segunda-feira, 14 de julho de 2008

A FRELIMO ainda tentou recuperar o barco.


"No período de 5 a 12 de Julho de 1971 a actividade da FRELIMO resumiu-se a uma tentativa de golpe de mão ao Aquartelamento de Nova Torres, muito provavelmente no intuito de recuperar o barco "Dory" capturado pela Companhia de Caçadores 3309 em 25 de Junho de 1971 e visando igualmente os restantes barcos presos à margem junto ao quartel, tentativa esta que foi abortada pelas nossas tropas ali estacionadas. Assim, no dia 08 de Julho de 1971, durante a tentativa de golpe de mão aos barcos, o accionamento de uma armadilha colocada pelas NT causou à FRELIMO vários feridos prováveis, tendo em conta os vestígios de sangue deixados no terreno".


Foto: "Dory" capturado à FRELIMO pela Companhia de Caçadores 3309. Ao fundo pode ver-se a Tanzânia
In relatório da Região Militar de Moçambique. Batalhão de Artilharia 2918. História da Unidade, Duodécimo fascículo (mês de Julho de 1971) página 2. Arquivo Histórico Militar de Lisboa.




segunda-feira, 7 de julho de 2008

"Quando se adormece à sombra de um sobreiro"



(...) A coluna tinha feito uma pequena pausa mesmo à saída do Aquartelamento de Nangade e o "Alentejano" (1) aproveitou para perguntar ao seu Mainato que calhou passar por ali:
- "Então pá, a minha roupa está já lavada"? - Ao que o rapaz respondeu num português meio desarticulado mas perceptível:
- "Os teu roupa estar lavado à maningue tempo": - "quando patrão vier dos mato eu ir lá no teu caserna e levar os teu roupa bem passadinho".
As viaturas circulavam já na picada nova dirigindo-se para o Aquartelamento de Muidine, numa missão de reabastecimento escoltada por dois pelotões da Companhia de Caçadores 3309. Construída no âmbito da "Operação Fronteira", aquela picada era bastante larga permitindo a circulação de viaturas militares nos dois sentidos, para além de ser bastante movimentada, nada se prevendo que algo de trágico aconteceria ao quilómetro 9. No interior da mata estava um outro pelotão da C.CAÇ. 3309 fazendo protecção à Companhia de Engenharia 2736, que procedia a trabalhos de desmatação junto ao perímetro da picada, quando de repente se ouve um estrondo enorme e se vê um espesso fumo enegrecido a elevar-se como um "cogumelo" gigante por cima da copa das árvores. Por entre todo aquele fumo, movimentavam-se meio atordoados soldados com a cara tisnada de negro que corriam em todas as direcções, procurando socorrer os vários soldados que agonizavam junto à Berliet minada ou à berma da picada repleta de vários destroços. Por a picada ser bastante larga, a FRELIMO colocara várias minas anti-carro em toda a sua largura, certificando-se assim que alguma viatura as accionaria.
Naquele acidente em combate ocorrido no dia 05 de Julho de 1972, foram accionadas pela Berliet duas minas anti-carro bastante reforçadas (ficando uma outra por rebentar mesmo junto ao rodado traseiro da Berliet) que provocaram a destruição total da viatura e causando um morto e 13 feridos à C.CAÇ.3309, quatro deles com gravidade que tiveram que ser evacuados para o Hospital de Mueda.
Enquanto o helicóptero não chegava para efectuar as respectivas evacuações e o enfermeiro Cardoso procedia à prestação dos primeiros socorros aos soldados feridos, viviam-se no entanto, em plena picada, momentos de consternação pela perda de um companheiro que entre todos gozava de uma grande estima e admiração, pela sua simplicidade e espírito de camaradagem.
O "Alentejano", do 4º Grupo de Combate da C.CAÇ.3309, jazia agora tapado por uma capa camuflada na berma da picada, "não podendo mais resfrescar-se à sombra dos velhos sobreiros que rodeavam as Minas de São João em Aljustrel, onde residia", como era hábito dizer quando se lembrava das terras alentejanas que o viram nascer.
No dia seguinte, quando o mainato se dirigiu à caserna para levar a roupa ao "Alentejano" e lhe disseram o que acontecera com o seu "patrão", o rapaz olhou-nos muito sério parecendo não acreditar no que ouvia, sentando-se de imediato no chão a chorar enquanto dizia:
- "Os roupa está aí e eu já não querer lavar mais roupa dos tropa" - afastando-se da caserna enxugando os olhos ao que restava de uma camisola de alças que vestia, meio rasgada em pequenas tiras, que de encardida se confundia com a cor da sua pele.
Comovido com aquele situação, um soldado correu atrás dele e devolveu-lhe a roupa dizendo-lhe:
-"Toma lá: - fica com a roupa dele e se alguma coisa não te servir fica para os teus irmãos".
No dia seguinte, à hora do rancho e como era hábito ali dirigir-se com uma velha lata para que lhe dessem algum comer, o mainato do "Alentejano" apareceu vestido com a farda que lhe tínhamos dado, dizendo já mais sorridente mas ainda um pouco contido:
- "Eu ir vestir sempre este roupa até eu morer e os meus olho ficar fechado maninge e não ver mais este terra" (...)


