quarta-feira, 25 de junho de 2008

"A odisseia". 25 de Junho de 1971



(...) Quando o helicóptero se aproximava do Aquartelamento de Nova Torres para levar o correio e alguns abastecimentos frescos, o seu piloto avistou no rio Rovuma um pequeno barco de fibra que tentava atravessar a fronteira com alguns guerrilheiros da FRELIMO a bordo. Ao chegar ao Aquartelamento, transmitiu o que vira ao capitão Hélio Moreira que comandava a Companhia de Caçadores 3309 ali estacionada e, de imediato, ao contactar com o Furriel Arlindo se estava disposto a comandar e a fazer parte do grupo de intervenção, logo este formou um pequeno Grupo de Combate que foi transportado para as proximidades do local com vista à captura do barco e impedir que aquele grupo de guerrilheiros atravessasse o rio para território de Moçambique. Ao avistarem o helicóptero e sentindo-se detectados, logo os guerrilheiros da FRELIMO se dirigiram na direcção da Tanzânia transpondo os vários bancos de areia que se formavam no rio na maré baixa, abandonando o barco à deriva, levando consigo o depósito do combustível.
Enquanto uns militares eram lançados sobre o barco que era levado pela corrente, outros elementos do Grupo de Combate seguiam no helicóptero na perseguição dos guerrilheiros (cerca de oito) que entretanto deixaram de se avistar embrenhando-se na mata densa já do lado da Tanzânia.
Já com o barco capturado, seguindo ao sabor da corrente e quando a noite já se tinha abatido sobre aquela "odisseia", via rádio foi pedido ao Aquartelamento que enviasse reforços em seu auxílio, vindo mais tarde ao seu encontro um Grupo de Combate em barcos de borracha e outro por terra, tendo todos juntos navegado rio abaixo até se avistar o Aquartelamento de Nova Torres onde chegaram no avançado da noite (...)

Foto 1: O Grupo de Combate da C.CAÇ. 3309 que fez parte da operação de captura do barco à FRELIMO era composto por:

Furriel Miliciano NM 17730770 Arlindo Gonçalves Rodrigues
1º Cabo Auxiliar de Enfermeiro NM 10147770, José Fernando Pinto Silva
1º Cabo Atirador NM 13393970, Portugal Henriques Barreto
Soldado Operador de Transmissões NM 03426970, Mário Augusto da Silva Carlão
Soldado Atirador NM 10737670, Manuel de Jesus
(Todos agraciados com a Cruz de Guerra de 4ª Classe)

Foto 2: O respectivo Grupo de Combate posa para a foto no Aquartelamento de Nova Torres dentro do barco capturado, vendo-se ao fundo a Tanzânia.


sábado, 14 de junho de 2008

"Mãos à obra rapazes"


O Movimento Cívico de Antigos Combatentes recentemente criado, é mais uma das ferramentas (entre outras tantas que já existem) com que todos nós nos devemos munir para contribuirmos para sarar algumas das feridas que o conflito colonial ainda não conseguiu fechar. A acção simbólica levada a efeito no dia 10 de Junho, é elucidativa da sua vontade em contribuir para devolver à pátria todos quantos combateram ingloriamente numa guerra que não lhes dizia nada, mas nela tombaram e foram esquecidos. Desde os que estão sepultados em campas abandonadas nas mais diversas frentes de batalha até aos desaparecidos em combate, sepultados em lugar incerto, a todos eles a pátria lhes deve a reposição de dignidade que passa pela devolução dos seus restos mortais a uma campa digna e junto dos seus familiares, assim como a inscrição do seu nome no local onde já deveriam ter estado desde o início, ou seja: no Monumento dos Combatentes em Belém, que dele foram arredados sem qualquer justificação.
Foi o caso do Furriel Guimarães do Grupo Especial GEs 212 estacionado em Nhica do Rovuma, desaparecido em combate em 15 de Novembro de 1972 e que apesar do Estado saber das circunstâncias do seu desaparecimento não se dignou, nem a procurar junto das autoridades Tanzanianas o seu paradeiro e onde possivelmente teria sido sepultado para o trazer de volta à pátria, assim como devolver-lhe a dignidade, colocando o seu nome no monumento de que ele é também justamente merecido.
Felizmente (e oxalá não caia no esquecimento), hoje já se deram os primeiros passos na tentativa de se encontrar os seus restos mortais, uma vez que a Liga dos Combatentes se interessou pelo assunto, enviando um ofício ao Adido Militar na embaixada de Portugal em Moçambique, com o objectivo de se iniciarem as diligências necessárias para a exumação do corpo daquele combatente tombado em combate nas margens do rio Rovuma, nas proximidades da aldeia tanzaniana de Kytaia.
Amigos do Movimento Cívico de Antigos Combatentes, contem comigo para levar em frente essa vossa tarefa que decerto muito honrará e prestará a justa homenagem a todos aqueles que de momento se sentem esquecidos, na certeza de que as feridas abertas com o conflito Colonial só sararam quando todos os que "da pátria se ausentaram" e "aos que de nós não regressaram" a ela se juntem devolvendo o sossego aos seus familiares.
Carlos Vardasca
14 de Junho de 2008
Foto: Acção cívica levada a efeito pelo Movimento Cívico de Antigos Combatentes no dia 10 de Junho de 2008 junto ao Monumento dos Combatentes, com a foto do Furriel Guimarães sobreposta.

