sábado, 24 de setembro de 2011

O Monhé das Cobras (Rui Knopfli) Poeta Moçambicano



O MONHÉ DAS COBRAS

Manhã gloriosa, imobilizada na distância,
no extremo da caixa de areia branca
onde, agachado, anónimo e ascético,
envolto em alvos panos e silêncio,
está. O pudvém cobre-lhe o escroto

e sobraça-lhe as pernas magras e finas
de esquálido aracnídeo. No topo o turbante
e a barba anciã oscilam na brisa matinal.
Principia, então, a enfeitiçar o dia,
com exactos gestos rituais. Ergue-se,

por fim, plangente e implorativo,
o sinuoso som, para revelar, em
lentos arabescos, os assombros guardados
no sábio cesto de vime. Obedientes,
as cobras capelo encenam, à maneira,

seu acto, a coberto da enganosa pintura.
Húmidas, dardejam ao sol, rápidas,
coruscantes e fatais línguas bífidas.
Nós, meninos, paralisados de medo
e espanto. A esteira irá perder-se

no longe da areia, gasto tapete voador
voando imóvel no céu profundo
da imaginação. Privilegiado observador
desta vigília acesa debruando já,

de mansinho, as margens do sono.

(RUI KNOPFLI, grande poeta moçambicano, que muito
contribuiu com a candura da suas palavras para a elevação da dignidade dos africanos e das africanas, ..."em que a sua poesia criou um território e uma geografia próprios, uma orografia sentimental e afectuosa que tem na Ilha de Moçambique um epicentro que convém conhecer ...")
Nota: Poema enviado por Bernardino Cassiano, ex-Alferes Miliciano da Companhia de Caçadores 4243 (Muidine. Moçambique)

1 comentário:

Anónimo disse...

RUI KNOPFLI pertence a duas literaturas, valorizando, como tantos outros, dois patrimónios culturais.
http://lusofonia.com.sapo.pt/knopfli.htm