Carlos Vardasca
07 de Julho de 2008

Foto 1: O "Alentejano" (em primeiro plano) junto de companheiros da C.CAÇ. 3309 numa operação, ao atravessarem o rio Metumbué próximo do Aquartelamento de Tartibo, e foto (mais pequena) tirada no Aquartelamento de Nova Torres em 1971.
Foto 2: Momento do reboque da Berliet minada na picada Nangade-Muidine logo após o acidente, em 05 de Julho de 1972.
(1) "Alentejano", 1º Cabo Atirador NM 11934670, António José Pereira do 4º Grupo de Combate da Companhia de Caçadores 3309, natural de Stª Graça dos Padrões (Almodôvar) nascido em 16 de Janeiro de 1949.


quarta-feira, 25 de junho de 2008

"A odisseia". 25 de Junho de 1971



(...) Quando o helicóptero se aproximava do Aquartelamento de Nova Torres para levar o correio e alguns abastecimentos frescos, o seu piloto avistou no rio Rovuma um pequeno barco de fibra que tentava atravessar a fronteira com alguns guerrilheiros da FRELIMO a bordo. Ao chegar ao Aquartelamento, transmitiu o que vira ao capitão Hélio Moreira que comandava a Companhia de Caçadores 3309 ali estacionada e, de imediato, ao contactar com o Furriel Arlindo se estava disposto a comandar e a fazer parte do grupo de intervenção, logo este formou um pequeno Grupo de Combate que foi transportado para as proximidades do local com vista à captura do barco e impedir que aquele grupo de guerrilheiros atravessasse o rio para território de Moçambique. Ao avistarem o helicóptero e sentindo-se detectados, logo os guerrilheiros da FRELIMO se dirigiram na direcção da Tanzânia transpondo os vários bancos de areia que se formavam no rio na maré baixa, abandonando o barco à deriva, levando consigo o depósito do combustível.
Enquanto uns militares eram lançados sobre o barco que era levado pela corrente, outros elementos do Grupo de Combate seguiam no helicóptero na perseguição dos guerrilheiros (cerca de oito) que entretanto deixaram de se avistar embrenhando-se na mata densa já do lado da Tanzânia.
Já com o barco capturado, seguindo ao sabor da corrente e quando a noite já se tinha abatido sobre aquela "odisseia", via rádio foi pedido ao Aquartelamento que enviasse reforços em seu auxílio, vindo mais tarde ao seu encontro um Grupo de Combate em barcos de borracha e outro por terra, tendo todos juntos navegado rio abaixo até se avistar o Aquartelamento de Nova Torres onde chegaram no avançado da noite (...)

Foto 1: O Grupo de Combate da C.CAÇ. 3309 que fez parte da operação de captura do barco à FRELIMO era composto por:

Furriel Miliciano NM 17730770 Arlindo Gonçalves Rodrigues
1º Cabo Auxiliar de Enfermeiro NM 10147770, José Fernando Pinto Silva
1º Cabo Atirador NM 13393970, Portugal Henriques Barreto
Soldado Operador de Transmissões NM 03426970, Mário Augusto da Silva Carlão
Soldado Atirador NM 10737670, Manuel de Jesus
(Todos agraciados com a Cruz de Guerra de 4ª Classe)

Foto 2: O respectivo Grupo de Combate posa para a foto no Aquartelamento de Nova Torres dentro do barco capturado, vendo-se ao fundo a Tanzânia.


sábado, 14 de junho de 2008

"Mãos à obra rapazes"


