Foto do grupo, que não contou com todas as presenças, devido ao mau tempo que se abateu sobre Moselos e que preferiram ficar dentro do edifício da Confraria onde se realizou o Encontro.
Filipe Cardão Pinto, a quem coube a apresentação do livro "Do Tejo ao Rovuma" no uso da palavra
Carlos Vardasca, autor do livro "Do Tejo ao Rovuma", no uso da palavra
Discurso de apresentação do livro por Filipe Cardão Pinto
Caros amigos, companheiros, ex militares da CCaç3309, Exmo Senhor Capelão
do Batalhão Caçadores 3834, Exmas
Senhoras , Exmos Senhores
Quero, em
meu nome pessoal, saudar-vos a todos pela vossa presença neste evento, o qual
tem por objectivo, como sabem, comemorar mais um aniversário, e já vão 40, do
regresso da guerra, dita, do ultramar português, hoje tida como guerra colonial.
Privilegiou-se
este evento, para se proceder à apresentação de um trabalho de pesquisa, levado a cabo
pelo nosso camarada Carlos Braz, no qual se relata com a precisão possível,
como foi, ao fim e ao cabo, a vida dos militares
portugueses, no teatro de guerra de Moçambique, extrapolando, também em Angola
e na Guiné. Foi-me endereçado o convite para efectuar esta apresentação, o qual
agradeço profundamente, sendo pois, este o motivo, pelo qual, vos estou a dirigir estas palavras.
Daqui e
agora, quero dirigir-me em primeiro lugar, ao autor, endereçando-lhe os meus
agradecimentos, que, estou certo, também serem corroborados por todos vós, pelo
seu denodo, devoção até, com que abraçou este projecto.
Portanto
para ti, Carlos, o meu e nosso Bem-Haja.
Quanto ao trabalho em si, e desde logo ao
desfolhá-lo, sentimo-nos como que transportados, como se viajássemos numa máquina do tempo, para a época da nossa juventude, e para as marcas que terá
deixado, de forma indelével, em todos nós.
Tem esta obra, a particularidade
de fazer perpetuar para o futuro, de forma quase exaustiva, como um POVO sofre
quando o obrigam a partir para aventuras
políticas, citando, " sem prosa nem jeito” aventuras essas que, ao que hoje nos é dado
perceber, servem apenas os interesses de alguns
e não os reais interesses desse POVO.
O relato, as
situações, toda a vivência deste grupo de militares, não se confina, portanto, apenas
e somente, a eles. Esta realidade é transversal a várias gerações de portugueses,
pois não esqueçamos que foram expedidos para a chamada guerra do ultramar, cerca
de 2 milhões de soldados preparados à pressa, pois era necessário, para os
detentores do poder de então, mandar para África, aquilo que normalmente se
designa, como " carne para canhão ". Não nos esqueçamos também que, a
milhares de quilómetros do centro das operações militares, no seu verdadeiro
quinhão natal, famílias inteiras, choravam baixinho, pelos filhos, parentes e
amigos, aguardando ansiosamente o seu regresso, sãos e salvos. Era até vulgar
ouvir-se, quando ocorria o nascimento de uma criança, " Deus queira que
seja uma menina, para não ir à guerra ".
Mas, como sabemos,
também algumas foram convocadas a participar nela. Aqueles que, ao lerem os relatos
e virem as imagens expostas e tenham também por lá passado, fosse qual fosse o
teatro de operações onde tenham estado, sentir-se-ão por certo, nesta obra,
retratados.
Por tudo isto, tomo a
liberdade de afirmar que este conteúdo, ultrapassa as fronteiras daquela simples
unidade de infantaria, sendo este, para além de outros, um dos seus méritos, e
são muitos.
O poder político
actual, tem, sobre a guerra do ultramar, mantido uma postura de ambiguidade,
quiçá vergonha, votando quase ao ostracismo, as gerações nela envolvidas.
É com este e outros
trabalhos congéneres que calamos os que assim pensem, é com este tipo de
ensaios que deixamos a nossa marca perpetuada no tempo.
Os outros, os
políticos, não serão por certo recordados no futuro pelos seus concidadãos,
pelas melhores razões. É com este tipo de trabalhos que o eterno "soldado
desconhecido” toma o seu lugar na história e a sua verdadeira imagem,
desvendada.
