mas à luz dos fundamentos democráticos de convivência
entre os povos e do seu direito à independência do jugo colonial, notará quanto
ridícula era aquela linguagem difundida até à exaustão pelo Estado Novo, apesar
do isolamento que a política colonial portuguesa vinha sofrendo a nível mundial
e do reconhecimento dos Movimentos de Libertação na altura por parte da ONU[3].
Este exemplar de “Missão em Moçambique”, qual “catecismo colonial” impregnado de psicologia
salazarista e de literatura pseudo-ingénua, que pretendia convencer os mais incautos
sobre os verdadeiros interesses do regime naquelas parcelas de África hoje
independentes, vai também fazer parte do meu “baú de memórias”, pequeno arquivo onde vai coabitar, entre outras
coisas (sem qualquer saudosismo revanchista)
com o crachá da minha companhia; com um bilhete de identificação de um guerrilheiro
abatido em combate na picada Nangade-Pundanhar; com os quatro volumes das Obras Escolhidas de Mao-Tsé-Tung que me
foram oferecidos e recolhidos numa das bases da FRELIMO. Bem assim como a uma
nota de mil escudos com efígie de Gago
Coutinho e outra de cem escudos com efígie de Aires Ornelas emitidas pelo Banco Nacional Ultramarino em 1971, que
fizeram parte do meu primeiro pré ganho naquelas terras do Índico, e que ainda
hoje me fazem recordar que “por um magro
salário que se perdia na profundidade dos nossos bolsos”, aqueles eunucos depostos em 25 de Abril de 1974,
nos obrigaram a combater povos cujo único objectivo era o rebentar das amarras que os aprisionava há 500 anos ao
domínio e opressão colonial.
Carlos Vardasca
10 de Maio de 2012
[1]
Atílio Carlos Rodrigues dos Santos, ex- 1º Cabo Operador Cripto da Companhia de
Artilharia 2745.
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