O Movimento Cívico de Antigos Combatentes recentemente criado, é mais uma das ferramentas (entre outras tantas que já existem) com que todos nós nos devemos munir para contribuirmos para sarar algumas das feridas que o conflito colonial ainda não conseguiu fechar. A acção simbólica levada a efeito no dia 10 de Junho, é elucidativa da sua vontade em contribuir para devolver à pátria todos quantos combateram ingloriamente numa guerra que não lhes dizia nada, mas nela tombaram e foram esquecidos. Desde os que estão sepultados em campas abandonadas nas mais diversas frentes de batalha até aos desaparecidos em combate, sepultados em lugar incerto, a todos eles a pátria lhes deve a reposição de dignidade que passa pela devolução dos seus restos mortais a uma campa digna e junto dos seus familiares, assim como a inscrição do seu nome no local onde já deveriam ter estado desde o início, ou seja: no Monumento dos Combatentes em Belém, que dele foram arredados sem qualquer justificação.
Foi o caso do Furriel Guimarães do Grupo Especial GEs 212 estacionado em Nhica do Rovuma, desaparecido em combate em 15 de Novembro de 1972 e que apesar do Estado saber das circunstâncias do seu desaparecimento não se dignou, nem a procurar junto das autoridades Tanzanianas o seu paradeiro e onde possivelmente teria sido sepultado para o trazer de volta à pátria, assim como devolver-lhe a dignidade, colocando o seu nome no monumento de que ele é também justamente merecido.
Felizmente (e oxalá não caia no esquecimento), hoje já se deram os primeiros passos na tentativa de se encontrar os seus restos mortais, uma vez que a Liga dos Combatentes se interessou pelo assunto, enviando um ofício ao Adido Militar na embaixada de Portugal em Moçambique, com o objectivo de se iniciarem as diligências necessárias para a exumação do corpo daquele combatente tombado em combate nas margens do rio Rovuma, nas proximidades da aldeia tanzaniana de Kytaia.
Amigos do Movimento Cívico de Antigos Combatentes, contem comigo para levar em frente essa vossa tarefa que decerto muito honrará e prestará a justa homenagem a todos aqueles que de momento se sentem esquecidos, na certeza de que as feridas abertas com o conflito Colonial só sararam quando todos os que "da pátria se ausentaram" e "aos que de nós não regressaram" a ela se juntem devolvendo o sossego aos seus familiares.
Carlos Vardasca
14 de Junho de 2008
Foto: Acção cívica levada a efeito pelo Movimento Cívico de Antigos Combatentes no dia 10 de Junho de 2008 junto ao Monumento dos Combatentes, com a foto do Furriel Guimarães sobreposta.

domingo, 8 de junho de 2008

Rumo à Base Beira


(...) Foi precisamente no dia 08 de Junho que hoje decorre, mas em 1971, que se iniciou a Operação "BADANAL" com a missão de a partir de Nangade chegar à BASE BEIRA e ali recolher, proteger e escoltar a Companhia de Engenharia 2736 durante a abertura da picada MUEDA-NANGADE.
Fizeram parte desta operação forças da Companhia de Artilharia 2745, da Companhia de Caçadores 3309, Companhia de Caçadores 2795 e o Agrupamento de GEs 205, assim como duas Companhias de Comandos que há muito se encontravam no local e onde foram destruídas cerca de 160 palhotas daquela base que mostrava estar bem organizada e capturado algum material bélico.
Sempre com a FRELIMO por perto a flagelar as nossas tropas com granadas de morteiro 82mm, assim como à distância perturbando a progressão da construção da nova picada, esta operação revestiu-se de elevado risco para as tropas envolvidas uma vez que actuavam em terreno muito vulnerável e onde a FRELIMO era perfeitamente conhecedora da zona que há muito controlava.
Durante a permanência das nossas tropas na BASE BEIRA a FRELIMO flagelou por várias vezes aquele estacionamento com disparos de morteiro, e ao longo da construção da nova picada foram detectados vários obstáculos, com o rebentamento de minas anti-carro e anti-pessoal, sendo um deles com cerca de 7 metros quadrados e 3 metros de profundidade com várias armadilhas e, 100 metros mais à frente, foram detectados e destruídos 6 fornilhos compostos por várias cargas de TNT (cerca de 35 quilos) acompanhados por granadas de morteiro de 60 e 82mm para que a explosão fosse mais destruidora e o número de vítimas fosse mais elevado.
Sem se conseguir todos os objectivos propostos mas conquistada a BASE BEIRA, construídos que foram cerca de 2800 metros de picada e com 28 quilómetros percorridos em plena mata, as forças envolvidas nesta operação chegaram a Nangade ao fim de 12 dias sem consequências graves a registar, embora o desgaste psíquico e físico fosse bem notório nos rostos de quem acabava de regressar, onde a exaustão estava bem vincada nas suas faces e nos camuflados cobertos por uma película de pó espesso que os tornava irreconhecíveis (...)


