quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

"era um magro pré que não se perdia na profundidade dos nossos bolsos"


(...) Um dia destes fui ao meu sótão buscar a àrvore de natal e, quando dei por mim, já estava a vasculhar, ávido de curiosidade, numas caixas de cartão onde geralmente se guardam tralhas que deixaram de ter um lugar de destaque nas gavetas das nossas casas. No meio de toda aquela azáfama, veio-me parar às mãos um pequeno envelope meio amarelado pelo tempo, escrito em letra de forma que dizia: - o meu primeiro pré em Moçambique. Cheio de curiosidade, "parecendo mais um menino a rasgar os envelopoes dos cromos da bola", deparei que no seu interior coabitavam junto de uma nota de mil escudos "novinha em folha", outra de cem, e mais alguns trocos em moedas da então colónia de Moçambique. Vieram-me à memória as parcas coisas que podiamos comprar com aquele magro salário elevado a pré, meras "quinhentas" moçambicanas que não chegavam a perder-se na profundidade dos nossos bolsos, mas na cantina do monhé; na cantina do Aquartelamento onde as "Laurentinas" refrescavam gargantas secas, mas também numa momentânea incursão ao interior de uma qualquer palhota coberta de colmo, onde os corpos se entrelaçavam e arfavam de prazer que se prolongava até de madrugada, antes que o cacimbo trespassasse as paredes de cana de bambú e de argamassa, e levassem a jovem negra para o trabalho árduo da machamba.
Agora que encontrei aquele dinheiro, retirei-o logo do sótão e guardei-o junto de outras memórias que também me são próximas, sem deixar no entanto de me recordar que aquele magro pré nunca me toldou as ideias, nem serviu de moeda de troca entre o "ter que estar ali", os valores e a razão (...)
Carlos Vardasca
13 de Dezembro de 2007
Foto: Nota de Mil Escudos de Moçambique, do período colonial.

1 comentário:

k7pirata disse...

Jorge Palma é muito bem escolhido.