domingo, 8 de junho de 2008

Rumo à Base Beira


(...) Foi precisamente no dia 08 de Junho que hoje decorre, mas em 1971, que se iniciou a Operação "BADANAL" com a missão de a partir de Nangade chegar à BASE BEIRA e ali recolher, proteger e escoltar a Companhia de Engenharia 2736 durante a abertura da picada MUEDA-NANGADE.
Fizeram parte desta operação forças da Companhia de Artilharia 2745, da Companhia de Caçadores 3309, Companhia de Caçadores 2795 e o Agrupamento de GEs 205, assim como duas Companhias de Comandos que há muito se encontravam no local e onde foram destruídas cerca de 160 palhotas daquela base que mostrava estar bem organizada e capturado algum material bélico.
Sempre com a FRELIMO por perto a flagelar as nossas tropas com granadas de morteiro 82mm, assim como à distância perturbando a progressão da construção da nova picada, esta operação revestiu-se de elevado risco para as tropas envolvidas uma vez que actuavam em terreno muito vulnerável e onde a FRELIMO era perfeitamente conhecedora da zona que há muito controlava.
Durante a permanência das nossas tropas na BASE BEIRA a FRELIMO flagelou por várias vezes aquele estacionamento com disparos de morteiro, e ao longo da construção da nova picada foram detectados vários obstáculos, com o rebentamento de minas anti-carro e anti-pessoal, sendo um deles com cerca de 7 metros quadrados e 3 metros de profundidade com várias armadilhas e, 100 metros mais à frente, foram detectados e destruídos 6 fornilhos compostos por várias cargas de TNT (cerca de 35 quilos) acompanhados por granadas de morteiro de 60 e 82mm para que a explosão fosse mais destruidora e o número de vítimas fosse mais elevado.
Sem se conseguir todos os objectivos propostos mas conquistada a BASE BEIRA, construídos que foram cerca de 2800 metros de picada e com 28 quilómetros percorridos em plena mata, as forças envolvidas nesta operação chegaram a Nangade ao fim de 12 dias sem consequências graves a registar, embora o desgaste psíquico e físico fosse bem notório nos rostos de quem acabava de regressar, onde a exaustão estava bem vincada nas suas faces e nos camuflados cobertos por uma película de pó espesso que os tornava irreconhecíveis (...)


Carlos Vardasca
08 de Junho de 2008

Foto 1: Mapa da localização das principais bases da FRELIMO em Cabo Delgado.
Foto 2: Coluna de viaturas que transportavam as forças que tomaram a Base Beira à FRELIMO.

sábado, 7 de junho de 2008

"Breves pausas em tempo de guerra"


