terça-feira, 12 de março de 2013

Foi de facto uma grande festa

Foto do grupo, que não contou com todas as presenças, devido ao mau tempo que se abateu sobre Moselos e que preferiram ficar dentro do edifício da Confraria onde se realizou o Encontro.
Filipe Cardão Pinto, a quem coube a apresentação do livro "Do Tejo ao Rovuma" no uso da palavra
Carlos Vardasca, autor do livro "Do Tejo ao Rovuma", no uso da palavra
 
Discurso de apresentação do livro por Filipe Cardão Pinto
 
Caros amigos,  companheiros,  ex militares da CCaç3309, Exmo Senhor Capelão do Batalhão  Caçadores 3834, Exmas Senhoras , Exmos Senhores
Quero, em meu nome pessoal, saudar-vos a todos pela vossa presença neste evento, o qual tem por objectivo, como sabem, comemorar mais um aniversário, e já vão 40, do regresso da guerra, dita, do ultramar português, hoje tida como guerra colonial.
Privilegiou-se este evento, para se proceder à apresentação de um trabalho  de pesquisa, levado  a  cabo pelo nosso camarada Carlos Braz, no qual se relata com a precisão possível, como  foi,  ao fim e ao cabo, a vida dos militares portugueses, no teatro de guerra de Moçambique, extrapolando, também em Angola e na Guiné. Foi-me endereçado o convite para efectuar esta apresentação, o qual agradeço profundamente, sendo pois, este o motivo, pelo qual,  vos estou a dirigir estas palavras.
Daqui e agora, quero dirigir-me em primeiro lugar, ao autor, endereçando-lhe os meus agradecimentos, que, estou certo, também serem corroborados por todos vós, pelo seu denodo, devoção até, com que abraçou este projecto.
Portanto para ti, Carlos, o meu e nosso Bem-Haja.
Quanto ao trabalho em si, e desde logo ao desfolhá-lo, sentimo-nos como  que  transportados, como  se  viajássemos  numa máquina do tempo, para a época da  nossa juventude, e para as marcas que terá deixado, de forma indelével, em todos nós.
Tem esta obra, a particularidade de fazer perpetuar para o futuro, de forma quase exaustiva, como um POVO sofre quando o  obrigam a partir para aventuras políticas, citando, " sem prosa nem jeito”  aventuras essas que, ao que hoje nos é dado perceber, servem apenas os interesses de alguns  e não os reais interesses desse POVO.  
O relato, as situações, toda a vivência deste grupo de militares, não se confina, portanto, apenas e somente, a eles. Esta realidade é transversal a várias gerações de portugueses, pois não esqueçamos que foram expedidos para a chamada guerra do ultramar, cerca de 2 milhões de soldados preparados à pressa, pois era necessário, para os detentores do poder de então, mandar para África, aquilo que normalmente se designa, como " carne para canhão ". Não nos esqueçamos também que, a milhares de quilómetros do centro das operações militares, no seu verdadeiro quinhão natal, famílias inteiras, choravam baixinho, pelos filhos, parentes e amigos, aguardando ansiosamente o seu regresso, sãos e salvos. Era até vulgar ouvir-se, quando ocorria o nascimento de uma criança, " Deus queira que seja uma menina, para não ir à guerra ".
Mas, como sabemos, também algumas foram convocadas a participar nela. Aqueles que, ao lerem os relatos e virem as imagens expostas e tenham também por lá passado, fosse qual fosse o teatro de operações onde tenham estado, sentir-se-ão por certo, nesta obra, retratados.
Por tudo isto, tomo a liberdade de afirmar que este conteúdo, ultrapassa as fronteiras daquela simples unidade de infantaria, sendo este, para além de outros, um dos seus méritos, e são muitos.
O poder político actual, tem, sobre a guerra do ultramar, mantido uma postura de ambiguidade, quiçá vergonha, votando quase ao ostracismo, as gerações nela envolvidas.
É com este e outros trabalhos congéneres que calamos os que assim pensem, é com este tipo de ensaios que deixamos a nossa marca perpetuada no tempo.
Os outros, os políticos, não serão por certo recordados no futuro pelos seus concidadãos, pelas melhores razões. É com este tipo de trabalhos que o eterno "soldado desconhecido” toma o seu lugar na história e a sua verdadeira imagem, desvendada.
Para finalizar sempre direi que, se puder definir um herói nesta guerra, ele tem um rosto colectivo.
Ele foi o POVO, que de repente se viu fardado e armado, para combater, sofrer, morrer e resistir longinquamente.
O mesmo POVO que na sua terra natal, ansiava pelo fim da guerra e desesperava, sem nunca ter percebido porque o trataram tão mal, e dele sempre se esqueceram e esquecem, quando aos poderes, dá jeito.
Parabéns ao autor e aos intérpretes vivos e não vivos, mas jamais, esquecidos por todos nós.  

