Tive
mesmo agora conhecimento pelo meu amigo João Arteiro de que o meu camarada e
amigo António Duarte da Silva Pereira, ex-soldado Condutor da Companhia de
Caçadores 3309 (Moçambique 1971-1973) faleceu hoje, vítima de doença
prolongada.
Era
de facto um amigo e dele guardo gratas recordações. De espírito muito falador
que mais parecia transportar dentro de si uma tempestade de alegria, recordo a
forma solidária como interagia com todos nós e como acarinhava os miúdos do
aldeamento em Nangade.
Recordo
como chorou copiosamente e de uma forma sentida como se fora uma criança, quando
no aquartelamento de Palma lhe dei conhecimento do falecimento em combate do
nosso cabo condutor Victor (“Didiá) e do Sousa, na picada de acesso ao rio
Litinguinha em Nangade.
Antes
de ser mobilizado para Moçambique o Duarte esteve emigrado durante alguns anos
na Venezuela onde exerceu a profissão de marcenaria, especializando-se na arte
decorativa e de entalhador de móveis.
Quem
o queria ver, de cada vez que saía em coluna de reabastecimento entre Nangade e
Palma e nas diversas pausas deste percurso, era procurar no mato (ou comprar
nos aldeamentos) pequenos pedaços de pau-preto ou pau-rosa, para os moldar em
outras figuras que nunca pensaram ser esculpidas com outra identidade.
O
Duarte, quando foi para Moçambique, para além da mala onde transportava a sua
roupa, levou também consigo outra mala mas carregada de ferramentas associadas
à sua profissão.
Já
em Nangade, dava gosto vê-lo, nas raras pausas que a guerra permitia, empenhado
em descascar aqueles pedaços de madeira sempre com um tique que lhe era
característico que era, devido ao esforço despendido, colocar a língua de fora
e virada para o lado esquerdo da boca, como se estive a mordê-la, enquanto
tentava dar vida àqueles nacos de madeira, que regra geral assumiam figuras
religiosas, devoção essa que hoje e passados tantos anos do seu regresso da
guerra colonial, não lhe puderam valer, nem o pouparam dos dias de sofrimento
que há muito vinha padecendo.
Não
foi por acaso que nós em Moçambique lhe atribuímos a alcunha do “Mordedor de
Madeira”, que ele humildemente foi aceitando com a simplicidade que o
caracterizava e até achava muita graça.
É
recordando o Duarte, o nosso querido e amigo “Mordedor de Madeira”, que lhe
presto esta singela e sentida homenagem.
Esteja
onde estiver, aqui fica o meu abraço solidário, enviando a todos os seus
familiares as minhas condolências.
Carlos Vardasca, 11 de Abril de 2020
Foto 1: O Duarte numa foto mais recente.
Foto 2:
O Duarte, com o cotovelo apoiado na perna e com um ligeiro sorriso que o
caracterizava mesmo nos momentos difíceis.