Para finalizar sempre
direi que, se puder definir um herói nesta guerra, ele tem um rosto colectivo.
Ele foi o POVO, que
de repente se viu fardado e armado, para combater, sofrer, morrer e resistir
longinquamente.
O mesmo POVO que na
sua terra natal, ansiava pelo fim da guerra e desesperava, sem nunca ter
percebido porque o trataram tão mal, e dele sempre se esqueceram e esquecem, quando
aos poderes, dá jeito.
Parabéns
ao autor e aos intérpretes vivos e não vivos, mas jamais, esquecidos por todos
nós.
Paredes de Coura, 2013.03.09
Filipe Pinto
Ex-
militar da Companhia de Caçadores 3309 destacada em Moçambique na guerra do
ultramar, no período de 1971 a 1973.
Discurso do autor do livro "Do Tejo ao Rovuma", Carlos Vardasca
Caros amigos
O meu obrigado a todos pela vossa
presença na apresentação do livro “Do Tejo ao Rovuma”. Aproveitando a
vossa presença, queria no entanto deixar também alguns agradecimentos pois sem
a sua contribuição esta obra não seria possível:
Os meus agradecimentos ao Arquivo Histórico Militar, Arquivo Histórico da Marinha de Guerra, Instituto
Geográfico do Exército, Batalhão de
Caçadores 10 em Chaves, mas também à prestimosa colaboração dos meus
companheiros da Ex- Companhia de Caçadores 3309 presentes nesta
sala, que se dignaram enviar os seus álbuns e outros documentos, que
possibilitou a recolha da maioria das fotos, documentos e outros testemunhos
que ilustram a presente obra.
Por outro lado, queria agradecer ao meu
amigo João Arteiro que aceitou moderar
esta sessão mas também pelos momentos que nos tem proporcionado ao realizar
estes nossos Encontros ao longo de todos estes anos.
Um agradecimento muito especial ao meu
amigo e companheiro Filipe Cardão Pinto
que muita honra me deu ao gentilmente ter aceitado o meu convite para fazer a
apresentação deste livro de que vos vou, em breves palavras, falar um pouco
dele.
“Do Tejo ao Rovuma” é uma obra foto biográfica e documental que
conta a história de cerca de 140 homens pertencentes à Companhia de Caçadores 3309, que foram mobilizados para combater em
Moçambique durante o período colonial, conflito de má memória para a nossa
juventude, que nela foi obrigada a participar e para onde foi enviada “sem jeito nem prosa”.
Guerra Colonial (pois é esse o nome adequado para uma guerra com aquelas
características) que deixou marcas dramáticas em toda a nossa sociedade, ao
ponto de ainda nos dias de hoje haver problemas familiares, resultantes das
perturbações psicológicas de que muitos jovens foram vítimas por nela terem participado,
muitos deles estropiados ou com graus de deficiência que lhes comprometeu de
vez o futuro, outros, por terem falecido em combate (cerca de nove mil homens
ao longo dos 14 anos de guerra) deixaram o nosso país repleto de pais
angustiados e de imensas “viúvas de um falso império”.
Esta obra que agora
deposito nas vossas mãos foi fruto de uma intensa investigação que efectuei junto
das entidades já referidas, e nasceu de uma vontade imensa em não deixar
esquecer “um pedaço da nossa história”, de tentar recordar através deste
registo histórico um pouco do nosso passado e os momentos conturbados nele
vivido.
Por sentir que
a edição deste testemunho era uma necessidade imperiosa e uma forma de
preservar um pedaço da nossa história recente, de que tenho o imenso prazer de
colocar à disposição de todos vós, tendo também como objectivo tentar preservar
na nossa memória colectiva uma vivência por vezes dramática da nossa presença por
terras de África, como participantes numa guerra colonial cujos interesses,
apesar de nos serem estranhos, não deixaram de mutilar uma grande parte da
nossa juventude que nela participou.