(...) Passada a incerteza recortada pelo olhar cansado, distante e desconfiado, onde o medo transformava o seus rostos já meio desfigurados por noites mal dormidas, era no aconchego do regresso ao aquartelamento que se voltavam a estreitar as amizades e se forjavam por outro lado novas preocupações pelas notícias do correio trazidas pelo helicóptero.
De gargantas ressequidas, sacudidos do pó que se entranhara pelo camuflado levantado pelo caminhar lento na picada e refrescados agora pelo banho de chuveiro, cuja água fora trazida do rio Metumbué, aqueles corpos repousavam agora gastos de cansaço. A Operação que durara cinco dias, com caminhada intensa por entre as lianas que obstruíam a progressão no terreno, terminara sem qualquer contacto com a FRELIMO, e era agora, à mesa, depois de um descanso bem merecido, que grupos de soldados mergulhavam em petiscos improvisados e refrescados pelas "latinhas" de cerveja e as temíveis "Bazookas" (como a que o Pereira (1) se sacia) desvanecendo todos os medos, enquanto a noite se abatia sobre as tendas de lona meio ressequidas pelo sol abrasador que se escondera para lá das montanhas da Tanzânia.
A aldeia distante, a família em constante desespero, os horrores da guerra e o simples questionar da nossa presença - ali tão longe de tudo, transformava-se num novelo de conversas à luz forçada de um gerador desconjuntado, que roncava forte no seu trabalhar, assemelhando-se às saídas das granadas de morteiro 82mm da guerrilha, que nos obrigavam a fugir de emergência para a segurança dos abrigos.
Eram de facto momentos únicos que nos permitiam fingir ignorar os horrores da guerra. Tudo era pretexto para juntar à volta da mesma mesa "Mouros" e "Ratinhos", tragando nacos de frango (saqueados numa incursão relâmpago ao aldeamento ou ao galinheiro do capitão) saboreados com satisfação até ao lamber dos dedos, desde que logo empurrados pela fresquidão das "Laurentinas", que escorregavam logo atrás de um pedaço de carcaça bem untada do molho já coalhado, que cobria o tabuleiro de alumínio já meio escurecido pela servidão.
Pela noite dentro, com os very-lights lançados pela guerrilha a sobrevoarem e a iluminarem todo o aquartelamento, transmitindo-nos outros tantos momentos de insegurança pela eminência de um ataque, o silêncio, que conseguia pairar por entre os intervalos do roncar do gerador como se fora o cacimbo a humedecer pela manhã a fragilidade do capim, deixava que outros, quais crianças embaladas, adormecessem, esquecendo momentaneamente o que decerto estaria espreitando impaciente para lá do perímetro defensivo do aquartelamento, no interior da mata densa e a coberto da folhagem escurecida pela noite (...)

Carlos Vardasca
07 de Junho de 2008
Fotos: A malta da Companhia de Caçadores 3309 na hora do tacho no Aquartelamento de Tartibo e num petisco na oficina auto em Nangade.
(1) Alfredo Bernardino Pereira, Soldado Condutor Auto Rodas NM 1540770 da C.CAÇ. 3309, natural de Algés e falecido em 1975.




segunda-feira, 2 de junho de 2008

"E os abutres devoraram a Estação de Alhos Vedros"


A minha indignação por este acto bárbaro efectuado pela REFER, mas com o conhecimento da Câmara Municipal da Moita desde 2005, pode ser lida num artigo de opinião que enviei para o jornal "O RIO" com o título "Uma memória em escombros", na secção de política do mesmo jornal em:

Carlos Vardasca
02 de Junho de 2008
Fotos: Estação de Alhos Vedros antes e após a sua demolição em 30 de Maio de 2008




quarta-feira, 28 de maio de 2008

"Não me levem a Estação"


