segunda-feira, 13 de abril de 2020

Mais um amigo que nos deixou


                              Foto 1

        Foto 2


Tive mesmo agora conhecimento pelo meu amigo João Arteiro de que o meu camarada e amigo António Duarte da Silva Pereira, ex-soldado Condutor da Companhia de Caçadores 3309 (Moçambique 1971-1973) faleceu hoje, vítima de doença prolongada.
Era de facto um amigo e dele guardo gratas recordações. De espírito muito falador que mais parecia transportar dentro de si uma tempestade de alegria, recordo a forma solidária como interagia com todos nós e como acarinhava os miúdos do aldeamento em Nangade.
Recordo como chorou copiosamente e de uma forma sentida como se fora uma criança, quando no aquartelamento de Palma lhe dei conhecimento do falecimento em combate do nosso cabo condutor Victor (“Didiá) e do Sousa, na picada de acesso ao rio Litinguinha em Nangade.
Antes de ser mobilizado para Moçambique o Duarte esteve emigrado durante alguns anos na Venezuela onde exerceu a profissão de marcenaria, especializando-se na arte decorativa e de entalhador de móveis.
Quem o queria ver, de cada vez que saía em coluna de reabastecimento entre Nangade e Palma e nas diversas pausas deste percurso, era procurar no mato (ou comprar nos aldeamentos) pequenos pedaços de pau-preto ou pau-rosa, para os moldar em outras figuras que nunca pensaram ser esculpidas com outra identidade.
O Duarte, quando foi para Moçambique, para além da mala onde transportava a sua roupa, levou também consigo outra mala mas carregada de ferramentas associadas à sua profissão.
Já em Nangade, dava gosto vê-lo, nas raras pausas que a guerra permitia, empenhado em descascar aqueles pedaços de madeira sempre com um tique que lhe era característico que era, devido ao esforço despendido, colocar a língua de fora e virada para o lado esquerdo da boca, como se estive a mordê-la, enquanto tentava dar vida àqueles nacos de madeira, que regra geral assumiam figuras religiosas, devoção essa que hoje e passados tantos anos do seu regresso da guerra colonial, não lhe puderam valer, nem o pouparam dos dias de sofrimento que há muito vinha padecendo.
Não foi por acaso que nós em Moçambique lhe atribuímos a alcunha do “Mordedor de Madeira”, que ele humildemente foi aceitando com a simplicidade que o caracterizava e até achava muita graça.
É recordando o Duarte, o nosso querido e amigo “Mordedor de Madeira”, que lhe presto esta singela e sentida homenagem.
Esteja onde estiver, aqui fica o meu abraço solidário, enviando a todos os seus familiares as minhas condolências.

Carlos Vardasca, 11 de Abril de 2020

Foto 1: O Duarte numa foto mais recente.

Foto 2: O Duarte, com o cotovelo apoiado na perna e com um ligeiro sorriso que o caracterizava mesmo nos momentos difíceis.

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