O título “Do Tejo ao Rovuma” resulta do facto da Companhia de Caçadores 3309 (de que nós fazíamos parte) ter
embarcado no navio Niassa (ancorado no rio Tejo em 24 de Janeiro de 1971, onde
fomos despejados no fundo dos seus porões como se fossemos uma vulgar
mercadoria, enquanto que aos oficiais e sargentos lhes eram facultados
camarotes com algumas comodidades), e ser destacada para o norte de Moçambique,
na fronteira com a Tanzânia, nas margens do rio Rovuma, onde conviveu com a
brutalidade da guerra, e de onde nem todos regressaram em 6 de Março de 1973.
Embora nesta obra se descreva
cronologicamente e através de documentos oficiais os factos mais relevantes da
vida destes militares por terras do Índico, “Do Tejo ao Rovuma” não
pretende legitimar nem fazer o elogio da Guerra Colonial, pelo contrário.
Ao longo das suas 352 páginas, para além
de relatórios de operações efectuadas pelas nossas tropas, descrições dos
ataques da FRELIMO aos nossos aquartelamentos, descrição das circunstâncias em
que ocorreram as nossas baixas em combate (alguns desses momentos ilustrados em
fotos), irão encontrar também alguns textos escritos pelo autor mas também por
outros seus companheiros que aceitaram prestar os seus depoimentos, onde se
denota com alguma coerência e convicção uma visão crítica e uma denúncia política
da Guerra Colonial.
“Do Tejo ao Rovuma” também não é indiferente à vida social
das populações nativas, fazendo nas suas páginas uma pequena descrição histórica
dos usos e costumes das etnias mais relevantes em Cabo Delgado, para onde a Companhia de Caçadores 3309 foi
destacada; — os Macuas e os Macondes — esta última de onde era originária uma
grande percentagem dos guerrilheiros da FRELIMO.
Nesta obra houve também a preocupação,
para além da denúncia dos horrores da guerra, em descrever os vários momentos
de angústia e de felicidade que se forjaram entre os militares da Companhia de
Caçadores 3309, por vezes em condições dramáticas de sobrevivência, refugiados no
interior dos abrigos a quando dos ataques da FRELIMO aos aquartelamentos, nas
emboscadas de que eram alvo no interior da mata densa, ou dormindo semanas em
cima das árvores, para escapar às sucessivas inundações do seu aquartelamento
pela junção das águas dos rios Rovuma e Metumbué, devido à época das chuvas, onde,
apesar de tudo, se solidificaram fraternas amizades que ainda hoje perduram,
fruto da partilha dos vários silêncios que inundaram os seus medos por um
regresso que, por inúmeras vezes pareceu incerto.
Nas páginas deste livro não se contam façanhas heroicas
nem se faz o elogio do herói tão ao gosto do Estado Novo (que por diversas
vezes os tentou fabricar), mas tão só se conta o dia-a-dia dos cerca de 140
homens, que no próprio dia do seu embarque para a guerra no Cais de Alcântara já
pensavam unicamente no seu regresso.
Nesta obra também se recordam os momentos
fascinantes do dia 25 de Abril que veio pôr fim ao conflito colonial, mas
também a convivência salutar e de extrema felicidade que se vive actualmente,
quando os sobreviventes e verdadeiros protagonistas desta história se encontram
anualmente em diversos pontos do país, nos Encontros Nacionais de
confraternização.
Finalmente, em “Do Tejo ao Rovuma”
faz-se, e com a devida honra, uma justa homenagem aos que da Companhia
de Caçadores 3309 e das restantes Companhias do Batalhão de Caçadores 3834
tombaram em combate, e foram impedidos de regressar daquela odisseia
trágico-marítima, para onde foram empurrados em defesa de um falso
império que se adivinhava desmoronar em breve.
Foi em homenagem aos nossos companheiros
tombados em combate, ao Victor, ao “Almada” ao Sousa e ao “Alentejano”,
e a todos aqueles que tombaram em defesa de uma pátria que lhes foi madrasta
que escrevi “Do Tejo ao Rovuma”, e é a pensar em todos eles que aqui fica
um abraço solidário de quem sobreviveu.
A todos vós que se dignaram estar
presentes nesta sessão, mais uma vez o meu obrigado pela vossa presença.
Carlos
Vardasca
Ex-Soldado Condutor NM 15263570Da Companhia de Caçadores 3309
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