Carlos Vardasca
08 de Junho de 2008

Foto 1: Mapa da localização das principais bases da FRELIMO em Cabo Delgado.
Foto 2: Coluna de viaturas que transportavam as forças que tomaram a Base Beira à FRELIMO.

sábado, 7 de junho de 2008

"Breves pausas em tempo de guerra"


(...) Passada a incerteza recortada pelo olhar cansado, distante e desconfiado, onde o medo transformava o seus rostos já meio desfigurados por noites mal dormidas, era no aconchego do regresso ao aquartelamento que se voltavam a estreitar as amizades e se forjavam por outro lado novas preocupações pelas notícias do correio trazidas pelo helicóptero.
De gargantas ressequidas, sacudidos do pó que se entranhara pelo camuflado levantado pelo caminhar lento na picada e refrescados agora pelo banho de chuveiro, cuja água fora trazida do rio Metumbué, aqueles corpos repousavam agora gastos de cansaço. A Operação que durara cinco dias, com caminhada intensa por entre as lianas que obstruíam a progressão no terreno, terminara sem qualquer contacto com a FRELIMO, e era agora, à mesa, depois de um descanso bem merecido, que grupos de soldados mergulhavam em petiscos improvisados e refrescados pelas "latinhas" de cerveja e as temíveis "Bazookas" (como a que o Pereira (1) se sacia) desvanecendo todos os medos, enquanto a noite se abatia sobre as tendas de lona meio ressequidas pelo sol abrasador que se escondera para lá das montanhas da Tanzânia.
A aldeia distante, a família em constante desespero, os horrores da guerra e o simples questionar da nossa presença - ali tão longe de tudo, transformava-se num novelo de conversas à luz forçada de um gerador desconjuntado, que roncava forte no seu trabalhar, assemelhando-se às saídas das granadas de morteiro 82mm da guerrilha, que nos obrigavam a fugir de emergência para a segurança dos abrigos.
Eram de facto momentos únicos que nos permitiam fingir ignorar os horrores da guerra. Tudo era pretexto para juntar à volta da mesma mesa "Mouros" e "Ratinhos", tragando nacos de frango (saqueados numa incursão relâmpago ao aldeamento ou ao galinheiro do capitão) saboreados com satisfação até ao lamber dos dedos, desde que logo empurrados pela fresquidão das "Laurentinas", que escorregavam logo atrás de um pedaço de carcaça bem untada do molho já coalhado, que cobria o tabuleiro de alumínio já meio escurecido pela servidão.
Pela noite dentro, com os very-lights lançados pela guerrilha a sobrevoarem e a iluminarem todo o aquartelamento, transmitindo-nos outros tantos momentos de insegurança pela eminência de um ataque, o silêncio, que conseguia pairar por entre os intervalos do roncar do gerador como se fora o cacimbo a humedecer pela manhã a fragilidade do capim, deixava que outros, quais crianças embaladas, adormecessem, esquecendo momentaneamente o que decerto estaria espreitando impaciente para lá do perímetro defensivo do aquartelamento, no interior da mata densa e a coberto da folhagem escurecida pela noite (...)

Carlos Vardasca
07 de Junho de 2008
Fotos: A malta da Companhia de Caçadores 3309 na hora do tacho no Aquartelamento de Tartibo e num petisco na oficina auto em Nangade.
(1) Alfredo Bernardino Pereira, Soldado Condutor Auto Rodas NM 1540770 da C.CAÇ. 3309, natural de Algés e falecido em 1975.




segunda-feira, 2 de junho de 2008

"E os abutres devoraram a Estação de Alhos Vedros"


A minha indignação por este acto bárbaro efectuado pela REFER, mas com o conhecimento da Câmara Municipal da Moita desde 2005, pode ser lida num artigo de opinião que enviei para o jornal "O RIO" com o título "Uma memória em escombros", na secção de política do mesmo jornal em:

Carlos Vardasca
02 de Junho de 2008
Fotos: Estação de Alhos Vedros antes e após a sua demolição em 30 de Maio de 2008