Paredes de Coura, 2013.03.09
Filipe Pinto 
Ex- militar da Companhia de Caçadores 3309 destacada em Moçambique na guerra do ultramar, no período de 1971 a 1973. 
Discurso do autor do livro "Do Tejo ao Rovuma", Carlos Vardasca
Caros amigos
O meu obrigado a todos pela vossa presença na apresentação do livro “Do Tejo ao Rovuma”. Aproveitando a vossa presença, queria no entanto deixar também alguns agradecimentos pois sem a sua contribuição esta obra não seria possível:
Os meus agradecimentos ao Arquivo Histórico Militar, Arquivo Histórico da Marinha de Guerra, Instituto Geográfico do Exército, Batalhão de Caçadores 10 em Chaves, mas também à prestimosa colaboração dos meus companheiros da Ex- Companhia de Caçadores 3309 presentes nesta sala, que se dignaram enviar os seus álbuns e outros documentos, que possibilitou a recolha da maioria das fotos, documentos e outros testemunhos que ilustram a presente obra.
Por outro lado, queria agradecer ao meu amigo João Arteiro que aceitou moderar esta sessão mas também pelos momentos que nos tem proporcionado ao realizar estes nossos Encontros ao longo de todos estes anos.
Um agradecimento muito especial ao meu amigo e companheiro Filipe Cardão Pinto que muita honra me deu ao gentilmente ter aceitado o meu convite para fazer a apresentação deste livro de que vos vou, em breves palavras, falar um pouco dele.
“Do Tejo ao Rovuma” é uma obra foto biográfica e documental que conta a história de cerca de 140 homens pertencentes à Companhia de Caçadores 3309, que foram mobilizados para combater em Moçambique durante o período colonial, conflito de má memória para a nossa juventude, que nela foi obrigada a participar e para onde foi enviada “sem jeito nem prosa”.
Guerra Colonial (pois é esse o nome adequado para uma guerra com aquelas características) que deixou marcas dramáticas em toda a nossa sociedade, ao ponto de ainda nos dias de hoje haver problemas familiares, resultantes das perturbações psicológicas de que muitos jovens foram vítimas por nela terem participado, muitos deles estropiados ou com graus de deficiência que lhes comprometeu de vez o futuro, outros, por terem falecido em combate (cerca de nove mil homens ao longo dos 14 anos de guerra) deixaram o nosso país repleto de pais angustiados e de imensas “viúvas de um falso império”.
Esta obra que agora deposito nas vossas mãos foi fruto de uma intensa investigação que efectuei junto das entidades já referidas, e nasceu de uma vontade imensa em não deixar esquecer “um pedaço da nossa história”, de tentar recordar através deste registo histórico um pouco do nosso passado e os momentos conturbados nele vivido.
Por sentir que a edição deste testemunho era uma necessidade imperiosa e uma forma de preservar um pedaço da nossa história recente, de que tenho o imenso prazer de colocar à disposição de todos vós, tendo também como objectivo tentar preservar na nossa memória colectiva uma vivência por vezes dramática da nossa presença por terras de África, como participantes numa guerra colonial cujos interesses, apesar de nos serem estranhos, não deixaram de mutilar uma grande parte da nossa juventude que nela participou.
O título “Do Tejo ao Rovuma” resulta do facto da Companhia de Caçadores 3309 (de que nós fazíamos parte) ter embarcado no navio Niassa (ancorado no rio Tejo em 24 de Janeiro de 1971, onde fomos despejados no fundo dos seus porões como se fossemos uma vulgar mercadoria, enquanto que aos oficiais e sargentos lhes eram facultados camarotes com algumas comodidades), e ser destacada para o norte de Moçambique, na fronteira com a Tanzânia, nas margens do rio Rovuma, onde conviveu com a brutalidade da guerra, e de onde nem todos regressaram em 6 de Março de 1973.