De facto isto nada tem a ver com a Guerra Colonial. Mas tratando-se de uma tentativa de violência direccionada ao património desta terra que me acolheu e ajudou a moldar a minha personalidade, considero ser também uma "guerra" contra a população a simples intenção da REFER em demolir a Estação de Alhos Vedros, o que me entristece.
Entristece-me ver esta Vila histórica aos poucos ser desprovida da sua memória colectiva, ficar cada vez mais pobre, mas rodeada de prédios amuralhados onde proliferam algumas "ex-colectividades" hoje transformadas em meras tabernas, onde o associativismo foi trocado pelo culto fácil do "agora pagas tu e depois pago eu até que a rodada calhe a todos".
A Estação de Alhos Vedros é um património da nossa Vila que deve ser preservado, preservação essa que não impedirá a normal e necessária modernização da Linha Barreiro-Praias de Sado (veja-se o exemplo da Estação do Pinhal Novo) pois a manutenção daquela estrutura centenária poderá ser útil para albergar outros equipamentos tão necessários e de que esta Vila está tão carenciada.
Se em tempos houve desinteresse da Câmara Municipal da Moita em assumir aquele equipamento quando lhe foi proposto pela REFER, há que assumir esse erro e "dar a volta ao texto" porque a "hipocrisia já não rende e para esse peditório já não dou mais".
Agora, há que juntar vontades e, todos juntos, defendermos a manutenção da Estação de Alhos Vedros, como parte integrante do nosso património colectivo e dar-lhe a utilidade que os responsáveis locais entenderem ser o mais premente.
Do Tejo ao Rovuma está solidário com a luta da população de Alhos Vedros, sugerindo a todos a leitura do blog: http://estacao-alhosvedros.blogspot.com/

Carlos Vardasca
28 de Maio de 2008

Foto: Estação de Alhos Vedros, da autoria de JJCN.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Rumo a Kytaia


Na sequência do desenvolvimento do assunto tornado público e relacionado com o desaparecimento do Furriel Guimarães em 15 de Novembro de 1972 e o movimento que se poderá vir a formar com o objectivo de apoiar esta causa para que, com o apoio da Liga dos Combatentes, se iniciem as diligências no sentido de se localizar o local da sua sepultura nas proximidades ou na aldeia de Kytaia (Tanzânia), venho dar-vos conhecimento dos contactos já desenvolvidos e das manifestações de solidariedade já recebidas em torno desta questão.
Do contacto efectuado com a Liga dos Combatentes recebi uma carta (16 de Maio de 2008) em forma de esclarecimento que pode ser lida em: ultramar@terraweb.biz onde o seu presidente Tenente Coronel Joaquim Chito Rodrigues diz no ponto nº 9 do mesmo documento, para além de outras considerações:
" - Tendo em atenção o objectivo que pretende (exumação e transladação) cuja responsabilidade é das famílias ou entidades que as apoiem, a Liga agradece, caso sejam feitas diligências nessa sentido, informação sobre a localização exacta da inumação do referido militar na Tanzânia, sem prejuízo das diligências que a Liga possa desencadear via Adido de defesa em Moçambique".
Posteriormente a Liga elaborou um ofício dirigido ao Coronel Câmara Stone, Militar Adido de Defesa na Embaixada de Moçambique em Maputo, cujo ofício manifesta a preocupação com as dificuldades em se "obter dados concretos sobre a localização dos restos mortais deste militar", concluindo no ponto nº 4 do mesmo ofício:
" Será que com o apoio das autoridades Moçambicanas e/ou da Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional, com quem a Liga tem contactos e com quem vai estreitar relações, haveria possibilidades de iniciar um processo de confirmação da localização?"
Bem ao jeito da linguagem popular "a coisa parece que já vai mexendo" a avaliar também pelos vários mails e telefonemas recebidos a manifestarem a maior admiração por esta causa, onde destaco, entre outros, uma carta vinda do Estados Unidos da América enviada pelo membro de três Associações de Veteranos de Guerra ali emigrado (West Caldwell, NJ. USA) o senhor Moisés Cavadas, que diz a dado passo:
" ... Tenho esperança que tarde ou cedo as ossadas daquele militar serão encontradas...
Certo que a sua alma estará em paz. Não importa que estejamos em qualquer parte do Mundo... o velho veterano continua sempre a honrar os mortos e fazer justiça ao vivos..."
Consciente da importância que este assunto vai tomando dadas as várias manifestações de solidariedade, sempre que surgirem desenvolvimentos sobre esta causa "Do Tejo ao Rovuma" dar-lhe-á a devida importância e deles fará eco.
Carlos Vardasca
23 de Maio de 2008
Foto: O Grupo Especial (GEs) 212 (de que fazia parte o falecido Furriel Guimarães) sai do Aquartelamento de Nhica do Rovuma para um patrulhamento junto à fronteira com a Tanzânia. Na foto vê-se o seu comandante, Furriel Pinto da Companhia de Caçadores 3309 que participou naquela operação a acenar para o soldado que tirava a fotografia.