segunda-feira, 28 de abril de 2008

"O que se escondia para lá do arvoredo"


(...) Apesar do seu vaguear lento, por vezes agonizante, as Berliets lá iam rasgando espaço no silêncio da mata, interrompido esporádicamente pelo piar agitado de algumas aves tropicais.
A beleza da paisagem mantinha-se indiferente ao seu esventrar, e por vezes obrigava-nos a mergulhar o olhar na sua frescura verdejante sem que pudéssemos traduzir os medos que fingíamos dispensar. Nós tínhamos consciência disso. Sabíamos que estávamos em guerra e, qualquer descuido para admirar o fascínio do manto esverdeado que nos envolvia poderia ser fatal, mas era totalmente impossível ficarmos indiferentes à beleza que se "espreguiçava" mesmo à nossa frente. Não sabíamos "quem tinha pintado aquele quadro imenso", que apesar de belo nos arrepiava de tanto medo, mas convictos de que cada pincelada que os nossos olhos inquietos conseguiam admirar pareciam ter sido desenhadas num cavalete montado algures por detrás de uma qualquer acácia já estrangulada pelas lianas.
Vezes sem conta a Companhia de Caçadores 3309 percorreu aquela espécie de "anfiteatro", coberto por um manto verde que nos roubava a luz do sol, "onde as pancadas de Molière soavam como um estrondo, anunciando o início da peça tragicamente a levar à cena, onde a escuridão se abatia sobre quem tombava no palco embora não fizesse parte do seu elenco".
Era de facto um percurso muito belo mas que encerrava em si uma tremenda inquietação. Com o suor a inundar os nossos olhares exaustos que iam contando cada planta que caía; cada arbusto que mexia ou tentavam traduzir outros sons que não os do roncar das Berliets, a picada entre Nangade e Pundanhar, apesar do desconforto da guerra "era um gigantesco quadro colectivo que os que se diziam ser seus autores defendiam agora com outros pincéis mais bélicos, de estranhos intrusos que há muito o teimavam como se fora seu".
Debaixo daquelas frondosas mas escuras sombras dissiparam-se tantas esperanças, cuja juventude pereceu "sem que sobre eles fosse derramado um pingo de seiva"; esses sim, verdadeiros heróis daquela façanha trágico-marítima de má memória, desaparecidos sem glória, "para que outros engordassem e se espojassem à volta daquela imensa gamela" só quebrada numa madrugada de Abril (...)
Carlos Vardasca
28 de Abril de 2008
Foto: Algures na Picada entre os Aquartelamentos de Nangade e Pundanhar. Cabo Delgado, Norte de Moçambique (foto cedida por Ilídio Costa).


2 comentários:

Fernando Ferrão disse...

Não estou nada de acordo com o comentário aqui colocado. O Ten. Coronel Vasconcelos Porto era Oficial de Cavalaria e Comandava o Bat De Cav. 2848 em Mocímboa do Rovuma, fazendo parte dele as Companhias CCS e 2375(M.Rovuma), 2376(Nangade) e 2377(Negomano.Em 54 meses de serviço militar nunca encontrei nenhum militar com a capacidade de chefia e de humanidade que ele tinha, como tal não estou de acordo com o que foi escrito e não acredito.Mesmo nos nossos convívios em que ele ainda faz questão de estar presente, ele não deixa de irradiar a grandeza que sempre manifestou. Posso até contar uma história, mas verdadeira, em que ele no mercedes com motorista, na cidade de Lourenço Marques passou por 3 soldados da CCav 2375 que tinha sido enviada para lá para terminar a comissão, reconhecendo-os pelo crachá que tinham no braço, mandou parar a viatura e deu-lhes boleia até onde eles queriam chegar.

Sempre ouvi essa história do material ser caro e o pessoal render-se, mas nunca associado a esse grande oficial. Ficaria muito triste se fosse verdade.

Agradeço que me confirmem o que aqui está colocado.

Um abraço a todos os ex-combatentes

Fernando Ferrão

Fernando Ferrão disse...

Este comentário está fora do sítio pelo que agradeço que o retirem

Obrigado e desculpem