Embora nesta obra se descreva cronologicamente e através de documentos oficiais os factos mais relevantes da vida destes militares por terras do Índico, “Do Tejo ao Rovuma” não pretende legitimar nem fazer o elogio da Guerra Colonial, pelo contrário.
Ao longo das suas 352 páginas, para além de relatórios de operações efectuadas pelas nossas tropas, descrições dos ataques da FRELIMO aos nossos aquartelamentos, descrição das circunstâncias em que ocorreram as nossas baixas em combate (alguns desses momentos ilustrados em fotos), irão encontrar também alguns textos escritos pelo autor mas também por outros seus companheiros que aceitaram prestar os seus depoimentos, onde se denota com alguma coerência e convicção uma visão crítica e uma denúncia política da Guerra Colonial.
“Do Tejo ao Rovuma” também não é indiferente à vida social das populações nativas, fazendo nas suas páginas uma pequena descrição histórica dos usos e costumes das etnias mais relevantes em Cabo Delgado, para onde a Companhia de Caçadores 3309 foi destacada; — os Macuas e os Macondes — esta última de onde era originária uma grande percentagem dos guerrilheiros da FRELIMO.
Nesta obra houve também a preocupação, para além da denúncia dos horrores da guerra, em descrever os vários momentos de angústia e de felicidade que se forjaram entre os militares da Companhia de Caçadores 3309, por vezes em condições dramáticas de sobrevivência, refugiados no interior dos abrigos a quando dos ataques da FRELIMO aos aquartelamentos, nas emboscadas de que eram alvo no interior da mata densa, ou dormindo semanas em cima das árvores, para escapar às sucessivas inundações do seu aquartelamento pela junção das águas dos rios Rovuma e Metumbué, devido à época das chuvas, onde, apesar de tudo, se solidificaram fraternas amizades que ainda hoje perduram, fruto da partilha dos vários silêncios que inundaram os seus medos por um regresso que, por inúmeras vezes pareceu incerto.
Nas páginas deste livro não se contam façanhas heroicas nem se faz o elogio do herói tão ao gosto do Estado Novo (que por diversas vezes os tentou fabricar), mas tão só se conta o dia-a-dia dos cerca de 140 homens, que no próprio dia do seu embarque para a guerra no Cais de Alcântara já pensavam unicamente no seu regresso.
Nesta obra também se recordam os momentos fascinantes do dia 25 de Abril que veio pôr fim ao conflito colonial, mas também a convivência salutar e de extrema felicidade que se vive actualmente, quando os sobreviventes e verdadeiros protagonistas desta história se encontram anualmente em diversos pontos do país, nos Encontros Nacionais de confraternização.
Finalmente, em “Do Tejo ao Rovuma” faz-se, e com a devida honra, uma justa homenagem aos que da Companhia de Caçadores 3309 e das restantes Companhias do Batalhão de Caçadores 3834 tombaram em combate, e foram impedidos de regressar daquela odisseia trágico-marítima, para onde foram empurrados em defesa de um falso império que se adivinhava desmoronar em breve.
Foi em homenagem aos nossos companheiros tombados em combate, ao Victor, ao “Almada” ao Sousa e ao “Alentejano”, e a todos aqueles que tombaram em defesa de uma pátria que lhes foi madrasta que escrevi “Do Tejo ao Rovuma”, e é a pensar em todos eles que aqui fica um abraço solidário de quem sobreviveu.
A todos vós que se dignaram estar presentes nesta sessão, mais uma vez o meu obrigado pela vossa presença.

 Moselos (Paredes de Coura), 9 de Março de 2013
O autor

Carlos Vardasca
Ex-Soldado Condutor NM 15263570
Da Companhia de Caçadores 3309



Sem comentários: